Associações de diabetes cobram melhor distribuição de insulina

Grupos ligados a pessoas que possuem a doença que atinge 16 milhões de brasileiros se reúnem nesta terça-feira com o governo para exigir providência no acesso às versões mais modernas do medicamento. Governo afirma que distribuiu 39,5 milhões de doses este ano.

Fernanda Strickland
postado em 21/09/2020 21:34 / atualizado em 22/09/2020 20:15
 (crédito: CB MKT)
(crédito: CB MKT)

O Ministério da Saúde e entidades ligadas a pessoas que possuem diabetes se reúnem nesta terça-feira (22), às 9h, para tratar da distribuição de insulina, medicamento fundamental para o tratamento da doença que atinge 16,8 milhões de brasileiros. Integrantes da Associação de Diabetes Junvenil (ADJ Diabetes Brasil) e da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) vão conversar, em reunião virtual, com Hélio Angotti, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos. Entre outros temas, os grupos pretendem discutir a dificuldade de obtenção de insulina análoga de ação rápida, modelo mais moderno e mais caro do que as doses convencionais. Para melhorar a distribuição de insulina, as entidades defendem uma nova forma de disponibilização na atenção básica e não na especializada do SUS.

Pessoas com diabetes ouvidas pelo Correio relatam dificuldade em obter tipos específicos de insulina na rede pública de atendimento. Desde os quatro anos de idade, a cirurgiã-dentista Thaís Cachuté Paradella, 40 anos, trava uma batalha contra o diabetes tipo 1. Como não encontra o tipo de que necessita no SUS, precisa recorrer às farmácias comerciais. “O problema é o preço da insulina análoga de ação lenta, que gira em torno de R$ 120 cada”, afirma. “O governo conseguiria resolver isso, fornecendo essas insulinas mais modernas para serem entregues nas Unidades Básicas de Saúde (UBS)”, acredita. O Ministério da Saúde, incorporou esse tipo de insulina em março do ano passado, mas ainda não esta disponível para pessoas com diabetes tipo 1, de acordo com o Diário Oficial. 

Hermelinda Pedrosa, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), participará do encontro com o Ministério da Saúde. Atual assessora de relações governamentais da SBD, a endocrinologista lembra que “pessoas com diabetes são mais vulneráveis à Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e à síndrome respiratória do Oriente Médio, duas infecções respiratórias fatais anteriores por coronavírus nas últimas décadas.”

Vanessa Pirolo, coordenadora de advocacy da ADJ Diabetes Brasil, também participante do encontro com o Ministério da Saúde, afirma que é fundamental entender as dificuldades das pessoas com a doença em obter a medicação adequada. No período da pandemia, a situação requer ainda mais atenção. “ (O diabetes) é uma das principais doenças, que leva a complicações mais sérias, se a pessoa tiver a contaminação pelo coronavírus”, alerta.

Procurado pelo Correio, o Ministério da Saúde informou que, em 2019, distribuiu 24,8 milhões de unidades de insulina. Neste ano, até o mês de agosto, o repasse às unidades de atendimento foram de 39,5 milhões de unidades. O Governo federal fornece insulina para o tratamento do diabetes tipo 2 por meio de dois programas. O primeiro é o Componente Básico da Assistência Farmacêutica (CBAF), que oferece a insulina humana NPH e a regular (por frasco-ampola e canetas). O segundo programa chama-se Componente Especializado da Assistência Farmacêutica (CEAF), mais conhecido como Alto Custo, que disponibiliza a insulina análoga de ação rápida (para o tratamento do diabetes tipo 1). Recebem atendimento todos os pacientes cadastrados no programa, desde que atendam aos critérios de elegibilidade estabelecidos no Protocolo Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT). 

Segundo o Ministério da Saúde, não há registro de desperdício de doses de insulina por perda de prazo de validade.

De acordo com dados obtidos pela ADJ Diabetes Brasil, através da Lei de Acesso à Informação de agosto de 2020, somente 43.762 brasileiros de 396 mil, conseguiram ter acesso às insulinas análogas de ação rápida. "Com as informações obtidas por esse documento feito pelo Ministério da Saúde, somente 11% dos 396 mil brasileiros tiveram acesso a esse medicamento e é estimado que haja uma perda entre 900 mil a 1,4 milhões de canetas até junho do ano que vem", afirma Vanessa.


 

TIRA-DÚVIDAS:

O Correio conversou com a dra. Hermelinda Pedrosa, membro da Sociedade Brasileira de Diabetes, para esclarecer pontos importantes sobre a doença que atinge milhões de brasileiros.


1) O que é o diabetes?

Diabetes é uma doença complexa, envolve vários mecanismos relacionados à insulina resultando em aumento da glicose no sangue - a hiperglicemia. “Há um cenário de diminuição ou produção insuficiente de insulina, hormônio produzido pelo pâncreas; e pode ocorrer também uma resistência a ação deste hormônio em órgãos como músculo, fígado e tecido gorduroso, ou seja, a pessoa pessoa produz a insulina, mas o hormônio não consegue ter uma ação efetiva", relata Hermelinda Pedrosa, endocrinologista, presidente do Departamento de Diabetes da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e Assessora de Relações Governamentais da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).

Hermelinda explica que, “Dentro desse espectro, temos os principais tipos da doença: o Diabetes tipo 1(DM tipo 1) e o Diabetes tipo 2 (DM tipo 2), além do Diabetes gestacional e outros mais raros, relacionados a alterações gênicas”.

