Jornal Correio Braziliense

Turismo

Berço hipster, por detrás das paredes vermelhas da antiga Red October

Galerias, produtores, designers, exposições, restaurantes, bares, enfim, alguns dos novos segredos de Moscou


Em aço, bronze e cobre, encravada ao encontro do Rio Moscou com o Canal Vodootvodny, na Ilha Bolotny, a versão monumental de Pedro, o Grande ; fundador do Império Russo (1721), cujo reinado iniciado em 1682 se estendeu até 1721 ; ergue-se a quase 100 metros. Moscovitas e turistas travam uma polêmica batalha de avaliação estética sobre o monumento projetado por Zurab Tsereteli e inaugurado em 1997 em homenagem aos três séculos da Marinha Russa. Se belo ou pavoroso, desapercebido não passará jamais. Esse gigante de mil toneladas é dedicado ao homem que transformou o velho reino numa potência marítima, e, ao transferir em 1713 a capital russa de Moscou para São Petersburgo, abriu ao país, que abatera os suecos na Grande Guerra do Norte (1700-1721), o Mar Báltico e o Ocidente.

Dependurada sobre o Rio Moscou, é da sacada do Restaurante & Clube Reka, último andar da antiga fábrica de chocolate Red October, que Pedro o Grande desponta com impressionante vigor. Dali, não apenas as cores vibrantes do pôr de sol moscovita são mais intensas, como a inovação cultural se confronta com a tradição da fé que invade a Rússia. Red October se transformou nas últimas décadas num centro de arte e diversão, propulsor de um pujante berço hipster. Por detrás das paredes vermelhas, indecifráveis fachadas, estão galerias, produtores, designers, exposições, restaurantes, bares ; enfim, alguns dos novos segredos de Moscou.

É de uma das varandas dessa antiga fábrica, que conserva a referência revolucionária que a rebatizou, onde Moscou do presente, do passado e do futuro dialogam. À direita, rio acima, o olhar sobre a sua fundação se imprime nas muralhas do Kremlin. À frente, na margem oposta, anunciam-se as cúpulas douradas da reconstruída Catedral de Cristo Salvador, no melhor estilo da arquitetura ortodoxa russa e da ressurreição do sagrado, que fundou o Estado russo, foi abolido pela Grande Revolução Socialista de 1917 e renasceu das cinzas em mil e um domos. À esquerda, a Nova Tretyakovka, que guarda a mais completa e diversa coleção de artes do país do século 20, com exposições de vanguardistas como Malevich, Kandinsk, Chagall e não conformistas dos anos 60 e 70, que rechaçavam qualquer imposição de estilos.


Na mesma direção, às margens do Rio Moscou, o Gorky Park ; homenagem a Maxim Gorky (1868-1936) ;, mistura suntuosas edificações do século 18 e início do 19 ; duas delas obras do arquiteto Mikhail Kazakov, autor do Palácio do Senado, no Kremlin ; com florestas, jardins, teatros, enfim, velhas e novas diversões. É nesse parque, que celebra a memória de uma obra em busca da transfiguração do mundo marcado por injustiças, onde Moscou também persegue o seu futuro. Nas palavras de Gorky: ;A felicidade sempre parece pequena quando a temos, mas, deixe-a partir e aprenderá o seu valor;.

Red October é a revolução em movimento. Em 1917, nas palavras de John Reed, o marco dos ;dez dias que abalaram o mundo;. Foi um tempo em que soldados, marinheiros, anarquistas, socialistas revolucionários e os bolcheviques decidiram que era chegada a hora da ruptura. Entre 25 e 26 de outubro do calendário juliano, tomaram a chamada Petrogrado ; São Petersburgo ; e anunciaram uma nova estrutura de poder, que impactou mundo a fora todos os estados modernos. Para não perder os dedos, a ideia do bem-estar social prosperou na Europa. Mas a velha fábrica vermelha de chocolates também celebra novos dias, novas revoluções, em que a liberdade política pede passagem, com mais justiça social, um desafio que ainda abala o mundo.