Por mais que o país gaste cerca de 6% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com segurança pública — médias anuais de R$ 105 bilhões de recursos por parte do governo e R$ 285 bilhões, da iniciativa privada —, o sistema de policiamento brasileiro está falido e à beira do caos. Essa é a avaliação do advogado criminalista Roberto Darós, especialista em ciência policial e investigação criminal na Escola Superior da Polícia Federal e mestre em direito processual penal pela Universidade Federal do Espírito Santo. Na próxima quinta-feira, Darós participa do seminário virtual Correio Talks, promovido pelo Correio, sobre a modernização da segurança pública no Brasil.
Para o especialista, um dos desafios para se melhorar tanto o atual modelo das polícias do país como as condições de trabalho dos servidores de cada corporação passa por uma melhor destinação dos recursos públicos e privados para o sistema. “O país gasta muito com segurança pública e esses recursos são jogados no ralo porque são mal administrados. Não existem projetos adequados. É necessário que se reestruture a divisão corporativa, todo o nicho de poder administrativo que há em torno da segurança pública. Isso precisa se transformar, senão os índices de criminalidade vão continuar”, pondera.
Na visão de Darós, existem defeitos na forma em que se é organizado o patrulhamento ostensivo nas ruas. “O cidadão acostumou-se a usar o 190 para chamar (a polícia) depois que o delito ocorreu. Ou seja, não há patrulhamento. Não se planejam bairros que tenham escolas, postos de saúde e postos policiais com a quantidade de policiais necessários para patrulhar as ruas. O que acontece são locais perigosos com patrulhamento 24h, mas os menos perigosos, com o policiamento diminuindo”, alerta.
Constituição
O advogado acredita que a modernização da segurança pública brasileira não está atrelada à compra de novas armas, equipamentos e computadores, mas, sim, à reestruturação de todas as corporações. Isso passa, sobretudo, pela atualização do que está estabelecido para as polícias na Constituição Federal.
“A Constituição completa 31 anos em 2020. O legislador constituinte deixou um legado para que os legisladores ordinários complementassem todas as normas com leis orgânicas para cada corporação, definido atribuições e competências, e nada foi feito. Seguiu-se a tendência de as corporações irem consolidando a sua área de atuação, o que gerou muitos conflitos. Então, não existe modernidade se não reestruturar tudo, sem ter uma lei orgânica para cada órgão policial.”
Darós acrescenta que investir na formação dos profissionais também é indispensável. “Nas academias, que dão o serviço técnico, ainda podemos avançar muito. Poderíamos aumentar a quantidade de horas-aula e treinamentos voltados para direitos humanos para proteger o cidadão. Hoje, quem faz o trabalho ostensivo, de prevenção de crime, é a Polícia Militar. E ela lida com a ideologia de combate ao inimigo. Isso precisa mudar”, diz.
De acordo com o advogado, um policial que não é treinado para atuar como polícia comunitária ou como um agente que defenda a sociedade, mas como alguém que tem de apenas combater o elemento criminoso, pode colocar em risco a segurança pública. “Essa guerra de bem contra o mal tem que acabar. Como? Preparando, treinando e valorizando muito bem os policiais, dando salários adequados, estrutura jurídica, médica e odontológica. Ou seja, preparando o cidadão para que ele seja equilibrado o bastante para ele conter o crime, e não travar uma guerra frenética contra os criminosos.”