Apesar de não fazerem parte do grupo mais vulnerável em relação aos casos graves de covid-19, crianças e adolescentes não deixam de ser potenciais vetores e tampouco estão imunes ao agravamento da doença. Com o objetivo de descrever os sintomas e características clínicas da doença nos organismos mais jovens, pesquisadores brasileiros realizaram um estudo em pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI’s) pediátricas e verificaram que, ao comparar crianças com e sem comorbidades, o primeiro grupo têm 5,5 vezes mais chances de precisar de ventilação mecânica.
O estudo “Pacientes pediátricos com covid-19 admitidos em Unidades de Terapia Intensiva no Brasil: um estudo prospectivo multicêntrico” foi desenvolvido pelo Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e avaliou 79 pacientes pediátricos. Entre as principais comorbidades que levaram o agravamento dos quadros estavam as doenças neurológicas (encefalopatia crônica não progressiva) e respiratórias crônica, principalmente a asma.
Dos pacientes avaliados, 41% deles apresentaram comorbidades, com predominância das doenças neuromusculares (28%), principalmente paralisia cerebral. Outras, como doença respiratória crônica, onco-hematológica, cardíaca congênita e desnutrição, também foram registradas, representando, juntas, cerca de 27% do total. No entanto, obesidade e diabetes, fatores que colocam adultos em grupos de maior vulnerabilidade para a covid, não se destacaram como agravantes em crianças.
“Na verdade, na nossa pesquisa, estes pacientes foram minoria”, afirma Arnaldo Prata Barbosa, médico pediatra e coordenador de pesquisa. Outra diferença notada é crianças menores de 1 ano de idade não constituíram um grupo de risco. “Uma das principais diferenças de nossos achados para a literatura internacional é que não encontramos que lactentes (menores de um ano) teriam maior chance de doença grave (necessidade de ventilação mecânica)”, completa, já que os pacientes com comorbidades eram mais velhos.
Sintomas
No estudo foram incluídos crianças e adolescentes de 1 mês a 19 anos. Os principais sintomas apresentados pelo grupo de crianças que necessitaram de UTI foram febre (76%), tosse (51%) e taquipneia – respiração acelerada - (50%). A ventilação mecânica invasiva foi utilizada em 18% das crianças, por uma média de 5 a 7 dias, e os principais medicamentos utilizados foram os antibióticos (76%). A média do tempo de internação em UTI foi de 5 dias e a maioria dos pacientes recebeu alta (90%).
Os pesquisadores dividiram os pacientes pediátricos em dois grandes grupos. Cerca de 85% desenvolvem uma doença febril aguda, principalmente com sintomas predominantemente respiratórios e gastrointestinais, como diarréia, vômito e dor no estômago. Já os 15% restantes apresentam sintomas de duas a quatro semanas após a infecção pela covid-19, se caracterizando como uma doença inflamatória multissistêmica (MIS).
Este grupo menor, segundo Barbosa, pode ser bastante grave "com insuficiência cardíaca, choque ou um quadro inflamatório que lembra muito a doença de Kawasaki". O médico completa que esses pacientes são maiores em relação à idade e 80% meninos. "Trata-se de um novo fenômeno relacionado à COVID-19 em crianças e espera-se que muitos desses pacientes precisem de acompanhamento na UTI, bem como de outras especialidades pediátricas", explica o pesquisador, completando que ainda não é possível saber os efeitos posteriores da MIS após a recuperação desses pacientes.
Este foi o primeiro estudo prospectivo e feito com parceria de diversos núcleos a relatar as características e situação do paciente até a alta em crianças com covid-19 e que precisaram de internação em UTI. Foram avaliados pacientes de 19 UTI's pediátricas no Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Ceará e Pará.