Entre as medidas com potencial de reduzir em quase 40% as ocorrências de acidentes envolvendo animais na pista estão corredores ecológicos, passagens de fauna e sinalização adequada. Dentro dos processos de licenciamento são definidas algumas providências, nem sempre cumpridas e alvo de ações judiciais. Porém, os exemplos positivos, embora minoria, existem e algumas concessionárias de rodovias brasileiras vão muito além do que é exigido por lei.
Na Concessionária Auto Raposo Tavares (Cart), que tem 444km de corredor principal no estado de São Paulo, várias ações são desenvolvidas e muitas já deram resultados significativos, explica a coordenadora de meio ambiente da empresa, Thaís Pagotto. Na região, vivem espécies como jaguatirica, onça-parda, mão-pelada, cervo-do-pantanal, capivara e anta. “Nós fizemos 150 pontos de travessia e 93km têm telamento que conduz os animais a passarem pelas passagens subterrâneas. Isso tem sido um sucesso. Entre 2018 e 2019, as medidas trouxeram redução de 38% nas ocorrência com animais silvestres. Especificamente no município de Caiuá, a queda foi de 54%”, conta.
Em 2019, foi possível observar 10.539 registros de animais silvestres utilizando as passagens. Durante a pandemia do novo coronavírus, lembra Thaís, por conta da redução do número de veículos, os animais estão mais à vontade para se deslocar. “Dados da concessionária mostram que a presença de animais nas passagens de fauna também aumentou. Na região de Presidente Prudente, nos meses de janeiro até a primeira quinzena de abril deste ano, foram registradas 4.118 passagens, o que representa 30% de aumento em relação ao mesmo período do ano anterior”, ressalta.
Monitoramento
As ações incluem monitoramento constante e conscientização dos motoristas e das comunidades com foco na prevenção de acidentes. “Monitorar permite ações pontuais. Recentemente, instalamos cerquetes em uma área onde havia incidência de travessia de capivaras.” Além disso, a concessionária incentiva a pesquisa científica, ao instalar, em parceria com o Zoológico Municipal de Bauru, a primeira câmara fria do país para o armazenamento de material biológico de animais mortos. “Quando o animal é ferido, levamos para centros especializados. Quando, infelizmente, ocorre o óbito, a câmara fria permite estudos, evitando capturas”, diz Thaís.
O local serve de banco para a pesquisa de exemplares da fauna silvestre, para análises genéticas mais detalhadas e estudos sobre hábitos alimentare sem interferência no ambiente natural, sem interferência no ambiente natural.
A Rodovia do Sol (RodoSOL), concessionária da ES-060, no trecho entre Vitória e Guarapari, no Espírito Santo, também adotou medidas além das obrigatórias por lei. A estrada é considerada ecológica por ter sido concebida e projetada de forma a causar o menor impacto possível ao meio ambiente. “A preocupação com a preservação da natureza, da vida animal é, ao mesmo tempo, a prevenção de acidentes gerados pela eventual presença de animais na pista”, diz o diretor-presidente da concessionária, Geraldo Dadalto.
A rodovia tem sete sistemas de passagens de fauna ao longo dos 67km de extensão. “Essas estruturas agem como uma eficiente medida mitigatória, que visa reduzir o atropelamento de fauna e garantir a segurança dos motoristas. Nas entradas, em pontos estratégicos, próximos às áreas de mata, habitat natural de diversas espécies, a empresa instalou caixas de pegadas que registram travessia do animal pelo local”, explica a bióloga Franciane Almeida, que atua no programa ambiental da empresa.
Vidas salvas
Os faunodutos têm dimensões distintas e são acompanhados de estruturas complementares como telas de direcionamento que “induzem” o animal a utilizar o túnel como um caminho seguro para atravessar a rodovia. As passagens são vistoriadas periodicamente a fim de registrar as travessias e, também, gerar dados para os relatórios anuais. De novembro de 2003 a dezembro 2019, foram registradas 13.215 travessias de animais silvestres.
Entre as espécies que mais circulam pela Rodovia do Sol e utilizam os faunodutos estão os guaxinim mão-pelada, com 2.814 travessias, iraras (fuinha), com 1.896 registros, gambás (1.637), lagartos teiú (1.444) e cachorros-do-mato (879). Além desses, mais comuns, não são raras as presenças de animais como paca, capivara, tatu, cuícas, tamanduá-mirim e lontras.
“É fundamental dirigir com atenção, respeitando os limites de velocidade. Também é importante não alimentar animais silvestres como forma de evitar o desequilíbrio ecológico e levá-los a buscar alimentação fora do seu habitat, gerando risco para a própria sobrevivência do bicho”, diz Franciane. Além dos faunodutos, o programa incluiu a criação de passagem aérea para os animais terem mais uma opção de travessia.
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Campeão mundial em atropelamento de animais
O Brasil é o campeão mundial em atropelamento, diz o deputado Ricardo Izar (PP-SP), autor do Projeto de Lei nº 466/2015, que cria políticas mitigatórias para acidentes da fauna em rodovias. “O número é assustador, parece exagero. Por isso, precisamos de uma lei específica”, explica. Porém, segundo o parlamentar, houve um erro básico na estratégia de aprovação do PL. “Pedimos urgência, daí ele deixou de ser terminativo nas comissões e ficou terminativo no plenário. Não imaginava que passaria tão rapidamente pelas comissões. Foi aprovado por unanimidade em todas”, ressalta.
