O governo federal quer acompanhar o modelo de regularização fundiária a ser implantado como projeto piloto na Fazenda Sálvia, no Distrito Federal (DF), para implementá-lo na região da Amazônia Legal, que engloba nove estados, e também no resto do país a partir do próximo ano. O modelo se refere, conforme explicou o secretário de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU), coronel Mauro Benedito de Santana Filho, à regularização de áreas urbanas de interesse específico (Reurb-E) — não se trata da social, que é para pessoas de baixa renda.
A questão foi falada na última quarta-feira (25/11) na 1ª Conferência Regional — Regularização Fundiária, em Sobradinho (DF), evento realizado pela Associação Brasileira de Produtores Rurais em Áreas da União (ABPRU). Nesse tipo de regularização, o ocupante paga pela área à União, como uma venda. E, no modelo, a SPU pode delegar a outro ente (público ou privado) a realização do processo. A proposta a ser implementada na Fazenda prevê que a ABPRU faça o processo e, ao final, o valor gasto por eles seja descontado no que pagarão ao governo pelas áreas.
Em julho deste ano, foi assinado um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) entre a ABPRU e a SPU o qual, segundo Mauro Filho, permitiu a criação de um modelo operacional, após a criação de um comitê paritário, com grupos de trabalho para fazer com que esse “circuito de modelagem tenha toda a segurança jurídica necessária”.
O referido modelo é possível devido à Lei nº 14.011/20, sancionada em junho deste ano. Ela simplifica o processo de venda dos imóveis da União e autoriza estados, municípios e iniciativa privada a firmar contratos e convênios com a SPU para “executar ações de demarcação, de cadastramento, de avaliação, de venda e de fiscalização de áreas do patrimônio da União, assim como para o planejamento, a execução e a aprovação dos parcelamentos urbanos e rurais”.
Durante o evento, com a presença de menos de 30 pessoas, mas transmitido ao vivo e com outros participantes via videoconferência, foram discutidos outros modelos. Na ocasião, a associação, presidida pelo lobista Guilherme Magalhães da Cunha Costa, reforçou o modelo que pretende implantar na Fazenda Sálvia e entregou à SPU a minuta de convênio. Apesar de já ter firmado um ACT, é preciso assinar um convênio para “troca de recurso”, visto que o acordo de cooperação não permite transferência financeira.
Assim, no caso da área, que tem 276 glebas e 12 mil imóveis, será feita pela própria associação. O presidente Guilherme Cunha é produtor rural na região desde 1979. Segundo o secretário Mauro Filho, a ideia é ver a experiência na região e levar o modelo base ao resto do país. Por meio desta parceria, que é “público-privada” no caso de uma entidade, o outro grupo (e não a SPU) faz o georreferenciamento, laudos ambientais, cadastramentos e outras etapas.
De acordo com o secretário, não serão necessariamente associações ou entes privados a implementar a regularização em áreas urbanas da Amazônia Legal. Conforme previsto em lei, poderão ser implementados por estados e municípios também. “A Fazenda Sálvia é o piloto. Por ser uma Reurb específica, que tem toda uma transação de investimento e receita a ser gerada, com avaliação de imóvel, você cobre todo o circuito operacional”, disse.
No caso da social (moradores de baixa renda, abaixo de cinco salários mínimos, feita de forma gratuita), já existe um modelo dentro da SPU. “O que estamos instituindo na Fazenda Sálvia é a específica, para quem vai adquirir esse imóvel da União ocupado. É uma modelagem que tem todo o ciclo econômico: pagamento da área ocupada, avaliação do imóvel, contrato de compra e venda, dinâmica de aquisição por parte do ocupante. É diferente. A social tem cunho social”, explicou.
O coronel disse esperar que o modelo da Fazenda Sálvia já comece a ser implementado no próximo mês. “A partir disso [modelo base], é muito mais fácil adaptar à realidade de cada regularização”, relatou. No caso da Amazônia Legal, ele, que integra o Conselho Nacional da Amazônia Legal, ressalta que a região tem áreas que a regularização cabe ao Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária], que tem o seu modelo, e à SPU.
No total, são 190 mil habitações a serem regularizadas na região, segundo Mauro Filho, sendo que grande parte cabe ao Incra. As 27 superintendências da SPU já estão fazendo o mapeamento das áreas urbanas em que cabe esse tipo de modelo em todo o Brasil.
