Apesar de o estudo clínico da vacina CoronaVac, produzida pela empresa chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan, já ter sido retomado, a interrupção dos testes do imunizante, na segunda-feira, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) voltou a ser discutida, ontem, durante uma audiência pública na comissão mista do Congresso que acompanha as ações contra a covid-19. Enquanto o diretor do Butantan, Dimas Covas, declarou que os efeitos da suspensão temporária foram políticos, o diretor-presidente da Anvisa, almirante Antônio Barra Torres, negou qualquer politização por parte da agência sobre o tema.
Barra Torres voltou a frisar o papel isento de ideologias da instituição e defendeu que a decisão em suspender os testes da vacina chinesa foi estritamente técnica. “A Anvisa não deseja, não quer e passa longe de qualquer tipo de politização a respeito desta questão e de qualquer outra”, ressaltou o presidente da agência ao responder perguntas de deputados e senadores. Esta foi apenas uma das manifestações feitas nesse sentido por ele ao longo da audiência pública.
Para Dimas Covas, a “interrupção temporária não teve nenhum efeito prático sobre a condução dos estudos, e, na realidade, os efeitos maiores foram os efeitos políticos decorrentes da forma como isso aconteceu e do momento em que isso aconteceu”. Apesar do embate visto nos últimos dias entre os órgãos, o diretor do Butantan afirmou que o relacionamento com a Anvisa sempre foi excelente. “Sempre houve uma cooperação muito grande. E isso vai continuar acontecendo, porque a Anvisa é uma agência de Estado, não é uma agência de governo. É uma agência que foi feita para atender aos interesses da população brasileira, e não do governo A, do governo B, do governo C, ou do governo que estiver de plantão”.
Barra Torres aproveitou o momento para pedir ao brasileiro que não veja as interrupções de rotina feitas nos estudos clínicos como um problema. “Confie nos institutos desenvolvedores, confie na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), confie no Butantan, confie nos laboratórios que estão fazendo o desenvolvimento da Janssen Johnson & Johnson, da Pfizer e Biontech, e confie na Anvisa. Isso é um evento de rotina. Não foi o primeiro e poderá não ser o último”, declarou.
Covas, por sua vez, ressaltou o compromisso do Instituto Butantan com o estudo. “A minha preocupação maior é trazer essa vacina para uso o mais rápido possível, porque nós temos, aí, neste momento, ainda, 400, 500, 600 pessoas morrendo todo dia, e um dia com vacina faz muita diferença. Pelo andar da carruagem, pela evolução da pandemia, mais do que nunca essa vacina será necessária o mais rapidamente possível”, declarou.
Militarização
A indicação do tenente-coronel Jorge Luiz Kormann para a segunda função mais alta da agência também foi tema de debate. Durante reunião, o senador Izalci Lucas (PSDB/DF) questionou se o perfil militar seria o melhor para o cargo da Anvisa. “Não seria mais prudente, mais eficiente a indicação de pesquisadores ou alguém mais voltado para a área de saúde?”, perguntou ao almirante Barra.
Em resposta, o líder da Anvisa não quis comentar a escolha do nome, já que a agência “não indica ninguém para esse cargo”. “Certamente, são atribuições que devem estar da posse dos indicadores e daqueles que indicam. A mensagem é presidencial, para que o Senado submeta sabatina, conforme, aliás, aconteceu comigo por duas vezes”, pediu, destacando que não é atribuição da Anvisa fazer avaliações de posturas do governo, quer seja federal ou estadual.
Apesar da patente militar, Barra é médico cirurgião e especialista em gestão de saúde. Ele é amigo próximo de Bolsonaro e chegou ao cargo de chefe da agência após indicação do presidente. Em março, diante da intensificação da pandemia, o almirante participou de uma manifestação pública de apoio ao presidente, sem utilizar nenhum equipamento de segurança contra o vírus.
Diante de mais uma indicação de militar para cargo de direção da Anvisa, o idealizador da agência e médico sanitarista Gonzalo Vecina afirmou: “Estão querendo produzir uma crise. Não tem outra explicação fazer uma indicação dessa. A Anvisa é um patrimônio do Brasil e eles trabalham para um desmonte”. Segundo ele, “já se imaginava uma indicação do Centrão. Mas que, pelo menos, fosse um profissional de saúde, alguém que tenha um mínimo de história com saúde pública no Brasil. Gente competente não falta. O que falta é a vontade de indicar uma pessoa que sirva honestamente para o cargo”.
Mais de 5,8 milhões de infectados
O Brasil registrou, ontem, mais 456 mortes e 29.070 casos do novo coronavírus e, com isso, soma 164.737 fatalidades e 5.810.652 de infectados desde o início da pandemia. Os números, no entanto, ainda são imprecisos porque alguns estados não conseguiram atualizar o balanço diante da instabilidade da rede após a detecção de um vírus em estações de trabalho do Ministério da Saúde. Até o momento, do total de casos no país, 6,5% estão em observação, o equivalente a 378.348 pessoas. Outros 90,7% estão recuperados — 5.267.567. A letalidade da doença no Brasil está em 2,8% e há, pelo menos, 2 mil mortes sob investigação. A média móvel de mortes por covid-19 no Brasil está em 389 e a de casos é de 25.639, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O número considera a média diária de mortes da última semana para eliminar distorções geralmente observadas nos dados dos fins de semana.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.
"Conversinha", diz presidente sobre 2ª onda
O presidente Jair Bolsonaro reagiu, ontem, contra a possibilidade de uma segunda onda de infecção pelo novo coronavírus. Ao deixar o Alvorada, o chefe do Executivo classificou o episódio como “conversinha” e defendeu que os brasileiros enfrentem o vírus para que o Brasil não vire um país de miseráveis. “Vocês vejam o que era antes, como eram os ministérios, como tudo era aparelhado no Brasil, e como estão funcionando agora, apesar dessa pandemia, aí, que nos fez gastar mais de R$ 700 bilhões”, comentou. “E, agora, tem a conversinha de segunda onda. Tem que enfrentar se tiver (segunda onda). Se quebrar de vez a economia, seremos um país de miseráveis. Só isso”, disse.
Esta foi a segunda vez, nesta semana, que Bolsonaro minimizou a pandemia no Brasil. Na Europa, diversos países registraram indícios de uma segunda onda, e o número de casos se mantém alto nos Estados Unidos. Na terça-feira, o mandatário chegou a dizer que o Brasil “tem que deixar de ser um país de maricas” e enfrentar a doença. Meses atrás, aos apoiadores que se aglomeram na saída do Alvorada, disse que o brasileiro tinha que enfrentar o vírus “como homem”.
Vacina
Na mesma conversa com os seus apoiadores, o presidente evitou falar sobre compra de vacinas contra a covid-19. No entanto, alegou ser contra a vacinação obrigatória. “Não vou fazer exercício de futurologia para você, está certo? Tem certas coisas que não podem correr”, respondeu a uma apoiadora ao ser questionado sobre quando o imunizante estaria disponível.
E finalizou: “Toda a vacina é igual a um produto bélico, nenhum país compra um armamento de outro país se aquele país não está usando aquilo lá”.