O caso da menina de 10 anos que acabou grávida após sofrer abusos sexuais por quatro anos levanta a discussão sobre a proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes brasileiros. Uma parcela desta realidade é o alto número de casamentos infantis registrados no país. O Brasil ocupa o quarto lugar no mundo em números absolutos de mulheres casadas até os 15 anos. São 877 mil mulheres com idades entre 20 e 24 anos que se casaram na infância, segundo a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNAD).
Quando o levantamento amplia para mulheres entre 20 e 24 anos que se casaram antes dos 18 anos, o número salta para 3 milhões, o equivalente a 36% do total de mulheres casadas nessa faixa etária no país. Assim, o Brasil só fica atrás de Índia, Bangladesh e Nigéria no número de casos de casamentos infantis.
Segundo a legislação brasileira, a idade legal para o casamento é de 18 anos para homens e mulheres; pode-se casar aos 16 anos, com o consentimento de ambos pais ou responsáveis legais. O Código Civil, no entanto, compreende que menores de idade se casem com menos de 16, no caso de uma gravidez. “Apesar da existência da legislação, que proíbe o casamento infantil no Brasil, essa é uma realidade muito presente no país”, pontua Luciano Ramos, historiador e consultor de Programas do Instituto Promundo Brasil, responsável pela pesquisa Ela vai no meu barco — Casamento na infância e adolescência no Brasil, realizada em 2018, em parceria com a Plan International Brasil e a Universidade Federal do Pará.
Ramos ressalta que o casamento infantil não é uma realidade só da periferia ou do Nordeste. “No Maranhão, é a maior incidência, mas também existe nos grandes centros urbanos, como na capital do Rio de Janeiro, onde também é muito forte”, relata. De acordo com a pesquisa, os casamentos na infância e adolescência na América Latina são, na maioria das vezes, informais e consensuais, envolvendo homens adultos e meninas na fase da infância e adolescência.
De mãe para filha
O historiador explica que essa é uma relação naturalizada no Brasil. “São gerações de famílias casando com homens mais velhos, em que as mães dessas meninas, muitas vezes, também se casaram na mesma situação”, descreve Ramos. “São moças em situação de precariedade financeira, vulnerabilidade e o casamento é uma forma de legitimar as meninas dentro das famílias brasileiras. Casar com homens mais velhos é visto como uma forma de sobrevivência, o que não é verdade, já que nessa relação elas passam por situação de abuso e de violência”, completa.
Um caminho apontado pelo especialista para começar a mudar a realidade das crianças brasileiras é o acesso à informação a à educação sexual. Isso vale tanto para as próprias crianças e adolescentes, quanto para as famílias e a população em geral. “Os sistemas que garantem os direitos das crianças e adolescentes, como postos de saúde e escolas, não são espaços onde se discute educação sexual, mas deveriam ser, porque todas as crianças do Brasil deveriam estar matriculadas em escolas e ter acesso à saúde”, cobra Ramos.