Juíza que citou 'razão da sua raça' diz que trecho foi tirado de contexto

Magistrada Inês Marchalek Zarpelon afirma que não houve intenção de discriminar homem na sentença

Sarah Teófilo
postado em 12/08/2020 13:55
 (crédito: Reprodução)
(crédito: Reprodução)

A juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Curitiba (TJ-PR), que afirmou em uma sentença que um réu negro era "seguramente integrante do grupo criminoso em razão da sua raça”, disse que "em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor".

"O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social. A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades. Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender", escreveu em nota publicada no site da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar).

Na fundamentação da sentença de Natan Vieira da Paz, um homem negro de 42 anos, Inês afirmou: "Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente.”

Segundo a magistrada, a frase tem causado dubiedade. O caso é um processo envolvendo nove réus, no qual Natan foi denunciado pela prática de furto, roubo e organização criminosa. A juíza afirmou que o grupo atuava em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos, e que todos foram condenados, "independentemente de cor", mas sim "em razão da prova existente nos autos".

"Em nenhum momento a cor foi utilizada — e nem poderia — como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas. A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas", garantiu.

Inês não explicou, no entanto, o que quis dizer ao falar sobre a raça de Natan, citada em três momentos diferentes na sentença dele. "Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais. O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo. Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém", escreveu a juíza.

Sentença é de junho

A referida sentença é de junho, mas ganhou repercussão após a advogada de Natan, Thayse Pozzobon, denunciar o caso nas redes sociais. Natan foi condenado a 14 anos e dois meses de reclusão, mas poderá recorrer em liberdade. “Associar a questão racial à participação em organização criminosa revela não apenas o olhar parcial de quem, pela escolha da carreira, tem por dever a imparcialidade, mas também o racismo ainda latente na sociedade brasileira”, pontuou a defensora.

Para ela, "um julgamento que parte dessa ótica está maculado". Ao Correio, a advogada disse que já acionou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a corregedoria do TJ-PR. O TJ informou em nota que a Corregedoria-Geral do Tribunal "instaurou procedimento administrativo para apurar fatos noticiados pela imprensa relativos à sentença proferida pela juíza Inês Marchalek Zarpelon".

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