Espancado e morto por dois seguranças brancos em uma unidade do supermercado Carrefour em Porto Alegre (RS), o soldador João Alberto Silveira Freitas, negro, 40 anos, foi sepultado, na manhã de ontem, no Cemitério Municipal de São João, na capital gaúcha. O velório teve início às 8h e o enterro foi pouco antes de meio-dia. Ele deixou a mulher e quatro filhos. Amigos e familiares estiveram no local prestando homenagens. No caixão, uma bandeira do Esporte Clube São José, time para o qual João Alberto torcia.
Pai de Beto, como era conhecido, João Batista Rodrigues Freitas, de 65 anos, disse que se tratou de crime de racismo. “Quando eu cheguei lá, perguntei para o segurança: ‘O que ocasionou essa agressão tão bárbara assim desse jeito? Ele roubou, mexeu com algum cliente?’ Ele disse que tinha levado um soco no supercílio. Ele não tinha nenhum hematoma, e nem sangrou, nada. ‘Mas, por causa de um soco… Tu poderias ter revidado, precisava ter matado?’, disse, em entrevista à CNN, no cemitério. “(Com) Uma pessoa branca de olhos azuis não acontece uma coisa dessas”, afirmou.
No local, a companheira de Beto, Milena Borges, pediu por justiça. “Só quero justiça. Só quero que paguem o que fizeram com ele, só isso. Não merecia morrer assim”, disse à TV Globo. Milena testemunhou as agressões sofridas por Beto até o momento em que ele morreu.
O homem foi espancado na saída do mercado na noite da última quinta-feira. Imagens gravadas por pessoas no local mostraram dois homens brancos agredindo Beto e, em seguida, socorristas prestando socorro. Ele, no entanto, já estava morto. Os agressores, dois vigilantes do mercado, sendo um deles policial militar temporário, foram presos em flagrante por homicídio triplamente qualificado.
A causa da morte, segundo análises iniciais do Instituto Geral de Perícias do RS (IGP-RS), foi asfixia. Os laudos definitivos serão concluídos nos próximos dias.
Imagens do circuito interno do mercado, divulgadas, ontem, pela TV Globo, mostram João Alberto sendo seguido pelos dois seguranças até a saída do mercado. Quando está na porta, ele desfere um soco contra um deles e, imediatamente, começa a ser agredido e é jogado no chão. Um terceiro homem chega e fica também em cima de João. Durante todo tempo, uma mulher, que aparenta ser também funcionária do mercado, filma parte da ação.
Apesar de imobilizado, Beto continua sendo agredido. Depois de mais de um minuto é possível ver a companheira de João tentando impedir as agressões, mas ela é afastada por seguranças. João Alberto fica imobilizado no chão, com dois seguranças com os joelhos em suas costas. Assim eles ficam por cerca de dois minutos, até que é possível ver que as pernas de Beto param de se mexer.
Dia triste
Em nota, a rede Carrefour afirmou que 20 de novembro “foi o mais triste da história” da empresa. “Daremos todo o apoio à família de João Alberto Silveira Freitas e, em respeito a ele, nossa loja de Passo D’Areia fechou ontem (sexta-feira) e permanecerá fechada hoje (sábado). Além disso, todo o resultado das vendas do dia 20 de novembro das lojas Carrefour Hipermercados será doado para entidades ligadas à luta pela consciência negra.”
A rede garantiu que, ontem, reforçou o treinamento antirracista com todos funcionários da empresa e terceirizados. “Nada trará a vida de João Alberto de volta, mas estamos certos de que este momento de profundo pesar se converterá em ações concretas que impedirão que tragédias como essa se repitam”, pontuou.
O CEO global do grupo, Alexandre Bompard, publicou em seu Twitter que “as imagens postadas nas redes sociais são insuportáveis”. “Meus valores e os valores do Carrefour não compactuam com racismo e violência”, escreveu.
Apesar de o Carrefour reconhecer o erro, o assassinato levou a Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial excluir a rede do movimento. A organização reúne 73 signatários, entre as quais Petrobras, Ambev e Coca-Cola.