Em um mundo hiperconectado, o café caminha em sentido contrário. Pede calma. Do pé à xícara, processos cada vez mais artesanais e sustentáveis podem consumir semanas ou meses de dedicação de fazendeiros e trabalhadores do campo. Maior produtor mundial do grão, o Brasil passa a compreender essas nuances delicadas do produto e a vê-lo para além da commodity agrícola. Essa noção chegou com pungente força ao setor turístico. Tem sido frequente a procura de visitantes por regiões cafeeiras, antes restritas a compradores ou empresários do segmento.
[SAIBAMAIS]Carmo de Minas, ao sul do estado de Minas Gerais, tem como principal atração as fontes de água mineral. A cidade está situada no coração do Circuito das Águas, famoso mundialmente. Com reconhecidas propriedades terapêuticas, os tratamentos oferecidos e um imponente SPA da Nestlé ganharam concorrência desde 2010, ano em que foi criada a Rota do Café Especial. O roteiro passeia por lavouras da região e para em mirantes com horizontes a perder de vista. É como se as nuvens deitassem sobre a plantação. Ano a ano, o movimento aumenta 50%, em uma demonstração clara de que os apaixonados por café não se satisfazem em tomar uma boa xícara fumegante.
Fazendas de porteiras abertas
A Rota do Café Especial tem, entre os idealizadores, Adalberto Andrade Júnior, do Grupo Sertão, no qual estão inclusas quatro fazendas. Em 2005, os mineiros conseguiram a maior pontuação da história no concurso mundial Cup of Excellence, que atesta os melhores cafés do planeta. O investimento no turismo cafeeiro foi um passo natural após este importante reconhecimento. ;Antes, tínhamos que viajar o mundo para vender nosso café. Hoje, o mundo vem até nós para comprar. É essa história que contava as empresas, e há sete anos conto também para o público;, explica Júnior.
A sede da fazenda Sertão foi transformada em um museu particular com peças, fotos e recortes de revistas que contam a história da família que a comanda há quatro gerações. Os grupos são montados de acordo com a demanda. A visita com duração de três horas custa a partir de R$ 100. O valor engloba hospedagem e alimentação. Com um dia inteiro de programação, o passeio Amantes do café especial sai a R$ 250. Os grupos partem da Unique Café Store, cafeteria em São Lourenço, o segundo maior polo hoteleiro de Minas Gerais, atrás apenas de Belo Horizonte.
"Na fazenda vê-se os mirantes, como a nossa casa na árvore, a 1,2m de altitude, e a lavoura. A beleza da rota está exatamente nisso: é uma fazenda em plena atividade. Se alguém fizer o passeio cinco vezes ao ano, a paisagem nunca se repete", promete Adalberto.
Novos negócios do café
Um dos mais importantes produtores da região, Francisco Isidro Dias Pereira acrescenta: com terreno que equivale a 600 campos de futebol do tamanho do Maracanã, no Rio de Janeiro, as fazendas do Grupo Sertão estão entre as maiores do Sul de Minas. No entanto, não é o único espaço dedicado ao café que pode ser desvendado na promissora área cafeeira, menina dos olhos do Brasil quando os quesitos são a qualidade e dulçor. O passeio pode se estender a outras propriedades, como as fazendas Serrado e IP, na mesma região. Basta fazer agendamento prévio.
A fazenda Serrado é comandada por Zé Antônio Pereira. O produtor tem relação afetiva com o local. Aprendeu a cuidar dele desde a infância. Vive em busca de melhorias na área de 59 hectares (34 deles de café plantado) onde são cultivadas cinco variedades de café arábica, dentre as quais o adocicado bourbon amarelo. Aos 52 anos, seu Zé, como prefere ser chamado, tem prazer em receber. Mineiro, deixa a desconfiança de lado e é aberto a esclarecer toda e qualquer dúvida sobre o produto. "É gratificante ver nosso trabalho reconhecido", conta. A esposa, Valéria Pereira, é braço-direito nas questões administrativas e o acompanha nas andanças pelo cafezal.
Quem entra nas lavouras observa características como as folhas verdes, escuras e brilhantes dos pés de café. Vê também frutos vermelhos ou em tom amarelo, intensos, tão doces que podem ser comidos crus.
