Enquanto países se preparam para iniciar a vacinação contra a covid-19 esta semana, o Brasil, que sempre foi parâmetro para o mundo em relação às campanhas vacinais, restringiu as possibilidades de futuros imunizantes a duas ou três opções. O número veio do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. Em meio à corrida por uma vacina, especialistas acreditam que o vaivém de declarações da pasta e a briga política declarada entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, podem fazer com que o país fique para trás.
Para o epidemiologista e professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Sanchez, a coordenação da busca por um imunizante poderia ser melhor. “Não acho que seria muito justo dizer que o Brasil está atrasado em relação à vacinação, mas algumas ações fecham portas que não precisam ser fechadas.”
Como exemplo, ele cita a briga política entre o governo federal e o governo paulista, que anunciou a compra da CoronaVac, produzida pela chinesa Sinovac e pelo Instituto Butantan. Em outubro, após o ministro da Saúde assinar um protocolo de intenção para adquirir 46 milhões de doses do imunizante, Bolsonaro desautorizou Pazuello ao afirmar que não compraria a vacina. “No momento, essa briga impede o Brasil de ter no horizonte de curto prazo a possibilidade da vacina CoronaVac”, analisa Sanchez. “Como o mundo vai querer vacina, se você não sinalizar que quer esse imunizante, pode ficar sem.”.
O Ministério da Saúde garante que já teve conversas sobre a CoronaVac e que está interessado em um imunizante que seja registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), independentemente da origem. “De maneira clara e objetiva: esse ministério está interessado, sim, em uma vacina que seja registrada pela Anvisa, que se mostre eficaz e segura. E que passe por todos os processos para que possa, efetivamente, ser incorporada ao Programa Nacional de Imunização (PNI)”, disse o secretário de Vigilância em Saúde, Arnaldo Medeiros, em coletiva da pasta.
Para o infectologista do Laboratório Exame e diretor científico da Sociedade de Infectologia do DF, David Urbaez, antes de discutir se o governo está ou não adotando planejamento aquém da necessidade do momento, é necessário aguardar o protocolo dos resultados e a análise da Anvisa. “Acelerações são boas quando feitas de forma coerente. Até agora, tudo foi acelerado. Mas a fase três dos estudos clínicos não tem como ser acelerada, porque depende do número de eventos, de pessoas infectadas.”
Ele destaca que o governo precisa estar a postos para agilizar a aplicação das vacinas quando, de fato, houver algo concreto, mas aponta que as lideranças de São Paulo não devem fazer pressão como se os passos preliminares para a aprovação do imunizante já estivessem concluídos. “Isso é um infeliz jogo político que, obviamente, precisa ser afastado. Esta vacina (CoronaVac) acaba virando uma ferramenta de proselitismo político e, agora, é uma das principais pautas desse palanque. É lamentável que toda essa condução não esteja sendo feita a partir do PNI”, critica Urbaez, frisando que a descentralização das ações foram uma falha das autoridades brasileiras e que pode comprometer o andamento da campanha de vacinação contra a covid-19.
Isso porque, se estados realizarem ações desarticuladas, como pode ocorrer em São Paulo, o problema de transmissão não é resolvido a nível de epidemia nacional e se quebra a cadeia de universalização da vacina, apontam os especialistas. Por enquanto, com a baixa disponibilidade de doses, o objetivo é diminuir a mortalidade e incidência de casos graves, como consta nas missões do Ministério da Saúde.
Sanchez acredita que a vacinação por estados pode ter um lado positivo, mas concorda que a iniciativa estadual ocorre por falta de coordenação entre o governo e as unidades federativas. “Por vias tortas, acaba-se resolvendo parte da cobertura vacinal que o governo deveria coordenar, mas denota justamente uma falta de coordenação, falta de um discurso igual, que a gente vê desde o início da pandemia”, afirma.
Para o professor, a falta de direção na busca por um imunizante faz com que a perspectiva de uma vacinação mais ampla fique ainda mais distante. “Com essa novela toda, o Brasil não vai ter vacina para todo mundo e esse plano de priorização, divulgado pelo ministério, já começa a dar confusão. Já vi questionamentos sobre porquê um grupo está incluso e outro, não”.
Na semana passada, a coordenadora do PNI, Francieli Fantinato, ressaltou que, à medida em que houver novas previsões de entregas de vacina, há chance de ampliar os grupos já elencados pela pasta (leia no quadro). “Essa definição (de grupos) foi feita em cima da situação epidemiológica que leva em consideração os óbitos e riscos de agravamento pela doença, além dos grupos que têm maior exposição ao vírus. A partir do momento em que se tem mais vacina licenciada, com mais quantitativos disponíveis, há de se pensar, sim, e se planejar a inserção de novos grupos.”
Divisão por grupos
1º grupo
Idosos a partir dos 75 anos, pessoas com mais de 60 anos e que vivem em asilos ou instituições psiquiátricas, profissionais da saúde e indígenas
2º grupo
Pessoas de 60 a 74 anos
3º grupo
Pessoas com comorbidades que apresentam maior chance para agravamento da doença (exemplo: portadores de doenças renais crônicas e cardiovasculares)
4º grupo
Professores, forças de segurança e salvamento, funcionários do sistema prisional e população privada de liberdade