As polícias Federal (PF) e Civil do Amazonas tentam elucidar as causas das mortes de pelo menos quatro pessoas, cujos corpos foram encontrados ao longo da última semana no município de Nova Olinda do Norte (AM), a cerca de 130 quilômetros ao sul de Manaus.
Todas as vítimas foram mortas a tiros. As informações sobre o caso ainda são vagas, mas a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas suspeita que os quatro homicídios estão relacionados entre si e a outras três mortes decorrentes de uma operação contra o tráfico de drogas, deflagrada pelo governo estadual no início do mês. Ao menos três pessoas suspeitas de ligação com uma organização criminosa que atua na região já tinham sido presas até quarta-feira (12/8).
A Agência Brasil não obteve a confirmação da identidade de todas as sete pessoas mortas, mas segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), há, entre elas, um índio da etnia Munduruku. Josimar Moraes Lopes era morador da aldeia Laguinho, que fica na Terra Indígena Kwatá-Laranjal, e completaria 26 anos na próxima segunda-feira (17/8). Seu corpo foi encontrado em um igarapé, no último dia 7.
De acordo com a CPT, o atual conflito envolve camponeses, indígenas, traficantes de drogas, pescadores ilegais e policiais que vivem ou atuam na região dos projetos de Assentamento Agroextrativistas (PAEs) Abacaxis 1 e 2, que compreende parte do território de Nova Olinda do Norte e do município vizinho, Borba. A situação, segundo a entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), é “muito complexa” - característica comum a vários conflitos existentes na Amazônia -, e começou a ganhar novos contornos no fim do mês passado.
No dia 24 de julho, o então secretário executivo do Fundo de Promoção Social do Amazonas, Saulo Moysés Rezende Costa, pescava com um grupo de amigos no Rio Abacaxis, próximo a uma comunidade ribeirinha. Após desentendimento com lideranças locais, que exigiam que o grupo deixasse à área por não ter licença para pescar alí, Costa foi atingido por um tiro no ombro.
Em nota, a Secretaria Estadual de Segurança Pública confirma que, a partir do registro da ocorrência, deflagrou uma operação policial em Nova Olinda do Norte. De acordo com a pasta, “a vítima do disparo” relatou que as pessoas que abordaram a lancha em que o grupo de amigos pescava portava armas de fogo, facas e tochas. A Agência Brasil tentou ouvir Costa, exonerado do cargo na última terça-feira (11), mas não conseguiu contato com ele.
Segundo a Secretaria de Segurança, ao se deslocarem para a região a fim de apurar o ocorrido, investigadores identificaram indícios de tráfico de drogas, formação de milícia armada e possível existência de uma facção criminosa. As suspeitas levaram a secretaria a deflagrar uma operação policial, com o objetivo de abordar e revistar embarcações, procurar eventuais plantações de maconha e impedir o transporte de outras drogas.
Emboscada
Na noite do dia 3, após um único dia de ação nas proximidades de Nova Olinda do Norte, agentes da Companhia de Operações Especiais (COE) e do Batalhão Ambiental foram emboscados. Dois policiais militares, o terceiro-sargento Manoel Wagner Silva Souza e o cabo Márcio Carlos de Souza, acabaram mortos. Mais dois militares ficaram feridos.
Um dia após a morte dos PMs, o governador do Amazonas, Wilson Lima, prometeu rigor na apuração dos crimes e se comprometeu a fornecer toda a assistência necessária às famílias dos militares. “Destacamos uma lancha blindada para que pudesse atuar lá. Determinei ao coronel Ayrton Norte, comandante-geral da PM do Amazonas: só volte a Manaus quando tiver uma resposta efetiva do que aconteceu. Não existe resposta mais significativa do que punir essas pessoas e coibir essas atividades criminosas que acontecem há algum tempo no estado”, enfatizou Lima durante cerimônia de inauguração da Base Fluvial Arpão.
Presente ao evento, o diretor da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Leandro Almada, garantiu apoio federal às ações estaduais de combate ao crime organizado na região do Rio Abacaxis. “Conte conosco para o financiamento do efetivo durante todo o período que o senhor precisar”, disse Almada, segundo a assessoria da secretaria.
O ataque às forças de segurança fez com que o governo amazonense enviasse reforços policiais para a operação. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, durante abordagem policial, um homem identificado como Eligelson de Souza da Silva, de 20 anos, reagiu a tiros contra os policiais e acabou sendo morto. Com ele, a secretaria afirma ter sido apreendido um revólver calibre 38.