"Carmo de Minas fica em cima da ;caixa d;água do Brasil;. É uma região montanhosa com muita água e muitas nascentes. Isso traz desafios para a cafeicultura. É uma das regiões mais difíceis para a produção de café. Mesmo em um território tão específico, os cafés que vêm daqui tem uma qualidade que se destaca muito", avalia Claudia Leite, embaixadora da Nespresso. A empresa suíça fabrica café em cápsula com produtos de Carmo de Minas e de outras 2 mil fazendas brasileiras. É uma das gigantes mundiais que se renderam aos aromas e peculiaridades do grão beneficiado pelo terroir e pela altitude da região.
Para o alto e avante
Cercada de água e de Mata Atlântica, as fazendas de Carmo de Minas permitem a apreciação por outro ponto de vista: de cima. A Federação de Balonismo de Minas Gerais realiza voos saindo de São Lourenço, cobrando cerca de R$ 550 por pessoa.
Por quase uma hora, a estonteante vista para a Serra da Mantiqueira dá a sensação de que os ponteiros do relógio param por alguns instantes. O instrutor Flamarion Barreto explica que o tempo nos ares varia, pode ir de meia hora a duas horas porque o balão depende dos ventos para ter a rota traçada. "Costumo brincar que usamos o sistema SDS, ou só Deus sabe", diz, aos risos.
; Fique ligado
Como chegar
; De carro: de Brasília, a viagem leva cerca de 12 horas. São aproximadamente 967,5 km via BR-040 e BR-354.
; De avião: de São Paulo, via Rodovia Dutra ou Ayrton Senna, são 300km de estrada, ou cinco horas de viagem.
Onde comer
; Um dos mais elogiados restaurantes da região, o Empório Casarão (Av. Comendador Costa, 717; 3321-2503) funciona todos os dias, das 11h às 15h, com comida típica feita no fogão à lenha. Prepare-se para comer costelinha suína e purê de batata-baroa inesquecíveis. O self-service custa R$ 37,90/kg, em dias úteis, ou R$ 41,90/kg, aos fins de semana.
Onde ir
Rota do Café Especial
; Reservas na Unique Café Store, em São Lourenço (MG) ou pelos telefones (35) 3331-1086 ou (35) 98417-5735.
Balonismo São Lourenço
; Informações pelos telefones (35) 99187-1609 ou
(35) 99851-5857.
; As etapas da produção do café
O café não é como uma fruta qualquer que, depois de colhida, é consumida de imediato. Antes de chegar à xícara, o grão passa por algumas etapas. Conheça :
Plantar
Entre uma muda e outra, é preciso respeitar um espaçamento para que o maquinário possa colher os frutos sem machucar a árvore. A ;boca; do café fica no chão. É de baixo para cima, de dentro para fora, que a planta é nutrida. Por isso, é importante que ela receba uma boa carga de materiais orgânicos. Levam-se em média dois anos e meio para sair a primeira florada.
Colher
O café deve ser colhido maduro. Existem várias formas de tirá-lo do pé: da seletiva (feita manualmente, é inviável para a maioria dos fazendeiros que trabalham com grandes quantidades) à mecânica, com ajuda de derriças, mesmo equipamento utilizado na colheita de azeitonas.
Lavar
Nessa etapa, os grãos maduros demais ou que passaram do ponto (chamados de boias) flutuam. Os que não prestam para consumo podem virar adubo orgânico.
Descascar
O despolpador faz uma leve pressão sobre os frutos para separar os verdes (mais rígidos) dos maduros. Os últimos são descascados e colocados para secar no terreiro da fazenda. Há alguns grãos que vão com o fruto passa (ou seco) direto para secagem, integralmente, gerando um café mais adocicado.
Secar
Os grãos são espalhados em pátios de cimento para secar ao Sol de forma natural. Para que todos fiquem uniformes, é preciso que sejam remolvidos várias vezes ao dia. Depois, são encaminhados a empresas que fazem análises de DNA, como a CarmoCoffees, em Carmo de Minas, antes da exportação. A torra ocorre na sequência. Já a moagem, que deixa o pó pronto para consumo, pode ser feita em empresas específicas, em cafeterias e até em casa. Equipamentos portáteis para esse fim custam, em média, R$ 100.
*A repórter viajou a convite da Nespresso