O suspeito de estuprar a menina de 10 anos, no interior do Espírito Santo, foi encontrado e preso na madrugada de ontem, em Betim, Minas Gerais, onde estava escondido na casa de parentes. Tio da vítima, o homem de 33 anos foi levado para o Espírito Santo e confessou o crime à polícia, alegando ter um “relacionamento” com a sobrinha. Ele foi indiciado pela prática dos crimes de ameaça e de estupro de vulnerável, ambos praticados de forma continuada.
“O suspeito disse que tinha um ‘relacionamento’ com a menina, mas isso não justifica porque ela é menor e não tem nenhuma capacidade de entender o que estava acontecendo”, declarou o delegado-chefe da Polícia Civil do Espírito Santo, José Darcy Arruda, em entrevista coletiva sobre o caso.
O homem tem histórico de criminalidade. Em 2010, ele foi preso por tráfico de entorpecentes e posse ilegal de arma de fogo; em 2014, não retornou ao presídio após ter direito à saída temporária, conhecida como “saidinha”. No ano de 2015, o suspeito foi capturado e preso novamente. Desde 2017, cumpria pena em regime semiaberto. “É importante que esse indivíduo fique preso e cumpra a pena completa, por essas barbaridades que cometeu contra uma criança de 10 anos, essa é nossa missão”, ressaltou o delegado.
Antes de ser preso, o suspeito de estuprar e engravidar a sobrinha de 10 anos teria acusado, também, o avô e um outro tio da criança, em vídeo. “Uma coisa eu peço: da mesma forma que vão fazer um exame meu, quero que façam o exame do avô dela e do filho do avô que moravam na casa”, diz o suspeito, na gravação. A Polícia Civil não confirmou a autoria do vídeo. “Todas as hipóteses serão investigadas. Mas, a princípio, a indicação é de que os abusos tenham sido cometidos todos por ele”, declarou o superintendente de Polícia Regional Norte da Polícia Civil do Espírito Santo, Ícaro Ruginski.
Conta encerrada
Após a confirmação da gravidez, a Justiça autorizou — conforme prevê a legislação —o aborto, mas o Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), no Espírito Santo, se negou a realizar o procedimento médico. A menina, então, precisou ser levada a Recife. Após a extremista bolsonarista Sara Giromini, Sara Winter, revelar o nome e o hospital onde a criança estava internada, o local virou alvo de protestos protagonizados por grupos religiosos.
Questões envolvendo crianças e adolescentes são sigilosas e qualquer divulgação constitui crime. Ontem, o Ministério Público abriu investigação para apurar o vazamento das informações do caso. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH) envolvimento da pasta. Antes, a Justiça havia determinado que Facebook, Twitter e Google retirassem da internet publicações que expusessem o nome da criança e do hospital onde ela fez o procedimento de aborto legal. Promotores também relatam que grupos teriam ameaçado familiares da vítima. Na madrugada de ontem, as contas de Sara Winter foram excluídas das principais redes sociais.
Por meio de nota, o Ministério da Mulher salientou que os técnicos da pasta não sabiam o nome da criança, nem o endereço da família; e que jamais tiveram contato com qualquer pessoa próxima à criança.
Estagiária sob a supervisão de Andreia Castro
Órfã de mãe e pai na cadeia
A menina de apenas 10 anos que contou sofrer abusos do tio havia quatro anos vivia em contexto de vulnerabilidade em São Mateus, no interior do Espírito Santo. Órfã de mãe e com o pai preso, a criança era cuidada pelos avós, pessoas humildes que trabalham como ambulantes. “Era nesse cenário que eram cometidas as barbaridades relatadas pela criança”, detalhou o delegado-chefe da Polícia Civil do estado, José Darcy Arruda.
A vítima chegou ao Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), ligado à Universidade de Pernambuco (UPE), em Recife, acompanhada de uma avó e de uma assistente social. Internada desde domingo, ela passou pelo procedimento de interrupção da gravidez e pela curetagem. Segundo o médico Olímpio Moraes, diretor do hospital, ela está bem de saúde e tem condições de ter alta médica. “E o melhor é que ela voltou a sorrir. Segundo a assistente social que veio com ela, foi a primeira vez que ela sorriu desde o momento que está acompanhando”.
Identidade preservada
A alta só ocorrerá, contudo, após serem montados esquemas para preservar a vítima, tanto em Pernambuco quanto no Espírito Santo. Questionada sobre como será a proteção da criança na volta para casa, a Defensoria Pública capixaba disse que o processo está em sigilo a fim de resguardar a privacidade da vítima. A advogada Caroline Mendes Pereira explica que a preservação da identidade do agressor também é cabível para evitar represálias, seja dentro ou fora do sistema penitenciário. Decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atesta que, em processos de crimes sexuais, quem deve ter o nome preservado é a vítima, e não o criminoso. “Apesar disso, em caso de repercussão nacional, é recomendado o sigilo dos atos processuais, visto o grau de parentesco entre vítima e agressor.” (FS* e MN)
No DF, ajuda a 10 meninas
Dez meninas violentadas sexualmente no Distrito Federal foram atendidas pelo Programa de Interrupção Gestacional Previsto em Lei (PIGL) em 2020. Três delas se submeteram ao procedimento para interromper a gravidez decorrente do estupro. A maioria mora em regiões do DF marcadas pela vulnerabilidade social, ou no Entorno.
Duas das adolescentes tinham menos de 14 anos à época do crime. No caso delas, a violência configura estupro de vulnerável. Entre as 10 vítimas, uma foi estuprada pelo tio, outras duas por “amigos”, e as demais não identificaram os agressores. Riacho Fundo, Itapoã, São Sebastião, Taguatinga e Águas Lindas de Goiás são algumas das cidades em que moram.
Vitória Lobo, ex-coordenadora do Conselho Nacional de Direitos da Mulher e da ONU Mulheres, ressalta a situação de risco de meninas mais pobres. “Ela é mais vulnerável porque vive em condições de menor preparo. Mas não dá para dizer que só acontece com meninas de baixa renda. O que eu acho é que quem tem condições faz isso de outra forma. Não vai para o SUS (Sistema Único de Saúde).”
A professora da UnB Tânia Montoro, estudiosa de questões que envolvem violência de gênero, entende que a falta de uma estrutura econômica pode fomentar a submissão da vítima ao agressor. “Às vezes, crianças vão morar na casa de tio, parentes ou outras pessoas porque a mãe não tem condições. E isso também conta muito.”