Em 26 de abril de 1986, depois de uma série de erros, descuidos com a segurança e negligências, o reator número 4 da Usina Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia ; então pertencente à União Soviética ; explodiu, causando um número de mortes até hoje desconhecido, mas que se situa na casa dos milhares. O acidente ocorreu porque técnicos faziam uma experiência que acabou por superaquecer o reator, uma operação que nunca tinha sido testada. Era o homem brincando com o desconhecido. Deu no que deu.
Quase 25 anos depois, o governo da Ucrânia anunciou que o palco do maior acidente atômico do mundo, localizado na região norte do país, será aberto ao turismo em 2011, provavelmente em abril. Yulia Yershova, porta-voz do Ministério das Situações de Emergência, informou: ;Uma equipe técnica está montando um roteiro seguro e informativo para os turistas;. Acrescentou que o dinheiro arrecadado ajudará a região atingida e que o tour fará com que as pessoas se conscientizem do perigo do mau uso da energia atômica.
Apesar do anúncio, o turismo nas áreas afetadas já é feito há alguns anos de modo informal, prática que o governo tenta coibir, alegando ser perigosa em função da radiação até hoje presente. Somente no ano passado, mais de 7 mil pessoas visitaram a usina e a cidade de Pripyat, hoje um lugar fantasma, segundo números do jornal inglês The Guardian. O preço do tour é de 120 euros e inclui almoço, mesmo modelo do pacote proposto pelas autoridades. No caso oficial, algumas regras terão que ser observadas: não se pode consumir alimentos nem fumar durante o passeio; bolsas não podem ter contato com o solo; e o tour terá duração máxima de seis horas, em função da exposição à radiação.
Portanto, em 2011, quem tiver o fascínio por locais de tragédias, por história ou por ambos poderá visitar a zona, que até agora era fechada por segurança ; mas não com rigidez ; desde que o equipamento explodiu. O visitante vai andar pelos escombros do quarto reator e pelas ruas abandonadas de Pripyat (a 2km dali), onde tanques de guerra e outros veículos conservam carcaças e casas mostram símbolos do abandono. Poderá até medir a radiação com aparelhos fornecidos pelos guias. O governo da Ucrânia explica que, embora haja áreas muito contaminadas e, por isso, bastante perigosas, é possível desenhar trajetos turísticos com segurança e visitando locais importantes.
Desconfiança
E você, embarcaria numa dessas? O número de visitantes do ano passado, mesmo que não oficial, mostra que a ideia não é tão louca quanto parece. A bem da verdade, locais como o campo de concentração nazista de Auschwitz, na Polônia e até mesmo o Coliseu, em Roma, que recebem milhões de visitantes todos os anos, foram palcos de cenas mórbidas.
Mas argumentos como esse não convencem muita gente. ;Nem de graça;, diz a professora aposentada Lúcia Helena Peixoto, cuja idade ela prefere não informar. Portadora de um currículo de viagens que inclui muitos lugares exóticos do planeta ; Egito, Tailândia, Machu Picchu ; e dona de incontáveis milhas, ela diz que pretende conhecer a Ucrânia ; talvez no ano que vem, muito por causa da capital, Kiev, cidade que a fascina desde a juventude, quando lia clássicos da literatura russa. Uma experiência que considera semelhante foi a visita ao campo de Auschwitz. Para ela, bastou.
;Creio que visitar Chernobyl seja algo mais interessante para pesquisadores e técnicos da área, não para o turista comum;, disse, enquanto colocava o casaco na bagagem para uma viagem a Buenos Aires, onde pretendia passar o Natal com os filhos, numa prova de que viajar realmente está em seu sangue.
O interesse por Chernobyl vem crescendo desde que a revista Forbes o classificou como ;um dos lugares únicos para visitar;. Luiz Guadalupe, guia internacional com 37 anos de experiência, também não acredita muito na popularidade do passeio. ;Nas várias vezes que estive na Polônia, poucos passageiros demonstraram interesse em conhecer Auschwitz, que fica a cerca de uma hora de Cracóvia. Talvez um, dois em cada grupo de 10 pessoas. Acho que para o tipo de turista que viaja comigo, Chernobyl não geraria interesse. Penso que não tem mercado;, sentencia.
O governo da antiga União Soviética chegou a reconhecer que quase 3 mil pessoas morreram em virtude do vazamento nuclear, mas organismos como o Greenpeace calculam em 100 mil os óbitos, mesmo porque pessoas ainda morrem por doenças que se manifestaram muito depois da explosão. Se o passeio vai ser um sucesso ou não, só saberemos depois de abril. Pronto, a dúvida está no ar ; assim como a radiação.