Jornal Correio Braziliense

Turismo

Personalidade visceral e trabalhadora é apenas um dos orgulhos do Porto

Incrustada na região do Douro, terra do adocicado vinho do Porto, a joia portuguesa conhecida como Capital do Norte há décadas integra a rota de quem visita Portugal, mas nunca chegou a ser desconfigurada pelo turismo intenso. Talvez aí estejam pelo menos 30% do charme portuense. O resto fica por conta da delicadeza, da educação e do orgulho do tripeiro ; porque quem nasce no Porto pode ser oficialmente portuense, mas é visceralmente tripeiro, que vem de tripa, de dar o sangue pela cidade ; e pelas delícias escondidas do Douro.

Todo mundo conhece o vinho do Porto e o bacalhau à Gomes de Sá (o Gomes era tripeiro, vale lembrar), mas a boa qualidade dos tintos e dos brancos da região é um segredo bem guardado. A produção pequena dá conta do consumo nacional e sobra pouco para atravessar as fronteiras. Também não é muito sabida no além-mar a vocação arquitetônica do Porto. Pois ela existe e é seriíssima.

Desde que Gustave Eiffel e seu aluno Teófilo Seyrig construíram por lá duas pontes, a cidade virou importante referência na área. É terra de Álvaro Siza e Eduardo Souto de Moura, ambos prêmios Priztker (o Nobel da arquitetura), e sede da Casa da Música, um meteorito plantado à beira da avenida mais longa de Portugal e projetado pelo holandês ; e também Pritzker ; Rem Koolhaas para celebrar o título de Capital da Cultura, em 2001.

A Casa (leia mais na página 3) abriga uma orquestra sinfônica, um coro e um conjunto de música contemporânea que realizam concertos semanais a 15 euros numa sala cuja acústica está entre as 10 melhores do planeta. De Siza, a cidade abriga o Museu de Arte Contemporânea, o mais importante de Portugal, já que nem Lisboa possui prédio tão planejado para o gênero.

Labuta
Amarelo e azul são as cores do Porto. As fachadas das casas históricas ; especialmente aquelas viradas para o Douro ; ganharam pintura amarela porque a cidade foi erguida sobre base de granito escuro. O dourado ajuda a ressaltar a luminosidade precária no inverno e brilhante no verão. Já o azul vem dos azulejos espalhados por fachadas, como a da Igreja do Carmo (século 18), e por interiores, como o saguão da Estação São Bento, já datado do século 20.

Os azulejos representam um capítulo especial na história do Porto. Originalmente, eram utilizados para a decoração de interiores. Foram os imigrantes que retornaram do Brasil, conhecidos como brasileiros, os responsáveis por levar os azulejos às fachadas das casas. Depois de períodos de enriquecimento na colônia, esses portugueses voltaram à terra natal e construíram fábricas de azulejos para em seguida lançarem a moda da prática observada em cidades baianas e fluminenses.

A fase industrial do Porto, especialmente marcada pelas fábricas dos brasileiros no século 19, também simboliza a veia trabalhadora da cidade. Houve séculos em que um decreto real proibia nobres e aristocratas de permanecerem mais de três dias no Porto. Considerados incansáveis na labuta, os tripeiros não queriam a nobreza desocupada a andar solta e contaminar a sociedade local com ideias de ócio. Os moradores resumem no ditado ;Enquanto Lisboa se diverte, o Porto trabalha; a distinção entre os habitantes das duas cidades. Pode ser, mas o Porto também tem lá suas diversões e uma parte significativa delas se dá nos bares e nas boates da Rua Galerias de Paris.

Imprensada junto ao mar pela Espanha, a faixa de terra lusitana viu chegar tardiamente as modas europeias. Embora seja absurdo falar nisso em tempos de globalização, ainda há resquícios de outras épocas. Nos bares e nas boates da Galerias de Paris, por exemplo, é permitido fumar.

Já a arquitetura do centro antigo da cidade revela o quão tardias eram outras modas. Quando o barroco chegou a Portugal, já não fazia mais a cabeça de austríacos e italianos. E quando o neoclássico se instalou na região central, o resto da Europa já andava em outras direções. Foram os ingleses os responsáveis por levar o estilo ao Porto. Os portugueses trataram de se apropriar e imprimir ali um orgulho muito típico do tripeiro.