O presidente da Sinovac, Weidong Yin, admitiu à Justiça em 2016 ter pago propina a um ex-oficial da agência regulatória de medicamentos chinesa entre 2002 e 2011 para acelerar a aprovação de vacinas no órgão governamental, segundo reportagem publicada nesta sexta-feira, 4, pelo jornal americano Washington Post com base em documentos de tribunais da China. A companhia biofarmacêutica é a parceira do Instituto Butantã no desenvolvimento da vacina Coronavac.
A suspeita de pagamento de propina por Yin já havia sido revelada pelo Estadão em novembro, em reportagem especial sobre a biotech chinesa. Na ocasião, documentos da empresa apontavam que o executivo foi citado em um julgamento de um ex-servidor da agência como um dos indivíduos que pagou propina, mas não foi condenado por nenhum ato ilícito nem pela Justiça chinesa nem pelo Departamento de Justiça dos EUA, que abriu investigação na época pelo fato de a empresa ter capital aberto na bolsa americana.
A situação de Yin na Justiça continua a mesma, sem novas acusações. Mas o que foi revelado agora pelo Washington Post são trechos do depoimento do executivo admitindo o pagamento. De acordo com o jornal, o executivo afirmou que pagou US$ 83 mil ao ex-oficial da agência chinesa Yin Hongzhang, responsável pela área de imunobiológicos no órgão, e à sua esposa.
No período do pagamento do suborno, a Sinovac conseguiu o registro de vacinas como a da gripe H1N1 e a de hepatite, mas, segundo a reportagem do jornal americano, não houve nenhum escândalo relacionado à segurança e qualidade das vacinas aprovadas no período nem nenhuma irregularidade referente ao desenvolvimento da Coronavac.
Ainda não está claro, no entanto, por que o CEO não foi formalmente acusado nem condenado mesmo confessando o pagamento de suborno. Não se sabe se ele foi considerado vítima de achaque por parte de agentes públicos ou se fez algum acordo com a Promotoria chinesa para não sofrer sanções caso colaborasse com a investigação, em mecanismo semelhante à delação premiada.
Em um relatório da empresa para investidores obtido pelo Estadão, a Sinovac diz apenas que "Weidong Yin não foi acusado de qualquer crime ou conduta imprópria" e que "cooperou como testemunha com a Procuradoria". A empresa afirma ainda que "para o nosso conhecimento, as autoridades chinesas não iniciaram nenhum processo legal ou inquérito governamental contra Yin".
Segundo o Washington Post, o executivo justificou, no depoimento, que "não poderia negar pedidos de dinheiro por parte de um oficial da agência regulatória". O ex-oficial da agência chinesa, por sua vez, foi condenado a dez anos de prisão por cobrar suborno de vários membros da indústria de vacinas chinesa. O julgamento ocorreu em 2016.
O Estadão tenta, desde o final de outubro, entrevistar um representante da Sinovac para comentar as suspeitas contra o executivo da empresa e outros problemas de gestão revelados pela reportagem em novembro, como brigas entre acionistas, tentativas de golpe interno e invasão de fábrica. Foram inúmeros e-mails, ligações e até pedidos para que o Butantã e a Embaixada da China intermediassem a conversa. Até hoje, a reportagem não recebeu uma única resposta aos pedidos enviados.
Ao Washington Post, a companhia também negou o pedido de entrevista com o presidente, mas afirmou, em nota, que "confiou ao sistema jurídico o tratamento adequado dos casos anteriores de suborno" e que a "capacidade do CEO em fazer seu trabalho não foi afetada".
Procurado pelo Estadão, o Instituto Butantã afirmou que a parceria com a Sinovac "foi firmada neste ano para estudos clínicos e desenvolvimento da vacina contra a covid-19", destacando que a pesquisa clínica "tem auditoria independente e o registro do imunizante passará por avaliação técnica da Anvisa".