“Lá [na região da Amazônia Legal] tem cooperativas, associações, estados, municípios. A gente vai aplicar esse modelo básico que a gente está fazendo aqui”, disse, explicando que decide-se em cada caso quem fará o processo (seja associação, entidade ou outros). O coronel Mauro Filho disse que o Incra poderia adotar o modelo, mas que não há nada definido. “Por enquanto, a SPU firmou a intenção de usar em áreas urbanas ou áreas de transição rural, como a Fazenda Sálvia”, disse.
Grileiros
Em sua fala no evento realizado pela ABPRU, o secretário Mauro Filho também comentou sobre o cenário da região amazônica. De acordo com ele, existe uma “demanda reprimida de uma política que não foi efetivamente transformada em política pública e nem política de governo”.
Sobre grileiros, ele afirmou: “E temos lá, na região amazônica, muitas vezes chamados de grileiros, que não são, porque foram lá para atender uma política pública. Isso é a nossa realidade. Precisamos mudar. E com essa visão do presidente Bolsonaro estamos trabalhando nesse contexto: dar dignidade a essas pessoas”.
Plano de negócio
De acordo com o secretário, se não houvesse um “modelo disruptivo, como foi orientação do presidente”, não seria possível “avançar a lugar nenhum”. “E isso se deu com a nova política e visão em relação aos princípios da regularização fundiária no país”, afirmou.
“Nós começamos a ter uma visão de plano de negócio efetivo para regularização fundiária. A regularização fundiária é um plano de negócio”, pontuou, ressaltando que o modelo capta receita e faz com que a economia seja fomentada. “E vai fazer com que toda a parte ambiental entre numa regulamentação e tenha os princípios de regularidade ambiental”.
O secretário pontuou que houve uma dinâmica diferente a partir do momento em que a SPU passou a conversar com as associações e fazer parceria público-privada, a exemplo da Fazenda Sálvia. “É basicamente a visão de uma empresa exponencial. Você lança a isca e quem capta é o maior interessado — no caso aqui [são] as associações”, afirmou.
“Programa efetivo”
O secretário Mauro Filho defendeu a criação de um programa efetivo de regularização fundiária, “adotando a modelagem conforme pensa o presidente”. “Dos princípios básicos de tornar a população cada vez mais produtiva, economicamente ativa, e criando uma dinâmica de regularização fundiária para potencializar tanto o aspecto social quanto o econômico e o ambiental”, afirmou.
De acordo com ele, está em construção um decreto para que seja possível criar uma dinâmica desse programa de regularização fundiária. Conforme o coronel, atrelado a isso haverá um sistema integrado de regularização, com vários órgãos, e “trazendo, talvez, uma modelagem que está sendo adotada pela SPU e levando para área do Incra”, “dentro dos limites legais”, como pontuou.
“Dinheiro para dar de pau”
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Jair Bolsonaro, era o único parlamentar presente o evento, em Sobradinho (DF), e que foi transmitido ao vivo pelo YouTube. Ao falar, ele, pontuou que tinha uma agenda com o presidente Jair Bolsonaro, mas abriu mão para cumprir o compromisso de estar no evento.
Sobre a regularização de áreas de interesse específico, Eduardo afirmou: “Não existe um consenso de quanto estamos falando, mas ninguém discorda que estamos falando de cifras superiores a R$ 1 trilhão. Aqui tem dinheiro para ‘dar de pau’, né, coronel? Quem sabe até resolvendo assuntos como esses não precisaríamos ter ido tão a fundo na reforma previdenciária, que custou praticamente o primeiro ano inteiro do governo Bolsonaro essa agenda dentro do Congresso Nacional”, afirmou.
O deputado falou sobre a demora para a União regularizar todos os imóveis do Brasil, pontuando a necessidade de um procedimento mais célere. “Criticam tanto Bolsonaro por não ter projetos, políticas sociais, e está aí mais um deles. Dar o título é mais que uma mera questão econômica; a gente está dando liberdade para as pessoas”, disse.
Aproeste
Depois da regularização na área da Fazenda Sálvia, a SPU pretende iniciar o mesmo processo no Lago Oeste, em Sobradinho (DF), a ser feito pela Associação dos Produtores do Lago Oeste (Asproeste).