Pandemia

Baixo número de testes deixa Brasil mais vulnerável à segunda onda da covid-19

Número de testes para identificar a presença do novo coronavírus na população diminui, colocando em xeque a capacidade do país de enfrentar uma eventual segunda onda de covid-19. Para especialistas, falta uma estratégia de ação contra a pandemia

Bruna Lima
Renata Rios
postado em 03/11/2020 06:00
 (crédito:  INDRANIL MUKHERJEE/ AFP)
(crédito: INDRANIL MUKHERJEE/ AFP)

Desde a chegada da covid-19 ao país, muitas descobertas foram feitas e as formas de contágio, o desenvolvimento da doença e até o comportamento do vírus dentro do corpo humano estão sendo amplamente estudados. Entre as informações que, logo no início da pandemia, já eram tidas como certas, está a necessidade de testagem da população. Localizar os casos e conseguir rastrear possíveis transmissões torna o controle da doença mais eficaz. Mesmo assim, os procedimentos diminuíram nos últimos meses, o que pode contribuir para atualizações menos expressivas nos balanços diários, dando a falsa impressão de controle da doença. Ontem, o boletim do Ministério da Saúde adicionou mais 8.501 casos e 179 mortes, totalizando mais de 5,55 milhões de infecções e 160.253 óbitos no país.

Logo após o primeiro caso de novo coronavírus ser confirmado no Brasil, em fevereiro, as autoridades tiveram dificuldade para adquirir insumos para testes, escassez observada em todo o mundo. Superado o problema, o país expandiu a capacidade de testagem, chegando a realizar 1.067.674 de testes em agosto. No entanto, antes de conseguir traçar estratégias para o enfrentamento da covid-19 com base nos diagnósticos, reduziu o número de procedimentos. Em setembro, foram feitos 944.739 testes, e, até 24 de outubro, o total do mês estava em 711.213.

O secretário de Vigilância do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, explicou, na semana passada, que a pasta vem garantindo a disponibilização de exames. “O teste é uma solicitação do prescritor. Cabe ao ministério disponibilizar os materiais para que se possa realizar o teste e o paciente, obter o resultado o mais rápido possível”, disse.

“O grande problema do Brasil é que não se construiu uma estratégia nacional de testagem. Essa é a maior vulnerabilidade: lidar com a situação da pandemia sem ter diagnóstico epidemiológico”, disse

z o gestor em saúde e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Adriano Massuda. Segundo o especialista, as análises são feitas com base no número de pessoas hospitalizadas e nos óbitos. “Ou seja, um diagnóstico tardio, quando já se perdeu a chance de desencadear medidas preventivas para contenção da doença.”

Sem essa estratégia, o país nunca conseguiu controlar a transmissão do vírus e as taxas de contágio (Rt) transitam na linha do descontrole. De acordo com o último levantamento do Imperial College, de Londres, a Rt brasileira está em 0,98, ou seja, cada grupo de 100 infectados está transmitindo a doença para 98 pessoas saudáveis. O risco é uma nova fase de contágio.

“Tivemos uma onda bastante prolongada, que se estendeu até algumas semanas atrás, quando o número de óbitos começou a diminuir. Mas, assim como está ocorrendo na Europa e nos Estados Unidos, é possível que aconteça uma segunda no Brasil, com perfil parecido ao da primeira, que foi afetando diferentes regiões em diversos momentos”, acredita Massuda. Ele afirma, ainda, que o país não está preparado para conter novos aumentos.

Plano


Em maio, o Ministério da Saúde chegou a elaborar um plano de testagem da população. A iniciativa era parte da estratégia de prevenção e combate à covid-19, construída com parceria de secretários estaduais e municipais de Saúde. A meta era realizar testes em 22% da população nacional. Na época, o governo já havia anunciado a compra de 46 milhões de testes. O cronograma previa 1,5 milhão de testes em maio; 4 milhões em junho; outros 4 milhões em julho; 3,2 milhões em agosto; 3,1 milhões em setembro; 3,1 milhões em outubro; 3,1 milhões em novembro; e 3 milhões em dezembro. Os números nunca ficaram perto de serem atingidos.

Em contrapartida, atividades que provocam aglomerações estão cada dia sendo liberadas. Para que as flexibilizações sejam consideradas seguras, a Organização Mundial de Saúde (OMS) aconselha que as taxas de positividade dos testes estejam na faixa de 5%. Ou seja, a cada 100 testes realizados, apenas cinco deem resultado positivo para a covid-19. Atualmente, 29,3% dos exames realizados no país apresentam confirmação para a doença, segundo o Ministério da Saúde. Taxas acima de 25% são um demonstrativo de que não há testagem suficiente, na avaliação do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos.

Experiências


Durante coletiva da Organização Mundial da Saúde (OMS), a professora Yae Jean Kim, da República da Coreia, ressaltou o papel da testagem no atual panorama do país, em que a quantidade de pessoas infectadas se mostra menor quando comparada a outras nações. “Com a experiência que tínhamos de Mers e Sars, de 2015, sabíamos que expandir a capacidade dos testes PCR seria muito importante para investigar as situações de transmissão. De fato, os testes PCR estavam disponíveis em diversas clínicas, laboratórios e hospitais já durante a primeira semana de fevereiro”, contou a especialista.

A doutora Marta Lado, da Espanha, que foi diretora médica da Partners in Health, em Serra Leoa, também pontuou a importância da testagem. “Nós somos um dos poucos países da África que tem cinco laboratórios moleculares. Isso quer dizer que conseguimos fazer testes PCR em tempo real na maior parte das regiões do país”, conta. A experiência vivida anteriormente pela epidemia de Ebola teve papel importante na forma como o país lidou com a situação, ressaltou Lado.

“Desenvolvemos um bom rastreamento de contato durante a crise do Ebola. Então, uma vez que o paciente é identificado, conseguimos rastrear o entorno e a família, e a população tem linhas diretas pelas quais pode ligar. Isso fez uma grande diferença na forma como fazemos a vigilância dos contatos na maior parte da nossa população”, complementou.

O Brasil tem expertise em lidar com doenças infecciosas e rastreamento de contatos, mas peca no contexto da covid. Das 27 unidades federativas brasileiras, apenas três registram menos de mil fatalidades pela covid-19: Amapá (749), Acre (693) e Roraima (692).

Exames realizados para covid-19 por mês

Março 35.585
Abril 182.561
Maio336.475
Junho 473.374
Julho832.239
Agosto 1.067.674
Setembro944.739
Outubro (até o dia 24) 711.213

 

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