Ao fechar a segunda semana epidemiológica seguida com alta de casos do novo coronavírus, após um período de queda dos números, o Brasil parece estar cada vez mais perto da segunda onda da covid-19, já vista em outros países. A situação fica ainda mais tensa já que o país se prepara para o segundo turno das eleições municipais, que será realizado no próximo domingo, 29 de novembro. Moradores de 57 cidades sairão às ruas para votar. O dever cívico agregado à flexibilização de medidas preventivas e do isolamento cria um cenário que preocupa especialistas.
Os números reforçam a preocupação. O fechamento dos dados epidemiológicos neste sábado, confirmou o aumento o aumento de casos e mortes no país. Na comparação entre a 47ª e a 46ª semanas, houve um aumento de 4,3% nas infecções, passando de 195.398 novos registros semanais para 203.827. Já no caso de mortes, houve estabilidade já que o acúmulo em sete dias variou de 3.389 para 3.331 óbitos, ou seja, 58 mortes a menos, segundo o Ministério da Saúde.
O coordenador do Centro de Contingência da Covid de São Paulo, José Medina, acredita que a campanha eleitoral, que envolveu mais de 500 mil candidatos no Brasil, contribuiu para o aumento do número de casos, tanto em São Paulo, quanto em outros estados brasileiros. “Aqui no Brasil, possivelmente o que tenha sido um fator que fez com que o número de casos aumentasse de maneira mais ou menos uniforme foi a campanha eleitoral, que envolveu mais de 500 mil candidatos em uma movimentação muito grande”, indicou.
O médico sanitarista e membro da FGV Walter Cintra acredita que os candidatos, por mais cuidadosos que tenham sido, geraram aglomeração e assédio dos eleitores durante a campanha. Apesar disso, Cintra acredita que o primeiro turno da votação transcorreu bem. “A eleição propriamente dita foi feita com bastante cuidado e, pelo menos aonde fui, todos usaram máscara e levaram as próprias canetas. É algo que não tem como parar, então tem que ser feito com todos os cuidados”, indicou.
Para Cintra, o que mais pesou para o aumento dos casos foi o relaxamento da população. “Fica claro que as pessoas relaxaram as medidas de isolamento social. Isso aconteceu em outros países também. As pessoas cansaram ou desacreditaram. Não sei exatamente o que acontece, mas esse aumento da curva é fruto de um comportamento descuidado da população”, explicou.
Fadiga coletiva
Medina concorda e acredita que o cansaço da população perante as medidas de restrição social aconteceu nas últimas semanas. “É natural que aconteça, depois de algum tempo, o que chamamos de fadiga coletiva em relação à pandemia. Aconteceu no Hemisfério Norte e aconteceu no Hemisfério Sul. No Hemisfério Norte, esse número foi incrementado pela queda de temperatura”, explicou.
Segundo os especialistas, no Brasil, outro ponto que incrementou o aumento dos casos foi a politização da pandemia. “A pandemia virou questão política, vem sendo tratada de maneira irresponsável pelos políticos que estão ideologizando ao invés de se unirem. Isso gera consequências, principalmente, quando se põe em dúvida a credibilidade da vacina e as medidas de isolamento. As pessoas contrariam medidas de contenção como um ato político”, analisa Cintra.
Apesar do cansaço e da politização das medidas de restrição para conter a covid-19, os especialistas frisam que não há outra maneira de prevenção mais eficaz. “A única coisa que é efetiva é o uso de máscara, isolamento social e higiene das mãos. Não tem solução rápida e nem mágica. Temos que continuar nos preservando, não tem porque agora cansar e desacreditar”, afirma Cintra.
A negação da pandemia pelo do governo federal, vista no início da crise, permanece diante da segunda onda da doença, que já infectou mais de seis milhões e matou mais de 168 mil pessoas no Brasil. A exemplo do início do ano, o presidente Jair Bolsonaro voltou a menosprezar a covid-19 e rebateu a possibilidade de uma segunda onda de contaminação, considerando a discussão uma “conversinha” que deve ser superada para que não haja mais impacto econômico. “Tem que enfrentar se tiver. Se quebrar de vez a economia, seremos um país de miseráveis. Só isso”, disse ele, na última semana.
Negação
A polarização e a politização da pandemia também são vistas com preocupação pelo pesquisador José Alexandre Diniz Filho, professor do Departamento de Ecologia da Universidade Federal de Goiás (UFG), que percebe reflexos em uma das principais saídas para a crise, que é a vacinação. “A proporção de pessoas que não quer se vacinar é absurdamente alta, maior que 20%, não consigo entender essa onda geral de negacionismo.”
O comportamento, para o especialista, só agrava a tarefa nada fácil da corrida por um imunizante. “A dinâmica é complexa por si só. Difícil vacinar uma população de mais de 200 milhões de pessoas. Temos, ainda, que ver a eficiência das vacinas. Ou seja, como se diz, não há bala de prata. É preciso manter as outras medidas ao máximo, continuar monitorando e rastreando casos e contatos”, afirma Diniz.