Aos 14 anos, o adolescente Marcos Antônio Souza Maia e Silva estava a um passo de iniciar a caminhada rumo ao sonho de ser um jogador de futebol profissional: ia se apresentar ao Centro Sportivo Alagoano (CSA) — time do coração da rainha Marta — em janeiro de 2021. Mas um incidente na última quarta-feira (21/10) deixou o futuro do menino incerto. É que Marcos foi baleado nas duas pernas durante uma operação da Polícia Civil no bairro Três Irmãs em Campina Grande, Paraíba.
Tudo aconteceu quando ele voltava para casa acompanhado de um borracheiro do bairro, que deveria consertar um pneu furado de um automóvel em sua residência. “Eu saí de casa cedo para trabalhar, deixei um carro com pneu furado na garagem e falei para o meu menino: ‘Quando for 9h30, 10h, você vai chamar o borracheiro para vir aqui arrumar’. Foi isso que ele fez”, lembra José da Silva, pai de Marcos Antônio.
O que o adolescente não sabia era que o profissional estava sendo procurado pela polícia por ter quatro mandados de prisão em aberto. Foi em busca dele que a operação daquela manhã havia sido deflagrada. “Quando ele estava descendo a rua, os policiais apareceram em um carro não identificado e sem farda. O borracheiro era foragido. Mas os policiais não se identificaram hora nenhuma. Meu menino se assustou e começou a correr”, relata o pai ao Correio.
Versão da família
De acordo com o que José soube pelos vizinhos e pelo próprio filho, as cenas que se seguiram foram de extrema truculência. “As pessoas que estavam na rua na hora me contaram que eles já começaram atirando. Tinha muita gente na rua, criança brincando, e eles atiraram. Meu menino foi se esconder nos fundos de uma casa, em um beco, quando os dois policiais apareceram cercando ele, um de um lado e outro do outro. Eles não precisavam atirar, ele já estava dominado”, argumenta.
José explica que, durante a perseguição, os policiais chegaram a dar ordem para que Marco Antônio parasse de correr, mas ele não obedeceu porque estava assustado. “Meu menino só tem 14 anos. Ele me disse: ‘Pai, pensei que eles fossem bandidos, pensei que eu fosse morrer, eu só queria me proteger, se tivessem se identificado, eu tinha ficado’. Eles não precisavam ter atirado no meu filho, não. Foram totalmente despreparados. Era para eles terem deixado meu menino correr, já que eles já tinham pegado quem estavam procurando”, diz.
Já no beco em que se escondeu, o menino contou que foi agredido. “Meu menino caído no chão, eles deram chutes e até pegaram uma bicicleta que estava por lá e jogaram em cima dele. Depois, atiraram nas duas pernas. Era para eles terem dominado o menino e levado para a delegacia, se tivesse que levar. Não era para ter usado a arma”, coloca o pai.
De acordo com ele, o socorro foi outro ato de violência contra Marco Antônio: “Eles chamaram a Polícia Militar para socorrer e levaram meu filho para o Trauma (Hospital de Emergência de Trauma de Campina Grande). Jogaram meu menino no camburão de todo jeito, como se fosse um objeto, em cima de uma lona. Tiraram meu filho do camburão e jogaram no chão como se fosse um bandido, ele estava machucado, sangrando, e ainda riram dele dizendo ‘corre agora’. Isso ele me contou”.
Outra história
Os policiais, por outro lado, contam uma versão diferente de tudo o que aconteceu. Em vídeo enviado ao Correio, o delegado diz que houve confronto físico entre os agentes e o adolescente. Segundo ele, foi preciso atirar no menino de 14 anos porque Marcos Antônio tentou tirar a arma do policial.
“Os policiais foram à rua para cumprir os mandados de prisão, quatro mandados contra a mesma pessoa, encontrada na companhia de outro rapaz. Após abordados, foi pedido para que levantassem a camisa. O alvo levantou sem problema, mas o outro rapaz saiu correndo e foi perseguido. Após a perseguição, num quintal, ele tentou pegar a arma do policial. Após luta corporal, acabou se deflagrando dois tiros”, expõe o delegado Kelsen Vasconcelos.
No vídeo, o delegado argumentou ainda que o incidente ocorreu porque não houve respeito à autoridade. “O grande problema é que muitas vezes as pessoas não respeitam as polícias e nós estamos na rua para cumprir a lei. Então, seria muito bom que as pessoas entendessem que nós estamos ali para cumprir essa lei e, infelizmente, quando há ameaça ao cumprimento, a gente tem que usar a possibilidade que nós temos à mão. E, no caso, como houve luta corporal e, na iminência de perder a arma, houve a necessidade de deflagrar os tiros”, defende.
O delegado ainda recomendou que os pais “vejam com quem seus filhos estão andando”, e argumentou que “a culpa exclusiva foi do rapaz, que desacatou os policiais, investiu para agredir e até para pegar a arma”.
Questionada, a Polícia Civil informou, por meio de assessoria de imprensa, que "a equipe da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) é muito experiente, já apreendeu toneladas de drogas nos últimos anos, em um somatório total, e SEMPRE se identifica nas ações policiais". "Essa versão dos familiares, portanto, está equivocada", diz o documento.
A nota enviada ao Correio acrescenta que "a situação não é tão simples quanto possa parecer": "O rapaz, que até então era 'um suspeito que corre da polícia após ser abordado ao lado de um homem com quatro Mandados de Prisão em aberto (dois deles por tráfico de drogas)', se escondeu em um quintal de uma casa e, ao primeiro policial se aproximar, esse rapaz iniciou uma luta corporal com este policial. Ou seja, naquele contexto, não era um 'jovem de 14 anos que joga futebol', e sim um jovem que, por medo ou não (ninguém é capaz de dizer isso com certeza), tomou medidas desastrosas, resultando no que qualquer policial faria naquelas circunstâncias".
Segundo informações da Polícia Civil, o adolescente responderá criminalmente por atos infracionais análogos a agressão, desacato e resistência por decisão do Ministério Público da Paraíba, já homologada pela justiça. A mesma decisão judicial determina que a corregedoria da Polícia Civil apure a conduta dos agentes.
Futuro
Revoltados, amigos da família fizeram um protesto na porta do Hospital de Trauma de Campina Grande, onde Marcos Antônio está internado. O ato foi durante a noite de quinta-feira (22/10) e não teve intercorrências. As pessoas se reuniram na entrada da unidade de saúde e fizeram uma oração em solidariedade ao adolescente e aos pais.
“Nós da família, nesse momento, estamos mais preocupados com a recuperação da saúde do meu filho, mas muitos amigos ficaram revoltados com a ação dos policiais. Ele não merecia isso, ele só tem 14 anos. Assim como foi meu filho, poderia ser com o filho de qualquer pessoa”, lamenta o pai.
Apesar dos ferimentos, o quadro de Marcos Antônio é estável, segundo José, mas ainda não há previsão de alta. O jovem deve ainda passar por sessões de fisioterapia para se recuperar dos ferimentos depois que sair do hospital. Sobre os planos para ser jogador de futebol, o pai informa que a família está em contato com o agente que levaria o menino para se apresentar ao CSA em janeiro. Mesmo sem um parecer médico conclusivo, a expectativa dos familiares é de que Marcos Antônio possa voltar ao esporte o quanto antes.