Mudanças

Pandemia estimula mudanças de hábitos em homens que são pais

A divisão dos afazeres domésticos continua mais pesada para as mulheres, porém, com o home office e o maior convívio familiar, alguns homens começam a participar mais da educação dos filhos e das atividades do lar

Renata Rios
 Fernanda Strickland*
postado em 18/10/2020 07:00 / atualizado em 20/10/2020 16:18
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

A pandemia trouxe uma nova realidade para muitas famílias, que se viram, do dia para noite, em isolamento social, com o convívio com entes queridos restritos ou intensificados. No caso de pais e filhos, a convivência cotidiana aumentou. Com o fechamento das escolas e o modelo de teletrabalho, tanto crianças quanto adultos passaram a ter 24 horas de convívio. Essa situação abriu espaço para muitos homens desenvolverem uma paternidade cuidadora, afetiva e participativa. O relatório Pais em casa — Impacto da pandemia na divisão do trabalho de cuidado aponta que o caminho em busca da igualdade de gênero, quebra de estereótipos e melhora das relações familiares já está acontecendo no Brasil.


O relatório foi dividido em três capítulos: antes, durante e pós pandemia. O idealizador do relatório e fundador da empresa 4Daddy, Leandro Ziotto, explica que a ideia do material é mostrar que a divisão dos afazeres domésticos continua desigual. Todavia, há um movimento de mudança por parte dos homens, que buscam ser pais mais afetivos e presentes e ajudar nas tarefas de casa. “A nossa pesquisa comprova que o trabalho do cuidado e da atividade doméstica ainda é majoritariamente feminino, mas há uma geração de homens mudando, pequena ainda, ainda é uma exceção, mas há.”


Leandro afirma não ser possível saber se a pandemia trouxe mudanças duradouras. “A pandemia é uma ruptura. Agora, se essa ruptura vai gerar transformações sociais e, comportamentais, ainda não temos resposta”, comenta. Ele pondera que os pais se viram, repentinamente, em uma realidade nova para a imensa maioria. “Na pesquisa, tivemos homens que disseram que foi um caos. Que gerou conflito, ruído, briga entre o casal. Uma experiência estressante porque a ruptura foi muito forte”, conta. Mas revela, também, que os pais que participaram da pesquisa afirmaram estar passando mais tempo com os filhos, conhecendo melhor as criança e criando vínculos importantes.


“O objetivo é fazer nova pesquisa, até o fim do ano, para saber se esses homens, que disseram que encontraram na pandemia uma oportunidade de gerar vínculo com os filhos, irão querer continuar, se a ruptura vai ser permanente. Ou se, infelizmente, vão voltar ao que era antes”, especula. Otimista, Leandro acredita que os pais sairão da pandemia mais conscientes, inclusive do próprio trabalho de atividade doméstica remunerado. “Muitos homens falaram: ‘caramba, eu não tinha noção de como cuidar de uma criança ou de uma casa é complexo. Eu preciso pagar mais para a minha faxineira’”, relata.


Depois da pandemia, a participação dos homens na atividade doméstica aumentou significativamente, assim como o envolvimento paterno nas atividades escolares e educacionais, aponta a pesquisa. O levantamento também apura que os casais que declaram uma divisão mais participativa, mais equilibrada, são os mesmos que dizem estar mais satisfeitos com o casamento. “A divisão mais igualitária do trabalho de casa impacta também na satisfação da relação do casal”, pontua. “Não tem questão de talento e preparo. É uma coisa de boa vontade e de assumir o protagonismo”, constata o pesquisador.


Felipe Pontual, 33 anos, coordenador de Marketing Esportivo e criador do blog @sonheiserpai, conta que sua rotina e a da esposa, por trabalharem, era basicamente sair cedo e voltar à noite. “Agora estamos de home office total. Participamos mais das atividades de casa desde a pandemia. Nós sempre arrumamos, limpamos e cozinhamos, mas o volume era menor. Ficando em casa, é o dia inteiro com coisas para fazer. Têm muita louça, roupa, faxina, bagunça para arrumar, tudo multiplicado”, expõe.


Com um filho de 2 anos e 8 meses, Felipe precisa dedicar muita atenção. “O convívio tem sido importante para ele, que participa ativamente de tudo comigo”, conta. “Eu torço para que, no final de tudo isso, a gente consiga levar alguns aprendizados, de valorizar a família, de ser um pouco mais humano, ter compreensão, empatia. Eu quero que não voltemos a ser o que éramos antes, precisamos valorizar mais as relações, o lado humano, as nossas famílias”, afirma Felipe.
Fernando Alvarenga, 35, jornalista que mora em Olinda (PE) diz que a pandemia acrescentou uma relação de estudos com a filha Valentina, 5, na rotina da quarentena. “A minha esposa deixava ela no colégio. No fim da aula, um de nós a buscava. Com a pandemia, além das tarefas domésticas, eu e minha esposa assumimos a escola dentro de casa”, explica. Para Fernando fazer essa rotina é importante, mesmo sendo pesada. “Eu sempre participei de atividades em casa, pois via meus pais dividindo funções em casa”, diz.


