Neste sábado, 26 de setembro, é comemorado o Dia Nacional do Surdo. Mais do que dar visibilidade para pessoas com deficiência auditiva e celebrar as suas conquistas, a data deve também conscientizar e alertar para a falta de acessibilidade que, muitas vezes, ainda afeta essas pessoas. Segundo dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 2,1 milhões de brasileiros são deficientes auditivos, parcial ou totalmente. Como contornar um problema que atinge quase 2% da população do país, mas que ainda não é tratado como uma prioridade?
O professor de educação física Felipe Mauricio Teixeira Pimentel, 34 anos, é deficiente auditivo e conta que o maior desafio da profissão, por incrível que pareça, ainda é algo primordial para o ensino: a comunicação. “A maioria não conhece Libras. Foi um desafio no começo, mas, com o tempo, consegui fazer com que eles (os alunos) se adaptassem na comunicação comigo. Quando queriam falar ou fazer alguma pergunta, levantavam a mão, e se não compreendiam a minha explicação, usávamos a escrita para esclarecer”, relata o professor.
No Instagram, o educador e personal trainer divulga treinos funcionais para os seus mais de 10 mil seguidores. Além da prática física, Felipe ainda dá aulas de Língua Brasileira de Sinais (Libras) on-line para alunos do ensino fundamental, em seu canal no Youtube.
Segundo ele, a prática poderia promover uma educação mais inclusiva: “Através do conhecimento de Libras, os alunos ouvintes se tornam mais tolerantes com surdos. O que ajudaria na inclusão seria: ter paciência, conversar olhando para os surdos, articular devagar e não impedir os surdos de se expressarem”, explica o educador, que ressalta o acolhimento que recebeu na escola em que trabalha, o Centro de Ensino Fundamental 12 de Taguatinga: “A equipe me acolheu muito bem e se preocupou em oferecer acessibilidade para mim. Não tive dificuldade em me adaptar e as minhas necessidades sempre foram prontamente atendidas”.
Dificuldades
Apesar do esforço de pessoas como Felipe, as dificuldades ainda são muitas. O acesso a serviços básicos, como números de emergência, por exemplo, tem entraves que, infelizmente, fazem parte da vida dos deficientes auditivos. “A acessibilidade tem melhorado pois estão inserindo Libras em alguns lugares, mas ainda falta em outros, como o departamento de polícia, hospitais, bancos que pedem informações por telefone”, desabafa o professor. Ele acrescenta que existe muita dificuldade para relatar emergências, quando é preciso ligar para o número 193, por exemplo, em casos de incêndio ou acidentes.
Para a fonoaudióloga Isabella Monteiro, a falta de acessibilidade é percebida em diversos cenários sociais, e foi explicitada de forma intensa com a pandemia. “A acessibilidade ainda está longe de ser real e funcional para os surdos. Essa pandemia e as medidas de isolamento social são provas disso. As pessoas com deficiência auditiva, oralizadas ou sinalizadoras, tiveram que lidar com videoconferências, às vezes sem imagem ou com a imagem ruim do falante, com som ruim, sem legendas e sem interpretação para Libras”, explica a profissional.
Além disso, o uso das máscaras de proteção facial é mais um dos obstáculos para quem possui deficiência auditiva e precisa fazer leitura labial para facilitar a compreensão. “Às vezes, precisamos pedir para as pessoas baixarem as suas máscaras. Como sugestão, seria bom se adotassem as máscaras transparentes ou aprendessem Libras para tornar a comunicação mais acessível”, comenta o professor Felipe Pimentel.
Preconceito
Seja por falta de informação ou por pré-julgamento dos ouvintes, pessoas surdas acabam sofrendo de forma constante com a exclusão social. Felipe Pimentel conta que já perdeu oportunidades de trabalho devido ao preconceito por causa de sua deficiência: “Quando tive a chance de participar de uma entrevista de emprego em uma academia, gostaram do meu currículo, mas desistiram de me contratar pois acharam que a minha surdez impediria de me comunicar com os alunos”, lembra o professor, que hoje recebe elogios no atual emprego por sua competência e didática.
“Muitos surdos reclamam sobre a dificuldade que passam nas academias, porque não entendem o professor e também não são compreendidos, eu mesmo já passei por isso. Tenho recebido muitos elogios dos meus alunos e clientes (ele é personal trainer) pela facilidade de compreensão das atividades que eu proponho. Inclusive tenho clientes ouvintes que não conhecem Libras e falam que têm mais facilidade de treinar comigo do que com os outros professores”, relata.
Os intérpretes de Libras, presentes em diversas transmissões pela TV ou pela internet, também enxergam o preconceito que sofrem as pessoas com deficiência auditiva. “Uma das experiências mais marcantes que tive foi ter conhecido uma criança que estava em um cantinho sinalizando em Libras sozinha. Cheguei perto e perguntei (em Libras) por que ela estava triste e conversando só. Ela me respondeu: ‘Porque ninguém vai me entender mesmo’. Foi triste, mas ali percebi o quanto ainda precisamos trabalhar na inclusão, em todas as idades”, relata a intérprete de Libras Itana Domingas, que deu início a um projeto com o objetivo de tornar acessível o ensino de Libras e Braille.
Ela ressalta ainda que a comunicação vai muito além das palavras, sendo necessário se colocar no lugar do outro para que esta seja efetiva: “Como nem todos os surdos fazem leitura labial, é necessário ter empatia para se comunicar. O rosto mostra emoções, as expressões faciais são lindas e, às vezes, não é preciso mais do que isso para estabelecer comunicação”.
*Estagiária sob supervisão de Fernando Jordão