CORONAVÍRUS

Na politização da pandemia, vermífugo nitazoxamida é a polêmica da vez

Uso do antiparasitário nitazoxamida contra a covid-19 tem apoio de grupo de médicos, mas desperta ceticismo na comunidade científica

Os esforços no combate ao novo coronavírus dividem-se com a polarização ideológica. Vacinas com potencial latente têm a credibilidade questionada devido à origem, num cenário de embate político entre os articuladores dos imunizantes. Na politização da pandemia, entram não só as vacinas, mas medicamentos e discussões de tratamento. Substituindo o debate em torno da cloroquina, a figura da vez é o antiparasitário nitazoxanida, apresentado pelo governo federal como remédio eficaz contra a covid-19. O anúncio foi interpretado como uma forma de tirar dos holofotes a “vacina chinesa do Doria”, como se refere o presidente Jair Bolsonaro ao imunizante chinês CoronaVac, e despertou uma onda de expectativa, com certo ceticismo, na comunidade científica.

Em coletiva na última semana, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) afirmou que o vermífugo cujo nome comercial é Annita, é eficaz no tratamento da covid-19. De acordo com a pesquisadora responsável pelo estudo clínico do MCTI, Patrícia Rocco, doutora e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi aplicada a metodologia randomizada, quando se controlam dois grupos em situações semelhantes, em que um recebe a dose da substância avaliada e o outro, não. Nesse caso, nem o médico nem o paciente sabiam quem estava recebendo a medicação e quem estava recebendo o efeito placebo, método chamado duplo-cego.

“A nitazoxanida, em comparação com o placebo, acarretou, ao final da terapia, redução significativa da carga viral em um maior número de pacientes”, disse Rocco. Foram administrados nitazoxanida 500mg ou placebo três vezes ao dia, durante cinco dias, em 1,5 mil voluntários diagnosticados com covid-19, ainda no início da manifestação dos sintomas.

No entanto, não houve nenhum detalhamento dos resultados, inclusive sendo usada, para ilustrar a apresentação, uma imagem simbólica e genérica, disponível na internet, de um gráfico em queda. A justificativa para não apresentar os dados foi a de que o estudo ainda seria divulgado em uma revista internacional, o que exigia o embargo das informações até a publicação.

Doutora em microbiologia pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), Natalia Pasternak ressalta que é difícil debater o tema sem os dados do estudo, atitude incomum no meio científico. “A publicação dos dados preliminares é incentivada pelas melhores instituições e revistas científicas. Isso tem sido, inclusive, encorajado durante a pandemia, para que a comunidade científica conheça os dados mesmo que eles não tenham passado ainda pela revisão de seus pares”, ressalta.

A infectologista Joana D’Arc Gonçalves ressalta que o Nitazoxanida é semelhante a outros tipos de antiparasitários que apresentam bons resultados in vitro, mas não possuem a mesma eficácia na análise in vivo. “Ainda é cedo para se falar sobre a eficácia desse antiparasitário e ver quais os benefícios que ele vai trazer. Algumas metodologias de análises no caso da covid são complexas. Por exemplo: se eu falo que o remédio diminuiu a carga viral do paciente, os métodos que temos para poder mensurar isso são controversos, pois o teste de diagnóstico RT-PCR tem uma sensibilidade que vai variar com o tempo e com a técnica”, justifica a médica. “Temos que ter cuidado para não gerar uma expectativa muito alta em relação ao tratamento, porque isso leva a uma corrida desesperada das pessoas e os fármacos chegam a faltar”, pontua.

A apresentação do MCTIC com a falta de dados publicados é vista, ainda, como uma estratégia política para tirar dos holofotes o anúncio dos resultados da vacina CoronaVac, que ocorria no mesmo momento da coletiva sobre a nitazoxanida. “Agora, Bolsonaro pede provas científicas (para debater a vacina), mas, ao que parece, já se esqueceu da cloroquina”, critica o médico e doutor em saúde pública Flávio Goulart, referindo-se à defesa do presidente da República ao uso do medicamento no tratamento da covid-19, mesmo sem estudos que comprovem a eficácia. Para ele, o anúncio do ministro Marcos Pontes vem como uma nova ação publicitária de mais um remédio sem comprovação contra a doença.