Para o jornalista, a maior lição da pandemia é resiliência. “Não foi fácil cruzar agendas diferentes dentro de casa. Foi muito aprendizado que fizeram a nossa família evoluir. Para os homens aconselho para dirigirem bem a paternidade, pois é a melhor experiência da vida”, aconselha Fernando.

Dados IBGE

A desigualdade das funções não remuneradas fazem parte da rotina de mulheres de todas as classes e cores no Brasil. Uma pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE) em junho deste ano constata que as mulheres dedicam mais horas do dia ao cuidado de pessoas e aos afazeres domésticos. Os números levantados apontam que, em 2019, a população com 14 anos ou mais se dedicava em média 16,8 horas semanais a essas tarefas, as médias divididas entre homens e mulheres eram de 21,4 para elas e 11 horas entre eles. Os dados do levantamento são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) e abrangem afazeres domésticos, cuidados de pessoas, trabalho voluntário e produção para consumo próprio.


O professor da Estácio, Albeiro Mejia, formado em filosofia, sociologia e letras, mestre em teoria literária, doutor em literatura e com pós doutorado em linguística pontua que os dados são um reflexo da realidade e apresenta algumas mudanças. “As mudanças vão acontecendo aos poucos, o que vemos hoje de melhora começou na década de 1960. É um processo que demora décadas e é feita nas casas, na vivência. Só acontece essa mudança com um engajamento forte da imprensa, igreja, escola, família, de muita gente”, esclarece o especialista. Ele ainda argumenta que o homem não deve ser visto apenas como culpado. “Não é que o homem seja culpado por isso, às vezes ele é parte de uma engrenagem. Ele pode ter sido criado dessa maneira, por exemplo pela mãe”, pondera.


Entre os dados que a pesquisa trouxe está a dedicação a cuidar de moradores no domicílio ou de parentes, mesmo que não morem juntos. Nesse caso, a taxa de realização no ano passado foi de 31,6% — 25,9% para homens e 36,8% para mulheres. A maior parte dos cuidados foram para moradores entre 0 e 5 anos (49,2%) e de 6 a 15 (52%). O nível de instrução é outro ponto analisado pelo levantamento. Segundo os dados coletados pela pesquisa, entre os homens com menos escolaridade a tendência é uma menor participação nas tarefas da casa. “Em ambientes acadêmicos, por exemplo, há uma pressão para que se melhore os comportamentos. Como professor, estimulo meus alunos a realizarem essas atividades e refletirem sobre o assunto”, pontua Mejia.


A única atividade que os homens realizam mais que as mulheres são os pequenos reparos. Já atividades ligadas à alimentação, arrumação do domicílio, limpeza de roupas e sapatos ficam concentradas nas mulheres. O levantamento revelou também que a taxa de realização de afazeres de homens morando sós é semelhante à das mulheres. “É um fato que quando o homem precisa ele faz, mas ele se acomoda porque já foi definido culturalmente isso”, explica o professor. Por outro lado, entre as mulheres, não existe grande diferença na realização de alguns afazeres e o fato dela morar sozinha ou com outras pessoas.


Confira como alcançar uma mudança duradoura na distribuição do trabalho


1) Diálogo
Estabeleça combinados sobre as responsabilidades (inclusive com crianças) das atividades domésticas e de cuidado. E se ficou pesado, não tem problema. Combinados podem ser recombinados. O importante é que ninguém fique sobrecarregado.

2) Grupos de apoio
Pesquise e busque por grupos presenciais ou virtuais de reflexão e apoio, sejam eles só para homens ou para pais, ou mistos. Caso na sua região não tenha, crie o seu próprio grupo. Ter uma rede de apoio físico, mental e emocional é fundamental.

3) Escolas
Campanhas de comunicação abrangentes e abordagens baseadas na escola para promover o envolvimento dos homens jovens no trabalho de cuidado, prevenir a violência baseada no gênero, ensinar o valor do cuidado a meninos e meninas.

4) Licença-parental
Licença-parental de igual duração, totalmente remunerada e intransferível para todos os pais, como um complemento da licença-maternidade, não uma alternativa.

5) Políticas públicas de saúde
Políticas, principalmente no setor da saúde, que envolvam os homens nas consultas pré-natal, parto e pós-natal são essenciais, mas não bastam. Treinamentos específicos para pais, que proporcionem ferramentas e construção de habilidades cuidadoras, competências socioemocionais e confiança, se fazem necessários.

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