Sinônimo do queijo mais famoso de Portugal, a Serra da Estrela é muito mais do que ponto culminante e sede da única estação de esqui do país. Considerada parque natural, está situada no nordeste do território, próxima à fronteira com a Espanha, e abrange seis cidades. É um verdadeiro paraíso para os gourmets em meio à região da Beira Interior. Lá há fartura de carnes (cabrito, cordeiro e porco, sobretudo), tradição em embutidos e possibilidade de provar inusitadas receitas com lampreia, por exemplo.
A Serra da Estrela também concentra vinícolas e, claro, muitas quintas (propriedades rurais) onde é feito o fantástico rei dos queijos portugueses, principal produto local. Com textura cremosa e sabor intenso, o laticínio é feito até hoje principalmente por pequenos produtores ; pastores que mantêm tradição secular ; com a ajuda da família inteira, em alguns casos.
O leite é sempre de ovelhas das raças bordaleira (nativa da região) ou churra mondegueira, escolhido pelo alto teor de gordura, apesar do menor rendimento. A alimentação, além de feno, cereais e ração, tem como base os pastos naturais, cujas características são ditadas pelas estações do ano. Quanto melhor a alimentação das fêmeas, mais gordo será o leite. Consequentemente, textura, aroma e sabor serão superiores.
;Do pasto vem a qualidade do leite e, sem bom leite, não há bom queijo. Não tem jeito;, decreta Júlio Ambrósio, proprietário da Quinta da Póvoa, na pequena aldeia de Prados, onde fica a queijaria que leva seu nome. Quando nasceu, o pai já criava ovelhas. No fim dos anos 1980, iniciou a produção de queijo com 50 animais. Hoje, com rebanho de quase 600, é um dos principais fabricantes da região em torno da cidade de Celorico da Beira, formada por mais 21 aldeias e considerada a capital do queijo Serra da Estrela.
Dos 50 produtores de queijo de ovelha locais, apenas Júlio e outros quatro fazem o Serra da Estrela certificado, com denominação de origem protegida (DOP). Os demais, ainda que produzam queijo idêntico, optaram por não receber selo específico das autoridades (o que implica muitos custos) e, por isso, são obrigados a usar a denominação genérica ;queijo de ovelha curado; nos rótulos. De forma genérica, são todos eles produtores de queijo Serra da Estrela, pois têm em comum a matéria-prima, o processo de produção e a região. No entanto, a opção pela compra de um queijo certificado é garantia de altíssima qualidade.
Leite cru
Os detalhes fazem a diferença. No caso do queijo certificado, o leite, que influi decisivamente na sua qualidade, deve ser proveniente de ovelhas cujos progenitores (jamais de raças misturadas) estejam inscritos num livro de registro genealógico. E não é essa a única forma de controle de qualidade do autêntico laticínio: além de submetê-lo a inspeções para checar higiene e práticas corretas, os produtores que têm o selo enviam todo ano seus queijos à Beira Tradição, entidade certificadora que forma painéis de degustação às cegas para avaliar os produtos. Se algo estiver fora dos conformes em termos de sabor, aroma ou textura, a certificação é suspensa.
Manter-se nesse esquema é algo caro e trabalhoso, mas também uma saída quando se tem o objetivo de vender também para o mercado externo, que costuma ser muito exigente e pagar mais caro. No caso do maravilhoso queijo de Júlio, foi vendido durante algum tempo para os Estados Unidos e, atualmente, está em duas lojas na França, uma delas em Paris. Comprado direto dele, cada queijo (com cerca de 1kg), sai por 15 euros, em média. Nas lojas de Celorico da Beira, um Serra da Estrela certificado como o dele custa no mínimo 25 euros e, no Aeroporto de Lisboa, próximo do dobro.
No Brasil, o produto chega muito caro. Isso, quando chega (leia o quadro O que diz a lei). O valor de uma única peça com o mesmo peso pode ultrapassar os R$ 400, ou seja, aproximadamente 10 vezes mais do que quando comprado sem atravessador. No caso dos queijos sem certificação disponíveis no mercado nacional, o preço costuma ser pouco menor, mas ainda assim alto, por volta dos R$ 150 (peça com menos de meio quilo). A compra de qualquer um deles por aqui torna-se ainda mais proibitiva pela perda de qualidade a que estão sujeitos, já que consistem em produtos artesanais e feitos com leite cru (não pasteurizado). Ou seja, extremamente sensíveis.
O jornalista viajou a convite da organização do 1; Encontro e Prova Internacional de Vinho