Quando foi ao banco fazer um depósito em João Pessoa, na última quarta-feira (14/10), o bugueiro e guia de turismo Daniel Lima, 38 anos, não imaginava que acabaria sendo ofendido e atacado por ser negro. Não bastasse ter passado por todo esse constrangimento, o que o revolta é o fato da mulher que fez isso com ele ter sido solta no mesmo dia após pagar R$ 350.
Em conversa com o Correio, Daniel contou como as ofensas começaram. “Eu estava entrando na agência para fazer um depósito e, quando eu estava terminando o procedimento, essa senhora chamou um funcionário e perguntou por que o banco tinha contratado essa raça negra para fazer a divulgação. Quando ela falou isso, eu imaginei que teria sido o grupo musical”, lembra.
Mas quando olhou o material publicitário, o guia percebeu que não se tratava do grupo de pagode. “Quando eu terminei de fazer o depósito, eu vi que era uma pessoa de pele negra que fazia parte da propaganda do banco. Nisso, ela começou a praticar injúrias raciais, começou a falar palavrões. Aí eu parei, olhei para ela e perguntei: ‘eu não entendi senhora’. Aí sim ela apontou para mim, me acusando de ser negro bandido, negro ladrão. Dizendo sou racista mesmo Você é bandido”, conta.
Parte dessas ofensas foi registrada em vídeo por outros clientes. Em um trecho das imagens, a mulher se identifica como Luzia Sandra de Medeiros Dias Benjamin. "Sou a maior racista do planeta Terra, odeio a raça negra. Vocês são bandidos, ladrões", diz, aos gritos. Diante dessa situação, a Polícia Militar foi acionada.
Mas nem com a presença dos agentes a mulher parou com as ofensas, diz Daniel. “Eu fiquei lá fora resolvendo a minha situação. Vi outra pessoa de pele negra entrando na agência e ela começou também a xingá-lo. Nós dois fomos fazer ocorrência”, diz.
Injúria racial
Mas, para a surpresa deles, a delegada Viviane Magalhães autuou a mulher por injúria racial e não racismo, que é inafiançável. “Eu fiquei muito triste com a situação. Porque eu, na minha concepção, não sou nenhum profissional da área, mas acreditava que seria como racismo, mas não, foi injúria racial”, lamenta o guia.
"Gostaria muito que ela respondesse por racismo. Porque ela ofendeu a classe negra, todos os negros, existentes aqui no estado e no mundo. Ela tem que pagar por esse crime que ela fez" Daniel Lima, vítima de racismo em banco em João Pessoa
O fato da mulher ter sido liberada após pagar fiança também não agradou Daniel. “É muito revoltante uma cena dessa, na frente de muitas pessoas, ela falar o que quer. Um ato de racismo total. Contra a lei. E você chegar numa central de delegacia e ela ser tratada como uma pessoa 'normal', pagar uma fiança de R$ 300 e ser liberada para poder fazer a mesma coisa novamente”, lamenta.
Ao Correio, a delegada alegou que, como não houve algum tipo de exclusão ou impedimento contra a vítima por causa da cor da pele, não é possível caracterizar o ato como racismo. "Para a fiança, levamos em consideração a situação financeira, a gravidade, o tempo de pena e a saúde da pessoa. O valor é um terço do salário mínimo", disse.
De acordo com o Código Penal, a injúria racial consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, enquanto o crime de racismo atinge uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça.
Daniel, no entanto, não desistirá que a justiça seja feita e contratou um advogado para isso. “A gente está fazendo todo o procedimento legal, judicial, para que essa mulher possa pagar em juízo tudo que ela fez, o constrangimento verbal, a falta de respeito, o racismo em si que ela teve assim comigo”, conta.
Problemas psicológicos
O guia não acredita na versão de problemas psicológicos alegado pelo marido da acusada. “Eu fico tranquilo porque a justiça irá pedir novos exames, ela vai ter que apresentar outros laudos. Eu vi muita convicção no que ela falou.. Eu trabalho com turismo, eu trabalho com pessoas há mais de 10 anos”, afirma. “Existiram muitas coisas ali que, na minha concepção, provam que ela não tem esse problema psicológico que alegam”, acredita.
"Todos nós temos a mesma cor de sangue: vermelho. E a gente, por ser negro, a gente ama, a gente chora, a gente sofre, a gente sorri… Eu acho um desrespeito Eu espero que isso sirva de lição para outras pessoas. Que essas pessoas pensem que se você for negro, amarelo, branco azul ou qualquer que seja sua cor somos seres humanos, somos pessoas que precisam viver. A gente briga pelas coisas que são certas, e eu espero que todos se conscientizem que, em pleno século 21, o ato de racismo é inaceitável" Daniel Lima, vítima de ataque racista em João Pessoa
No entanto, a delegada contou à reportagem que o marido da acusada apresentou documentos que mostram tratamentos que ela vem passando e um pedido de invalidez de setembro. Ainda segundo a Viviane, era visível que a mulher estava descontrolada no dia do ataque.
Procurado, o Banco do Brasil, onde ocorreu o as ofensas raciais, disse que lamenta o ocorrido e repudia qualquer forma de preconceito. "O Banco do Brasil valoriza a diversidade entre seus funcionários e clientes", diz, em nota.
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