A pandemia, no entanto, colocou o 466/2015 no compasso de espera. “Infelizmente, porque com a pandemia também estão aumentando os atropelamentos. Os animais estão saindo mais da toca”, comenta. Além de criar políticas mitigatórias, o PL propõe o desenvolvimento de um sistema integrado e informatizado de coleta de informações. “Precisamos saber quais são os pontos críticos de atropelamento para saber quais são as políticas mais efetivas: placas, passagens de fauna, sonorizadores, lombadas”, enumera.
“A gente quer, no projeto, que a compensação ambiental das concessionárias possa ser usada dessa forma.” Para o deputado, por conta da pandemia e da estratégia errada na tramitação, o PL só deve ser votado no ano que vem. “O requerimento de urgência já foi aprovado, só falta o mérito. Mas, o PL é consenso na Casa inteira, acrescenta.”
Programas do governo
Responsável pelas rodovias do país, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) desenvolve programas para evitar acidentes com animais nas estradas em todo país em empreendimentos que ainda estão em fase de obras, conforme determinam as respectivas Licenças de Instalação (LI). Atualmente, são cerca de 20 empreendimentos monitorados, que, em extensão, somam quase 6 mil km de rodovias.
No levantamento atual, o órgão informou que cerca de 200 pessoas estão mobilizadas nesse tipo de ação. “Se considerarmos os investimentos realizados com monitoramento de fauna, no período de 2010 a julho de 2020, temos um montante investido na preservação da fauna no entorno das rodovias federais de aproximadamente R$ 70 milhões”, explica o DNIT. “Esses números são aproximados, pois existem empreendimentos que são monitorados por meio de termos de cooperação com universidades federais”, ressalta.
Segundo o órgão, existem investimentos realizados na fase de estudos para a obtenção das licenças de instalação dos empreendimentos. “Desde a fase de licença prévia, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) solicita a realização de estudos para a caracterização da fauna, bem como no caso de empreendimentos de duplicação, costumam ser solicitadas campanhas de monitoramento de atropelamento de fauna”.
Uma área específica do departamento tem cuidado do assunto. A Coordenação-Geral de Meio Ambiente é responsável por desenvolver, implantar e coordenar o sistema de gestão ambiental rodoviário, ferroviário e aquaviário do Plano Nacional de Viação de Transportes. “Dessa forma, a autarquia segue os procedimentos exigidos pela legislação ambiental e busca o desenvolvimento nacional, conciliando a infraestrutura logística com a responsabilidade socioambiental”, informa.
Durante a elaboração dos projetos de infraestrutura, são realizados levantamentos e monitoramentos para identificar quantos e quais animais vivem nas regiões onde os empreendimentos serão implantados. “Equipes de biólogos e veterinários acompanham as frentes de obra para afastar os animais silvestres do local, remover os que podem não ter se retirado e resgatar os eventualmente feridos para tratamento e correta destinação. Para reduzir os atropelamentos de animais, o DNIT identifica os pontos críticos e instala sinalização, redutores de velocidade e passagens de fauna, que, além de prevenir a morte direta dos animais, colaboram para manutenção da conectividade dos habitats.”
Imprudência gera perdas em dobro
Todos os meses, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) registra casos de pessoas feridas ou que foram a óbito após se envolverem em acidentes envolvendo animais nas rodovias do país. Dados levantados pela corporação, a pedido do Correio, revelam que, no ano passado, 94 pessoas morreram em ocorrências dessa natureza no país. O número de feridos também impressiona. De acordo com o levantamento, 1.269 pessoas precisaram de atendimento médico ou foram hospitalizadas nos 12 meses de 2019, após se envolverem em atropelamentos próximos das áreas de vegetação.
Neste ano, o número de casos apresentou leve baixa no primeiro semestre, em razão da redução de circulação por conta do isolamento social. No entanto, o número de registros continua elevado. Nos primeiros sete meses de 2020, foram registrados 684 acidentes envolvendo animais, que resultaram em 41 mortes e 687 pessoas feridas. No mesmo período do ano passado, foram 59 óbitos e 723 feridos. A maioria dos casos ocorre por conta do excesso de velocidade, falta de atenção à sinalização, que indica quando existe o risco da presença de animais na pista, ou até mesmo pela ausência de indicativos de que se trata de uma área com grande circulação da vida selvagem.
Perigos
Atualmente, no Brasil, apenas 12% das estradas estão pavimentadas, o que representa outro perigo. Nestes locais, os animais circulam com maior facilidade na via, que, muitas vezes, fica próxima das matas e permite acesso fácil. A ausência de iluminação nas estradas também é outro fator de risco. Nestes casos, a luz do veículo ofusca ainda mais a visão do animal, que, desorientado, encontra-se mais vulnerável para acidentes. A instalação de passagens subterrâneas e aéreas de fauna é a solução encontrada por muitos países que priorizam a preservação do meio ambiente. No Brasil, iniciativas do tipo ainda são modestas.
No Distrito Federal, a Estação Ecológica de Águas Emendadas recebeu dois corredores, com passagem de fauna na altura da BR-020. No mesmo dia em que os túneis foram instalados, já foi registrada a passagem de animais, como veados campestres. Para que não ocorra problemas, uma tela de proteção é instalada nas imediações, fazendo com que os animais se direcionem às regiões de travessia mais segura. No entanto, as telas têm sido alvo de vandalismo e de ações criminosas. (RS e SK)