A irreverência cearense não tem limite. Tanto que um dos seus personagens folclóricos é um bode, chamado Ioiô. O caprino percorria sempre o mesmo trajeto nas ruas do Centro da capital, Fortaleza, na década de 1920. Acompanhava escritores e boêmios, chegando a ser citado em livros de historiadores e poetas. Descansa, hoje, empalhado no Museu do Ceará. Mas o cúmulo da qualidade de ser irreverente %u2014 ou em bom cearês, fulêro %u2014, aconteceu em 30 de janeiro de 1942. Em meio ao clima de guerra e futebol, um grupo de pessoas, em um unÃssono grito, vaia o sol. Ora, vejam, o sol sendo vaiado é a prova de que Chico Anysio, Renato Aragão, Tom Cavalcante, Falcão e Rossicléa não foram tão pioneiros assim. Além dos humoristas conhecidos nacionalmente e dos que atuam no estado, o Ceará apresenta um dos principais festivais de cinema do paÃs, o Cine Ceará, e oferece à população e aos visitantes um circuito bastante diversificado de festivais de teatro. O caldeirão cultural cearense mostra a diversidade de um povo que acende a luz do palco, abre as cortinas e prova que vai além da importante representação musical tÃpica do Nordeste %u2014 o forró. Quem conhece bem a trajetória do humor nacional é Benedito José Barbosa, conhecido pelo personagem %u201CPapudim%u201D %u2014 um cronista bêbado formado em filosofia. Nascido na cidade de Sobral, queria ser ator. Chegou a trabalhar como office boy na Rede Globo, aos 16 anos. Mas a vontade naquele perÃodo era mesmo de trabalhar no programa do Chico Anysio. %u201CSó tinha duas possibilidades. Ou eu me sindicalizava no Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões, o que era impossÃvel para um cara com 19 anos, vindo do Ceará; ou me desvincularia da Globo para fazer figuração. Eu pedi demissão e dei de cara com um produtor que disse que eu teria que pagar 50% do meu cachê para uma agência. Eu disse %u2018não, eu não quero só aparecer na televisão, eu quero fazer disso uma profissão.%u2019%u201D Após o insucesso no Rio, voltou à terra natal e começou a trabalhar na produção do palhaço %u2014 cearense %u2014 e atualmente deputado federal pelo estado de São Paulo, Tiririca. Apesar do êxito com Tiririca, ainda não estava satisfeito. Um convite para um festival de piadas em uma pizaria iria marcar sua carreira. %u201CEscrevi um texto na segunda, na terça eu ensaiei pelo telefone com o Zé Modesto (outro humorista cearense), ele me deu uns toques e eu tirei primeiro lugar na eliminatória. Tirei segundo lugar geral do festival%u201D, relembra Papudim, orgulhoso. Decidiu que iria enveredar para o rumo do humor de personagem, o grande trunfo da primeira geração de humoristas cearenses. %u201CEu nunca tive muita pressa. O fato de eu ter trabalhado com o Tiririca me deu uma coisa muito legal que foi você ter a compreensão do tempo. Você só pode estar pronto depois de um certo perÃodo. O Tiririca já tinha mais de 20 anos de carreira. Esse tempo de maturidade que a maioria de nós não tem paciência para esperar, acaba nos levando para um caminho que é muito ruim, que é o caminho do imediatismo%u201D, argumenta. Sobre o humor no estado, ele analisa ser preciso uma revisitação dos que fazem a profissão. %u201CNós temos um produto maravilhoso. Aquilo que é mais difÃcil de conseguir em relação a um produto é uma coisa chamada reconhecimento. Precisa ter uma nova visão em criação de personagem, criação de texto. A gente precisa enxergar isso como produto e dar acabamento de produção, além de ter essa preocupação de não ser imediatista%u201D, cobra o experiente e reconhecido artista. Cara limpa Em 2008, uma famosa forma norte-americana de fazer comédia chega ao Ceará. O stand up, humor de cara limpa, sem personagem, sem fantasia, contando a comédia do dia a dia, passa a figurar como a promessa da