A morte de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra, escancarou mais uma vez o problema da violência contra os negros no Brasil. O assassinato, que ocorreu em um supermercado da rede Carrefour, em Porto Alegre, é um exemplo marcante dos dados expostos pelo Atlas da Violência de 2020, publicado em agosto deste ano pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O documento mostra o crescimento no número de assassinatos de pessoas negras no Brasil e destaca que, em 2018, 75% das vítimas dos 57.956 homicídios registrados no país eram pessoas negras.
O problema sentido na pele dos brasileiros e das famílias das vítimas é confirmado por outras análises. Publicado este ano, um relatório produzido pela Rede de Observatórios da Segurança mostrou que o negro é a principal vítima da violência no país. Segundo o estudo, pretos e pardos são 75% dos mortos pela polícia. Outro estudo que apontou violência contra negros foi o 14° Anuário Brasileiro de Segurança Pública, feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Divulgado em agosto deste ano, o levantamento revelou que do total de 4.971 crianças e adolescentes mortos em 2019, 75% eram negros.
“Estou de luto. Diante de uma situação como essa, todos nos sentimos agredidos; assassinados”, disse o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente. Ele lamentou o episódio ocorrido na rede de supermercados Carrefour na noite de quinta-feira, mas ressalta que esse não é um caso isolado. “Não é o primeiro negro que morre”.
O reitor questiona as autoridades que sabem que o racismo existe e mesmo assim não fazem nada. “Fico preocupado com aqueles que sabem que o racismo existe e não se levantam para fazer nada. Queria saber, agora, onde está o presidente, onde estão o Ministério Público Federal, os Direitos Humanos, as empresas que regulam o serviço de segurança?”
Para José Vicente, o Carrefour deve ser responsabilizado, pois não houve um gerente, ou nenhum outro indivíduo dentro do estabelecimento para interromper a série de agressões sofridas pela vítima. “É preciso que haja protocolos para as abordagens dos seguranças e policiais. É necessário que sejam exigidos cursos para esse tipo de serviço, inclusive abordando a questão do negro”, ressalta.
A morte de João Alberto Silveira Freitas, que está sob investigação para averiguar se houve racismo, é apenas um dos casos que ocorrem no Brasil. Segundo o Atlas da Violência 2020, para cada indivíduo não negro morto em 2018, 2,7 negros foram assassinados. E a violência, muitas vezes, se esconde nos pequenos detalhes.
Representatividade
A estudante de pedagogia Thaís Duarte Oliveira, 32 anos, moradora de Luziânia (GO), conta que já sofreu racismo na infância e continua a sofrer episódios desse tipo de violência. “Eu sou filha de uma mãe muito branca e de um pai negro. E ouvia constamente que era adotada”, explica.
Por esse motivo, Thaís decidiu fazer o tema do seu trabalho de conclusão de curso voltado para a representatividade. A estudante aborda a falta de presença de personagens e autores negros na literatura infantil. “Quando eu era criança, eu lia muito, mas não me sentia representada. Não havia nenhum personagem negro, nenhum escritor negro. O mais próximo que havia era alguns artistas na televisão”, critica.
Foi só depois de abandonar a escola na adolescência e concluir o ensino médio por meio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) que ela descobriu o empoderamento da negritude. “Para fazer hoje meu trabalho de conclusão, eu precisei adquirir os livros, porque não encontrei nas bibliotecas das escolas e nem na biblioteca nacional livros infantis com negros. Encontrei pouquíssimas obras de autores negros, mas somente na biblioteca municipal. Ainda assim, o número é pequeno”, ressalta.
Questionada sobre qual seria a solução para um país mais inclusivo, Thaís é taxativa: “Educação. Eu acredito muito na educação. E as escolas precisam corrigir seus erros. Não é apenas falar do negro em 20 de novembro, no dia da Consciência Negra. Os negros estão nas intituições todos os dias, estão nas salas de aulas todos os dias, em seus trabalhos, todos os dias. E precisam ser respeitados sempre”.
*Estagiários sob a supervisão de Andreia Castro