Jornal Correio Braziliense

Turismo

Visita aos que se foram

Conhecer cemitérios como roteiro de passeios atrai pela história, monumentos, esculturas e obras arquitetônicas erguidas em homenagem a pessoas que deixaram exemplos de vida

;Deixemos de coisa, cuidemos da vida
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço sem ter visto a vida...;


(Belchior, em Hora do almoço)


Amor, admiração e saudade são guardados com carinho em meio ao silêncio, à natureza , sob a proteção de anjos e santos. O cenário nem sempre é o mesmo, mas a sensação ao visitar cemitérios quase sempre é de respeito. Muitos consideram mórbido, até assustador, mas um novo olhar revela as belezas guardadas em jazigos, túmulos, trabalhos arquitetônicos criados para atravessar a história. Conhecer os locais onde foram sepultadas figuras públicas, históricas, tem se tornado frequente. Alguns cemitérios pelo mundo fazem parte de destinos turísticos.

De acordo com o Ministério do Turismo (MTur), no Brasil, cemitérios como o da Consolação, em São Paulo, e São João Batista, no Rio de Janeiro, têm serviço de guias para orientar visitas pelas ruas e quadras e identificar túmulos. Estudantes, curiosos e turistas foram os grupos mais interessados. Pelo mundo, alguns ganham destaque, como o Cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, na Argentina, e P;re Lachaise, em Paris, na França.

Além de apreciar as esculturas e jazigos construídos em diversos formatos, é possível aprender um pouco da história de personagens que foram importantes para a história, as artes e outros aspectos das sociedades. Para a especialista em Segmentação de Turismo e professora do Departamento de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (UnB) Mara Flora, o que determina esse tipo de visita é a motivação do público que vê relevância em determinado assunto. ;É um turismo que pode agradar a até três públicos, quem estuda arte e arquitetura, pessoas que se interessam pelas histórias dos países ou até mesmo aqueles que vão ao local para prestar homenagem ao ídolo que já faleceu;, complementa.

A especialista explica que há um engano ao falar dessa prática de turismo e que deve haver uma atenção à denominação que se dá à ação. ;Não devemos ficar renomeando ou dando nomes específicos como turismo cemiterial, necroturismo ou qualquer outro tipo;, alerta. ;É apenas uma visita como qualquer outra e que está no âmbito cultural do turismo;, esclarece.


Aberto em 1852, pelo então imperador D. Pedro II, o cemitério São João batista, no RJ, recebe visitantes interessados em conhecer os jazigos de brasileiros ilustres como o inventor do avião Santos Dumont, os cantores Carmen Miranda, Cazuza, Tom Jobim, o escritor Machado de Assis e o ex-presidente da República Floriano Peixoto. Ele é aberto aos turistas na última sexta-feira do mês. De acordo com o MTur, é oferecido um sistema de QR Code, em que as pessoas podem aprender mais sobre a vida dos famosos sepultados ali por meio de obras, fotos, vídeos, textos biográficos e outras curiosidades.

;Eu sempre me interessei por essas visitas e costumo colocá-las nos meus roteiros de viagem. Não se trata de nenhum interesse mórbido, apenas cultural e turístico;, diz Tatiana Rocha, administradora do site A nômade, que ressalta ao valor histórico dos locais. ;Quando tem uma história interessante, arquitetura rica e personalidades enterradas ali, acho superbacana visitar;, ressalta. Ela visitou o Palácio dos Inválidos, onde estão os restos mortais de Napoleão Bonaparte, imperador e líder político e militar francês e recomenda a experiência. ;Acho muito bacana comparar quem ele foi e a grandeza que ele buscava na vida, o poder, o reconhecimento, o império. Foi uma pessoa importante para a história. O corpo e a energia dele estão ali, pertinho de você, e o túmulo reflete exatamente isso, uma grandeza e imponência surreal;, descreve.

Em Nova York, a estudante de relações internacionais Renata Lima, 21 anos, descobriu a pequena necrópole da St. Paul;s Chapel (Capela de São Paulo), conhecida como ;a pequena igreja que permaneceu de pé; por ter resistido ao grande incêndio ocorrido na cidade em 1776 e ao ataque às Torres Gêmeas em 2001, que ficavam bem à frente do terreno da igreja, que na ocasião serviu de abrigo para as vítimas e os profissionais que ajudaram no socorro às vítimas. ;Gosto das esculturas, lápides antigas e é interessante pensar como cada um viveu sua vida antes de chegar até aqui;, disse.

Aproveitar a tranquilidade de campos santos para refletir sobre a vida a partir dos exemplos deixados por pessoas comuns e figuras de destaque das sociedades pode enriquecer um roteiro turístico. Um tipo diferente de riqueza é escondida em mausoléus e sepulturas, capazes de fazer o visitante ficar horas observando. Conheça alguns desses locais.