Quem também critica o viés ideológico por trás da apresentação do MCTIC é o diretor científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) no DF, José David Urbaez. “Isso não é uma pesquisa, é a construção de uma narrativa. Uma pesquisa para ser avaliada apresenta resultados, tabelas, estatísticas, informações de diferentes estratos segundo idade, procedência, as comorbidades dos voluntários do estudo, isso é discutir pesquisa. O que o ministério fez não tem nada a ver com discutir um tratamento”, afirma.

 

Defesa


O Ministério da Ciência e Tecnologia não foi o único a conduzir análises sobre os efeitos do nitazoxanida em pacientes com covid-19. Em Volta Redonda (RJ), um grupo independente de médicos realiza um estudo clínico que administra a droga, já nos primeiros sintomas da doença, em pessoas de grupos de risco. “A minha conduta clínica em Volta Redonda (RJ) não tem relação com o governo federal, mas os dados informados pelo ministério estão em linha com aquilo que observamos”, explica o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e infectologista Edimilson Migowski, que lidera o estudo.

No município fluminense, 415 pacientes leves e de grupos de risco foram tratados precocemente com nitazoxanida e, até o momento, o levantamento indicou que a droga foi capaz de frear o agravamento da doença e todos estão bem, sem internação, intercorrência ou óbito. “Temos dados clínicos muito sugestivos que o tratamento precoce é seguro e eficaz para salvar vidas. Junto minha experiência prática com a de médicos que já trataram da mesma forma. Mais de mil pessoas foram salvas, inclusive pacientes de elevadíssimo risco, como renais crônicos, passando por hemodiálise”, defende Migowski, que há mais de 10 anos estuda os efeitos positivos deste princípio ativo, no Brasil.

“O medicamento foi, inicialmente, licenciado para tratamento de vermes, parasitose intestinal, mas mostrou uma ação antiviral bem interessante. Inclusive consta na bula que ele pega rotavírus, norovírus e adenovírus. Uma pesquisa que fiz em 2010 mostrava uma ação também na emissão da replicação do vírus da dengue e da febre amarela. Vários outros estudos foram publicados, mostrando que pega, também, Hepatite B e C, influenza, zika, chikungunya, ebola, HIV. Apesar de não ser o melhor produto para tratar algumas dessas doenças, para algumas viroses tem se mostrado bastante eficaz”, afirma Migowski.

 

*Estagiário sob a supervisão de Odail Figueiredo

 

Coronavírus já deixou mais de 137 mil mortos

O Brasil registrou nas últimas 24 horas 231 mortes em decorrência do novo coronavírus, elevando o total de óbitos no País para 157.134. Os dados foram atualizados, ontem à noite, pelo Ministério da Saúde. De sábado para domingo, foram registradas 13.493 novas confirmações da doença, elevando o total de casos no Brasil para 5.394.128. Desses, 4.835.915 (89,7%) estão recuperados, segundo a pasta, e 401.079 (7,4%) em acompanhamento. Existem ainda 2 390 mortes em investigação. O estado de São Paulo segue na liderança no número de casos, com 1.091.908 confirmações e 38.747 óbitos. Depois vêm Bahia, com 344.705 casos e 7.475 mortes; Minas Gerais, com 348.804 casos e 8.770 mortes; Rio de Janeiro, com 299.380 casos e 20.203 mortes; e Ceará, com 270.264 casos e 9.248 mortes. O Distrito Federal ocupa a 10ª posição do ranking, com 209.369 casos e 3.633 mortes. No último lugar, está o Acre, com 30.304 casos e 687 mortes.

“Isso não é uma pesquisa, é a construção de uma narrativa. Uma pesquisa para ser avaliada apresenta resultados, tabelas, estatísticas. O que o ministério fez não tem nada a ver com discutir um tratamento”

José David Urbaez,diretor científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) no DF