A magistrada Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Curitiba (TJ-PR), afirmou em uma sentença que um réu é "seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça”. O homem, Natan Vieira da Paz, de 42 anos, é negro.
Na fundamentação da sentença, a juíza cita a raça de Natan em três momentos, quando fala em “conduta social”. Ela afirma que nada se sabe sobre a conduta, mas em seguida fala na raça do homem, em comportamentos e amplia a pena dele em 16 meses apenas usando como base tal “conduta social”: foram sete meses a mais ampliados na pena de organização criminosa e nove meses do crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas.
"Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente"
Magistrada Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Curitiba
O caso é um processo envolvendo nove réus, no qual Natan foi denunciado pela prática de furto, roubo e organização criminosa. A investigação apontou envolvimento do homem e outras pessoas em roubos e furtos em praças públicas de Curitiba. Na sentença, cita-se que Natan é conhecido como "Neguinho".
Em depoimento, um policial civil disse que "o grupo tentava parecer e se identificar como pessoas com aparência comum da população". O policial cita que um integrante era um "senhorzinho" de bigode; outro usava óculos "e parecia mais intelectual, tentando parecer um professor". "Fugindo desse padrão, estava Natan, que era magro e negro, e de fácil identificação, e por isso acredita que ele possuía o encargo de despistar, estando sempre na cobertura", afirma o policial.
A sentença é de junho, mas ganhou repercussão após a advogada de Natan, Thayse Pozzobon, denunciar o caso nas redes sociais.“Associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira”, pontuou a defensora.
Para ela, "um julgamento que parte dessa ótica está maculado". "Fere não apenas meu cliente, como toda a sociedade brasileira. O poder Judiciário tem o dever de não somente aplicar a lei, mas também, através de seus julgados, reduzir as desigualdades sociais e raciais. Ou seja, atenuar as injustiças, mas jamais produzi-las como fez a magistrada ao associar a cor da pele ao tipo penal", escreveu Thayse.
Ao Correio, a advogada disse que já acionou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a corregedoria do TJ-PR. “Achei isso o cúmulo. O processo discute crimes patrimoniais, e isso não cabe interpretação de raça. Por isso a minha indignação”, afirmou. De acordo com ela, dentre os réus, Natan é o de pele mais escura. A questão da raça foi citada somente na sentença do homem.
Natan foi condenado a 14 anos e dois meses de reclusão, mas poderá recorrer em liberdade. O TJ-PR informou em nota que a Corregedoria-Geral do Tribunal "instaurou procedimento administrativo para apurar fatos noticiados pela imprensa relativos à sentença proferida pela juíza Inês Marchalek Zarpelon."
Contexto
Em nota publicada no site da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), a juíza Inês Marchalek Zarpelon afirmou que "em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor". Segundo ela, o trecho foi retirado de contexto. Ela não explicou, no entanto, o que quis dizer ao falar sobre a raça de Natan, citada em três momentos diferentes na sentença dele.