profissão de fazer rir. Deu certo e os pioneiros no estado, Glayco Sales e Luis Carlos de Freitas %u2013 o LC Galetto (com dois %u201Ct%u201D mesmo) passam a ficar conhecidos pelo estilo. %u201CComeçamos a fazer humor na faculdade de jornalismo, escrevendo para as rádios internas. Não andou porque tÃnhamos muito projeto. A gente também nunca se viu de personagem. Mas aà apareceu essa coisa do stand up. Em agosto de 2008, o espetáculo Comédia em Pé veio para Fortaleza. Eu mandei um e-mail com um texto. Eles acabaram respondendo dizendo que o texto estava legal e pediram para fazer. O mais interessante é que tem tido aceitação em um mercado consagrado pelo humor de personagens%u201D, comenta LC Galetto. Glayco lembra que a produção de textos era muito grande e aquele acúmulo de produção o estava incomodando. %u201CFazemos crônicas com o olhar cômico. Com um tempo, a gente conversou e disse um pro outro: %u2018vamos fazer nós mesmos%u2019. Aà começou. Estamos há pouco tempo no mercado, mas já passamos por muita coisa legal%u201D, comenta o humorista. TRÊS PERGUNTAS PARA Wolney Oliveira, diretor executivo do Cine Ceará Em meio à valorização da indústria audiovisual brasileira, o Cine Ceará é um dos principais festivais de cinema do paÃs. O diretor executivo, Wolney Oliveira, fala dos méritos do cinema cearense. A quantas anda a produção audiovisual do estado? Além dos inúmeros prêmios nos festivais nacionais e internacionais, o cinema cearense vem respondendo positivamente na produção do nosso audiovisual, ganhando os editais de B. O. (baixo orçamento) do Ministério da Cultura e outras instituições. Filmes como Homens com cheiro de flor, de Joe Pimentel; O grão%u201D, de Petrus Cariry; Rânia, de Roberta Marques; Cine HollÃudy, de Halder Gomes; Linz, de Alexandre Veras; Os últimos cangaceiros, de minha direção; e Cego Aderaldo %u2013 O Cantador e o Mito, de Rosemberg Cariry, são exemplos disso, revertendo o montante de aproximadamente R$ 10 milhões à economia cearense nos últimos cinco anos. Não podemos esquecer ainda o filão de filmes espÃritas, que surgiu no Ceará através da iniciativa do produtor Luis Eduardo Girão, como a produção Bezerra de Menezes %u2013 Diário de um espÃrito, de Joe Pimentel e Glauber Filho. O Cine Ceará contribui de que forma para a geração de emprego e renda no estado? O Cine Ceará, que este ano completou sua 22ª edição, é um dos responsáveis por toda a efervescência cinematográfica vivida no Ceará, seja na área da docência, da produção e da difusão do audiovisual, inclusive abrindo espaço para trazer ao nosso público um grande número de produções ibero-americanas. O Festival criou a necessidade dessas demandas tanto na produção quanto no surgimento dos cursos de graduação nas Universidade Federal do Ceará (UFC) e Universidade de Fortaleza (Unifor), ou o curso sequencial da Vila das Artes, da prefeitura de Fortaleza. Tem papel fundamental também na difusão, com o surgimento de outros eventos audiovisuais no estado %u2014 que já totalizam quase dez festivais. Do ponto de vista econômico, o festival movimenta a cadeia turÃstica cearense, criando demandas para a rede hoteleira, aluguel de veÃculos, gastronomia, contratação de técnicos da área do audiovisual e artistas, serviços de mÃdia, agências de publicidade, entre outros setores. Quem mais é beneficiado com o festival? Além do público cearense %u2014 estudantes, cinéfilos e a população em geral, que frequenta gratuitamente o evento desde a sua criação, em 1991 %u2014, também se beneficiam os patrocinadores, que têm um excelente retorno de marketing, bem como a cadeia da produção, difusão e formação. Ganha com o festival ainda a classe artÃstica em geral e, em especial, o governo do estado, que é o único parceiro que tem o nome incorporado ao evento.