O DM tipo 1 é uma doença autoimune que atinge a célula beta do pâncreas, órgão responsável pela fabricação da insulina, e portanto, se faz necessário o seu uso imediato para a sobrevivência. No DM tipo 2, presente em 90% dos casos, o organismo não consegue lidar muito bem com a insulina produzida, um problema chamado de resistência à insulina, que se associa gradualmente a graus variados de deficiência porém não na mesma intensidade do que ocorre no DM tipo 1.

2) Quais são os sintomas do diabetes?

Os principais sintomas do Dibetes são muita sede, aumento da produção de urina e frequência das micções, perda de peso mesmo com o apetite elevado. No DM tipo 1, devido a má produção de insulina, o surgimento dos sintomas é mais rápido. "Em poucas semanas, a pessoa deixa de ter insulina circulante e suficiente, com quadro bem evidente e que pode se tornar grave em questão de algumas horas", explica Hermelinda. Mas no DM tipo 2, que é mais gradual e silencioso, esses alertas demoram para ser percebidos. Por isso, o distúrbio pode ser descoberto só quando a pessoa tiver outras alterações como as visuais - visão borrada, e infecções de pele. O que, aliás, é sinal de que a doença está descontrolada há algum tempo. "Quem tem os fatores de risco deve fazer exames como a dosagem da glicose no sangue, para descobrir e para controlar o seu avanço", comenta.

3) Quem tem maior risco de ter diabetes?

A partir dos 45 anos, todos devem medir a glicemia e se estiver normal, a cada três anos. Mas, segundo os especialistas, um grupo bem abrangente de pessoas deve fazer o teste periodicamente independentemente da idade que tiverem: colesterol LDL ou triglicérides elevados; hipertensos; com doenças cardiovasculares (infarto, derrame, angina), mulheres com síndrome do ovário policístico; mulheres que tiveram filhos nascidos com mais de 4 quilos por DM gestacional; pessoas com parentes próximos que tenham qualquer tipo de diabetes.

4) O que é pré-diabetes? É possível revertê-lo?

É uma condição que antecede o diabetes, sem sintomas, mas não deve ser ignorada. "O nome engana, pois na verdade, já é uma doença que pode se associar a complicações como retinopatia (alterações na retina), neuropatia (nos nervos), e provoca risco de mortalidade cardiovascular", alerta Hermelinda. "E estima-se que sejam 15 milhões de pessoas com pré-Diabetes no Brasil", continua o médica. Se encaixa aqui quem tem algum desses três critérios: glicemia em jejum entre 100 e 126mg/dL, resultado no teste oral de tolerância à glicose entre 140 e 199 mg/dL ou hemoglobina glicada entre 5,7 e 6,4%. Mais importante do que esses números, é saber que é possível reverter com a adoção de alimentação saudável, inclusive sem consumo de alimentos ultraprocessados, e exercício regular entre 150 e 180 min por semana.

5) Como é feito o diagnóstico?

Com os mesmos testes acima, que identificam a presença da glicose anormal no sangue. A glicemia em jejum detecta o nível de glicose e, se ele estiver igual ou acima de 126mg/dL em duas medidas em dias diferentes, confirma diabetes já instalado. Já a hemoglobina glicada dá uma média da glicose circulante nos últimos 90 dias, e se o resultado for acima de 6,5%, é outro achado importante de que a doença está presente. A curva glicêmica, que analisa como o corpo reage à ingestão de solução adocicada 2 horas após, confirma o confirmar o diagnóstico e é indicada se há fatores de risco e dúvida no diagnóstico.

6) O que é insulina e o que ela faz?

É um hormônio essencial para a vida pois ajuda a colocar a glicose e outros nutrientes nas células dos órgãos. A insulina é um grande hormônio armazenador de energia via glicose, gordura e proteína.

7) Toda pessoa com diabetes precisa tomar insulina?

Quem tem DM tipo 1 sim, porque é ela não é produzida e está em falta. Já no DM tipo 2, primeiro os médicos prescrevem remédios para melhorar a ação e a produção desse hormônio. "Geralmente são dois ou três medicamentos orais ou mesmo outros tipos injetáveis combinados; e a insulina pode ser associada quando não se consegue o bom controle, mesmo com essas combinações", detalha Hermelinda. É importante dizer também que o tratamento funciona, mas o efeito é outro quando mudanças na alimentação e nos hábitos de vida são levadas a sério. "O mesmo medicamento tem benefícios diferentes em quem colabora ou não. O exercício físico, por exemplo, diminui a resistência à insulina e baixa o nível de glicose", explica. O exercício é, de fato, um "remédio" e deve ser usado regularmente.

8) Dá para prevenir o diabetes?

“Sim! A epidemia global que enfrentamos hoje ocorre em grande parte por conta dos maus hábitos de vida", destaca a endocrinologista. Até há predisposição hereditária por trás do DM tipo 2, o mais comum, mas é o excesso de peso e obesidade, o sedentarismo e a má alimentação que desregulam de vez a relação de equilíbrio entre insulina e glicose. Não é à toa que essa é a variedade que mais preocupa os médicos e os profissionais de saúde e deve ser foco de prevenção dos gestores públicos. Como evolui lentamente, resulta em complicações sérias, como amputações, insuficiência renal, perda de visão além de mortes cardiovasculares.

 

* Estagiária sob supervisão de Carlos Alexandre de Souza

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