Ao menos 84 candidatos a cargos de prefeito ou vereador morreram assassinados durante as campanhas municipais no país. O número de concorrentes que sofreram ataques com armas de fogo ou armas brancas mas sobreviveram, por sua vez, é de pelo menos 80. Especialistas apontam para o risco de ligação de parte dos assassinatos com disputas do narcotráfico. Eles alertam que a falta de segurança e o medo enfraquecem o processo eleitoral, e que o Estado tem dificuldades de dar respostas ao problema. Na sexta-feira, Reginaldo Eloy Marcomini dos Reis (PSD), vereador e candidato a prefeito de Macedônia (SP), prestou queixa por tentativa de homicídio, depois de criminosos dispararem contra o carro em que estava.
Em Mairinque, no interior de São Paulo, homens em uma motocicleta atiraram contra a casa do vereador e também candidato a prefeito Rafael da Hípica (MDB). Os disparos atingiram a janela do cômodo em que ele estava. Em outro caso, no Rio de Janeiro, Tom Vianna (PSL), candidato à prefeitura de Búzios, também sofreu um ataque. A vítima voltava de um compromisso de campanha quando dois homens em uma moto emparelharam o veículo com o carro de Tom, que é blindado, e dispararam diversas vezes. Ele não se feriu. Entre os mortos, o caso mais recente é o do candidato a vereador por Correntina (BA), José Cláudio Castro de Souza (PL), assassinado com oito tiros. Ele foi surpreendido pelos algozes na frente de casa e tentou correr para dentro. Os assassinos perseguiram-no, porém, nada foi levado.
O número de 84 mortos e mais de 80 vítimas de ataques entre candidatos é um levantamento do coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), Pablo Nunes. Ele está postando os casos coletados em seu perfil oficial no Twitter e criou um mapa onde marca os registros de violência e morte contra candidatos nos estados. Em 5 de outubro, o número de mortes estava em 68. Em 2 de novembro, ao menos 80 políticos já haviam morrido. O pesquisador registrava 22 estados com, ao meno,s uma morte. “Pernambuco registrou 13 mortes, Minas Gerais, oito, e Rio de Janeiro, sete”, postou.
Especialista em segurança pública, o professor do Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP) e ex-consultor da Organização das Nações Unidas (ONU) Leonardo Sant’Anna destaca que os cargos municipais exercem um poder muito grande sobre as cidades e têm se tornado mais visados por grupos criminosos, incluindo o narcotráfico. “Não raro, a raiz da violência tem relação com o poder que os cargos políticos apresentam”, afirma. Agrava a situação o que Sant’Anna chama de cultura da impunidade, que se cristaliza com a ausência do Estado mesmo em grandes capitais, como o Rio de Janeiro (RJ). O narcotráfico ocupa os vãos que os governos não conseguem alcançar.
Para o especialista, com o fim das oligarquias locais que governavam municípios até meados de 1960, o multipartidarismo trouxe uma competição entre os interesses e poderes que, antes, concentravam-se em uma família. “Muito mais gente passa a ter interesse nessa relação de poder que se inicia quando você ocupa o cargo. E começamos a ver a violência empregada por quem não deseja sair do cargo que ocupa, ou que deseja ocupar esses espaços”, avalia. Com a modernização das disputas, Sant’Anna alerta que há o risco de regiões do Brasil serem politicamente ocupadas pelo narcotráfico, como acontece em províncias mexicanas e em partes da Colômbia.
Erosão democrática
Analista político da consultoria Dharma, Creomar de Souza afirma, por sua vez, que o Brasil, como um país que mata muito, tende a ter eleições mais violentas. O resultado é um processo menos seguro para quem quer se candidatar e para quem quer liberdade para escolher o candidato, enfraquecendo o processo democrático. “A eleição municipal também é diluída. Nas majoritárias, a mídia está muito concentrada, o que inibe ações mais graves. Tivemos a tentativa de assassinato do presidente Jair Bolsonaro, mas não é recorrente. O país vive um momento em que temos uma lógica de violência muito forte e uma incapacidade da sociedade e das instituições de responderem a isso de maneira eficaz”, alerta.
Creomar diz que é fundamental para o processo democrático que as pessoas possam se candidatar sem medo e, da mesma forma, votar sem receio de represálias. “Se não, o processo se degenera. Depois, tenho que ter a certeza de que o voto será contado de maneira honesta. O Brasil consegue fazer a segunda parte com qualidade. A logística é boa, comparando com o que vemos em outros países. Mas, quando falamos de um cenário de eleições municipais e violência crescente, percebemos que há melhorias a serem feitas”, ressalta.