Com o mundo passando de 1,6 milhão de mortes por covid-19, a corrida por uma vacina está cada vez mais acirrada. Na linha de chegada estão os imunizantes com a tecnologia RNA. Por se tratar de um tipo novo de vacina, ainda enfrenta barreiras como a necessidade de armazenamento em baixíssimas temperaturas. Apesar de complicado, Ricardo Agostinho Canteras, especialista em logística de cadeia fria e diretor comercial da Temp Log, aponta que o Brasil tem capacidade para incorporar este tipo de tecnologia.
As vacinas mais avançadas necessitam de armazenamento em baixíssimas temperaturas. O Brasil tem capacidade de incorporar a tecnologia RNA na rede pública? E na rede privada?
Capacidade e tecnologia, sim. O Brasil já tem laboratórios e universidades que fazem estudos com criogenia, que são materiais com temperaturas até mais baixas do que -75ºC. Então, a tecnologia, nós temos. Mas, acredito que a capacidade de armazenamento deverá ser ampliada, pois o que temos, hoje, não deve ser suficiente para atender à demanda. Provavelmente, será feito um mapeamento de todas as universidades, laboratórios, operadores logísticos e redes de hospitais que possuem a capacidade desse tipo de armazenamento. Muitos hospitais possuem o que a gente chama de “ultra-freezers”, que são os freezers que chegam até essas temperaturas mais baixas. Precisará ser feito um mapeamento em todo o Brasil, contendo quais são os locais que poderiam ser utilizados como centros de distribuição, para onde os materiais importados deverão ser destinados para armazenamento em baixíssimas temperaturas. Depois, para poder espalhar isso por todo o território, precisarão ser utilizadas as embalagens de resfriamento passivo, com gelo seco.
O gelo seco pode ser outra questão que dificulta a incorporação?
Esse é outro ponto que complementa a dificuldade desse tipo de vacina na distribuição. Ela exige gelo seco, que está em queda na produção mundial. O gelo seco é um subproduto da produção de etanol e, como na pandemia, os veículos têm circulado menos, a produção de etanol diminuiu e, consequentemente, a de gelo seco, também. Então, se a gente tiver uma grande necessidade de consumo de gelo seco para transporte desse tipo de vacina, é preciso ficar atento para uma possível falta do insumo principal. Fora isso, o gelo seco limita a capacidade de transporte em aeronave. Para realizar, por exemplo, uma transferência de vacinas de um estado para o outro em um modal aéreo, você tem um limite que uma aeronave pode levar dentro dela de dióxido de carbono (gelo seco), por ser um produto perigoso.
Existe uma estimativa do quanto se precisaria investir para disponibilizar as vacinas Pfizer
ou Moderna no país?
É difícil ter esse número sem um mapeamento. É preciso entender primeiro quais hospitais, laboratórios, operadores logísticos e universidades têm tecnologia para armazenamento nessa temperatura. Depois, qual a capacidade deles de armazenamento. E, aí, tem que ser feita uma conta de quanto será necessário investir para conseguir armazenar toda a demanda. Mas, como a Pfizer tem dito, esse tipo de vacina exige uma logística em tempo curto. Dificilmente ela será armazenada por muito tempo. O plano é produzir e entregar para aplicação em um curtíssimo prazo. E isso vai envolver novos desafios, pois quando ela chegar no ponto de vacinação, as pessoas precisarão ir até lá e receber a aplicação em um prazo curto também, afinal, mesmo com as embalagens passivas, a gente vai ter, no máximo, 50 dias, desde que sai do ponto de armazenagem, para aplicar. Por isso, acredito ser difícil calcular o tamanho do investimento, porque, na verdade, há uma série de fatores, não só de infraestrutura de armazenagem, mas, também, de logística e de um programa de vacinação rápido na população.
A Pfizer poderia ser incorporada?
A Pfizer explicou recentemente sobre as vacinas, cujas embalagens são testadas e validadas. A empresa garante que com gelo seco é capaz de conservar o material genético das vacinas por até 15 dias. Além disso, a Pfizer confirmou que é possível fazer a substituição/renovação desse gelo seco por mais duas vezes sem comprometimento do produto. Ou seja: com a manutenção adequada, essas caixas garantem uma conservação de 45 dias da vacina fora do Centro de Distribuição. Além disso, a farmacêutica garante que, sob refrigeração comum (de 2 a 8ºC), o material genético não se degrada por cinco dias. Então, a logística desse tipo de vacina de baixa temperatura vai ser uma combinação de tecnologias de logística e de monitoramento.