Denúncias
Dias após a ação policial, ribeirinhos e entidades como a CPT começaram a denunciar a violência policial contra moradores da região. Em nota, a CPT manifesta sua preocupação com o que classificou de atuação policial violenta. “Grupos pertencentes às forças policiais do Amazonas, cujo papel seria garantir a segurança das comunidades ameaçadas pela violência, vêm eles próprios cometendo todo tipo de violência e abusos contra as comunidades”, afirma a comissão, acusando agentes de segurança pública de “espalhar o terror” indiscriminadamente.
Na nota, a CPT afirma ter recebido várias denúncias de violações de direitos, inclusive praticadas por policiais, desde o fim de julho. “O uso indevido de forças policiais por sujeitos poderosos, econômica e politicamente, tem ocorrido reiteradamente no Amazonas. A CPT pede que os órgãos públicos estaduais e federais, comprometidos com seus deveres constitucionais, e que a sociedade civil, de modo geral, tomem este caso como prioridade, para que os crimes e abusos ali cometidos sejam exemplarmente punidos, e os agentes públicos envolvidos sejam afastados”.
Em resposta às acusações, a Secretaria de Segurança Pública afirmou que, até o momento, a morte de Eligelson Silva, que trocou tiros com policiais, é o único óbito diretamente relacionado à operação em curso. Quanto a Josimar Moraes Lopes, o índio munduruku encontrado morto, a pasta diz que a suspeita é que ele tenha sido assassinado por traficantes.
Mais três corpos ainda não identificados foram encontrados na terça-feira (11/8). A Agência Brasil solicitou detalhes da ocorrência à Superintendência da PF no Amazonas, mas não recebeu resposta até o momento. A presença da PF na região foi solicitada pelo Ministério Público Federal (MPF) que, no último dia 5, recorreu à Justiça para tentar garantir que policiais federais investiguem “as circunstâncias, motivações e potenciais abusos e ilegalidades em operação deflagrada pela Secretaria de Segurança Pública na região do Rio Abacaxis”.
A exemplo da CPT, o MPF afirma ter recebido relatos de diversos atos de abuso e de violação de direitos por parte da Polícia Militar contra ribeirinhos. “Entre os relatos estão a ocorrência de invasão de residências, sem qualquer autorização ou mandado judicial; apreensão de telefones celulares usados para registrar os abusos, o uso desproporcional de armas de fogo para intimidar os moradores, inclusive idosos e crianças, e a restrição de circulação no Rio Abacaxis, impossibilitando o envio de alimentos e mantimentos, bem como o socorro aos feridos pelas ações da Polícia Militar”.
Plantações
A Secretaria de Segurança Pública informou que o corregedor-geral do Sistema de Segurança, delegado George Gomes, viajou para Nova Olinda do Norte a fim de acompanhar a operação e que, até o momento, nenhuma denúncia formal de supostos abusos por parte de agentes de segurança foi registrada. A pasta sustenta que a ação ostensiva ocorre em conformidade com a lei, e garante que denúncias sobre eventuais condutas inadequadas serão apuradas, sendo necessário que as vítimas ou terceiros denunciem o fato à Corregedoria formalmente. Ainda de acordo com a secretaria, não há qualquer restrição de circulação para os moradores da região.
Até a última segunda-feira (11/8), policiais militares e civis já tinham encontrado, com o apoio de agentes federais, quatro grandes plantações de maconha em diferentes pontos de Nova Olinda do Norte. De acordo com a secretaria estadual, todo o produto encontrado será incinerado.
Controle fluvial
Inaugurada no dia 4, a Base Fluvial Arpão integra as ações do Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (Programa Vigia) e, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, dará suporte a operações policiais de combate ao narcotráfico no Rio Solimões, entre os municípios de Tefé e Coari – na Região do Baixo Solimões, a cerca de 363 quilômetros de Manaus.
O ministério investiu cerca de R$ 17 milhões para adquirir e equipar a embarcação. E garante que a área de atuação da Base Arpão é apenas o primeiro de quatro pontos de controle a serem implementados nas calhas dos rios Negro e Solimões – considerada uma das principais rotas de escoamento de drogas produzidas em países vizinhos.
A base comporta cerca de 60 agentes de segurança pública. A proposta é reunir efetivos da Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar, Polícia Federal e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), além de médicos, dentistas e enfermeiros.