Um esquema montado com funcionários públicos da prefeitura para fazer plantão na porta dos hospitais municipais do Rio de Janeiro, foi relevado, nesta segunda-feira (31/8), pelo telejornal RJTV, Rede Globo. O intuito é atrapalhar o trabalho da imprensa e impedir que a população fale e denuncie problemas na área da Saúde pública do estado. A organização, segundo o telejornal, tem escalas diárias, horários rígidos e ameaças de demissão.
Os funcionários se organizam por meio de grupos no WhatsApp, um deles intitulado "Guardiões do Crivella”. Eles são distribuídos — em duplas ou sozinhos — por unidades de saúde municipais para fazerem uma espécie de plantão. Após serem escalados, segundo a reportagem, eles enviam selfies para comprovar que chegaram às unidades. Um dos funcionários do grupo aparece em várias fotos ao lado do prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), e tem salário de mais de R$ 10 mil.
Após bater essa espécie de “ponto”, os funcionários públicos monitoram e relatam tudo o que acontece na porta das unidades de saúde. Principalmente a chegada dos jornalistas.
Entre os participantes de um dos grupos, um número chama a atenção. O telefone aparece registrado como sendo do próprio prefeito. A TV Globo apurou que o prefeito já usou esse número. A equipe de reportagem ligou, mas ninguém atendeu.
"O prefeito, ele acompanha no grupo os relatórios e tem vezes que ele escreve lá: 'Parabéns! Isso aí!'", contou um dos participantes dos grupos.
A prefeitura não nega a criação dos grupos e diz que faz isso para "melhor informar a população" justificando que, como, por exemplo, quando uma parte da imprensa veiculou que um hospital (no caso, o Albert Schweitzer) estava fechado, mas a unidade estava aberta para atendimento a quem precisava. A Prefeitura do Rio destaca que uma falsa informação pode levar pessoas necessitadas a não buscarem o tratamento onde ele é oferecido, causando riscos à saúde".
As 'invasões'
Em uma entrevista ao vivo para o Bom Dia Rio em 20 de agosto, no Hospital Rocha Faria, uma senhora cobrava a transferência para a mãe que tem câncer, mas não conseguiu terminar a conversa com a repórter porque dois homens começaram as agressões verbais e gritos de "Bolsonaro".
A repórter precisou, então, encerrar a reportagem e as agressões dos dois homens geraram uma confusão. Esse não foi um caso isolado, uma série de interrupções à imprensa já ocorrem no local. Os ataques, contudo, não acontecem por acaso. Ao contrário: são organizados e pelo poder público.
Pagos para atacar
Os agressores são contratados da prefeitura do Rio de Janeiro. Eles recebem salários pagos pelo contribuinte para vigiar a porta de hospitais e clínicas, para constranger e ameaçar jornalistas e cidadãos que denunciam os problemas na saúde da capital fluminense.
Nesta segunda-feira (31/8), o repórter Paulo Renato Soares, da RJTV, fazia uma entrevista na porta do Hospital Salgado Filho, no Méier. Assim que a entrevista começou, o entrevistado foi interrompido. Veja o diálogo que foi ao ar:
Funcionário da prefeitura: "Fala isso não, meu querido".
Entrevistado: "Oi?"
Funcionário da prefeitura: "Fala isso não, cumpadre".
Entrevistado: "Como, perdi um dedo, não posso falar?"
Funcionário da prefeitura: "Fala isso não, meu irmão".
Entrevistado: "Não tô falando do hospital, não. Estou falando de Rocha Miranda".
Funcionário da prefeitura: "Você foi bem atendido, não foi?"
Repórter: “Ele [o entrevistado] não pode falar da saúde?"
Funcionário da prefeitura: "Não".
Repórter: "O senhor pode deixar ele falar da saúde?"
Funcionário da prefeitura: "Está tudo indo bem, meu querido"
O repórter, então, começa a confrontar o funcionário:
Repórter: "O senhor é o senhor José Robério Vicente".
Funcionário da prefeitura: "O hospital está tudo certinho, meu querido. O prefeito está trabalhando correto e bem."
Repórter: "Quem está trabalhando bem?"
Funcionário da prefeitura: "Com certeza, o prefeito está trabalhando bem. Na saúde. Que negócio é esse, rapaz?"
José Robério Vicente Adeliano foi admitido na prefeitura em novembro de 2018, em “cargo especial”. O salário bruto é de R$ 3.229.
'Missão' antiga, intensificada na pandemia
O homem, entrevistado pela TV Globo, conta ainda que a tática foi adotada no fim do ano passado e aumentou durante a pandemia. “Nós temos essa missão lá já há mais de 8 meses. Antes, já estava funcionando, mas quando entrou a Covid em março, ficou todos os dias. Existe plantão nas unidades para poder cercear a imprensa”, relatou.
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.