Tecnologia

75 soluções que podem responder às demandas futuras de alimentos

Na escolha, a equipe composta por especialistas de 13 países, incluindo o Brasil, também considerou questões como sustentabilidade, redução da pobreza e impactos ambientais


Uma das preocupações de especialistas na área agrícola é a necessidade de expansão da produção de alimentos. Calcula-se que, nas próximas três décadas, será preciso aumentar de 30% a 70% a disponibilidade de insumos para atender à demanda de uma população crescente. Sem soluções tecnológicas não será possível ajustar esses cenários, alerta um grupo de especialistas de 13 países, incluindo o Brasil, em um estudo publicado na revista especializada Nature Foods. 

No trabalho, eles elegeram tecnologias, em desenvolvimento ou em planejamento, que poderão contribuir para os avanços necessários na agricultura, como o uso de drones para análise de colheitas e de recursos genéticos que tornem os alimentos mais nutritivos. “A produção de alimentos sempre moldou a vida humana, principalmente devido ao uso de tecnologias. Nesse trabalho, fomos inspirados nesse passado, quando recursos, como o arado, a domesticação de animais selvagens e, mais recentemente, os adubos, mudaram a forma como produzimos insumos”, conta ao Correio Maurício Lopes, um dos autores do estudo e pesquisador da Embrapa em Brasília.

O especialista ressalta que, para que toda a população possa ter acesso a alimentos saudáveis no futuro, o sistema de produção mundial precisa ser modificado. Isso porque fatores como as mudanças climáticas tornarão as condições ambientais mais escassas, o que tem trazido dificuldades para produtores agrícolas. “Vamos ter um crescimento muito grande na demanda de alimentos com o aumento da população. Outro fator importante é que estamos chegando a uma situação em que a sociedade está mais exigente. Precisaremos, por exemplo, de alimentos mais nutritivos, que atendam a um grande número de idosos. Ao mesmo tempo, temos que lidar com as consequências das mudanças ambientais, já que as bases naturais sustentam o nosso progresso nessa área”, detalha Maurício Lopes.



O pesquisador brasileiro e outros 47 cientistas, envolvendo um total de 20 instituições, elencaram 75 tecnologias que podem ajudar a responder a essas  necessidades. De acordo com o grupo, todas contribuem para uma série de objetivos relacionados ao desenvolvimento sustentável, como ação climática, redução do impacto ambiental, redução da pobreza e alimentação saudável.

A lista inclui soluções tecnológicas que têm se tornado familiares, como a impressão 3D, o uso de drones e de materiais inteligentes, a produção de carnes artificiais e a agricultura vertical. “Destacamos vários setores, um deles é a agricultura digital, que vem ganhando muita força. O uso de ferramentas da área de tecnologias da informação combinado com a robótica é algo que tem sido explorado. Temos drones que já são usados no acompanhamento de lavouras, por exemplo”, detalha Maurício Lopes, que destaca ainda o uso de sensores em colheitas. “Eles nos permitem captar informações mais precisas sobre as lavouras. Com isso, também impedimos a propagação de doenças”, explica.


Impulso genético


Entre as tecnologias em desenvolvimento que foram listadas, há os recursos voltados para melhorar a qualidade nutricional de alimentos. Segundo o pesquisador brasileiro, a edição genética é uma das alternativas mais promissoras para essa tarefa. “A modificação de genomas nos permite fazer diversos ajustes em alimentos. Na Embrapa, já temos um projeto em que buscamos desenvolver alimentos com mais ferro e cobre, por exemplo. Dessa forma, não é necessário usar suplementos e aditivos que não sejam naturais para complementar dietas”, diz.

Outro ponto enfatizado pelos autores do artigo é a escolha por produtos menos agressivos ao meio ambiente. “Queremos usar recursos mais naturais. Temos as algas como um material cheio de nutrientes e que se mostra como um recurso com potencial para ser usado como adubo, evitando, assim, a utilização de químicos”, exemplifica Lopes.

No estudo, os cientistas também destacam uma série de tecnologias encaradas como opções altamente promissoras, mas que ainda não começaram a ser desenvolvidas. Entre elas estão cereais que não precisarão de fertilizantes, polímeros biodegradáveis que conservarão a umidade do solo e alimentos para animais produzidos a partir de resíduos do esgoto.

Para a equipe de especialistas, é preciso apostar nessas ideias mesmo que ainda não existam ferramentas tecnológicas capazes de concretizá-las. “A inovação bem-sucedida envolve uma alta taxa de falhas. Com um desafio tão grande e complexo, precisamos atacar de todos os lados. Portanto, embora muitas dessas tecnologias ainda possam falhar, o investimento no desenvolvimento delas e os testes são cruciais para o futuro de nossos sistemas alimentares”, justifica, em comunicado, Mario Herrero, um dos autores do estudo e cientista-chefe da Organização de Pesquisa Científica e Industrial da Commonwealth (CSIRO, em inglês), na Austrália.


Mais controle


Nesse formato de cultivo, os alimentos podem ser produzidos em locais fechados, em prateleiras, onde recebem os recursos necessários por meio do controle artificial de luz ou pelo aproveitamento da luz natural. Os produtores recorrem, também, à fertirrigação, em que adubo e água são usados ao mesmo tempo. A técnica é mais barata, permite que o plantio possa ser feito em locais menos amplos e é menos agressiva ao meio ambiente.

Aceitação social é um desafio


Além da contribuição para aperfeiçoar a produção de alimentos, os pesquisadores preocupam-se com os impactos das tecnologias voltadas para a produção de alimentos agrícolas sobre a população. “Nesse estudo, também consideramos fatores que podem influenciar a forma como esses novos recursos são vistos. Eles precisam ser introduzidos na sociedade com segurança, ganhando a confiança das pessoas. É o que chamamos de fatores de transformação”, explica Maurício Lopes, pesquisador da Embrapa em Brasília.

No artigo divulgado na revista Nature Foods, os autores enfatizam que construir a confiança social necessária para as novas tecnologias avançarem será o “fundamento de uma mudança transformadora”. “As novas tecnologias, especialmente as mais controversas, exigem investimento e apoio político para decolarem. E, para uma implementação real, você precisa de apoio público. O diálogo é o primeiro passo para recuperar a confiança entre a ciência e a sociedade. Esse trabalho visa abrir um espaço para esse diálogo”, afirma Philip Thornton, coautor do estudo e membro do Programa de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar do Conselho de Pesquisa Agrícola Internacional (CGIAR, em inglês), sediado nos Estados Unidos.

Maurício Lopes lembra que informar corretamente a população quanto aos recursos tecnológicos é importante principalmente no cenário atual, em que o conhecimento científico tem sido alvo de ataques em várias partes do mundo. “Diante de questões como terraplanismo e resistência a vacinas, por exemplo, precisamos ter esse cuidado. É necessário usar as políticas públicas de forma apropriada, fazendo com que as informações corretas cheguem ao público, e com que as pessoas possam reconhecer a ciência, saber como ela funciona e qual o seu valor”, enfatiza.


Palavra de especialista


Fator-chave para a eficiência

“Esse artigo tratou do assunto em profundidade, abordando todos os aspectos da inovação e da sustentabilidade do sistema de produção alimentar e, sobretudo, apontou caminhos, formas e maneiras de acelerar a utilização da inovação tecnológica para a consecução desse objetivo. A tecnologia disponível, especialmente a tecnologia da comunicação e informação, tem um papel relevante na produção de alimentos, especialmente no aumento da eficiência e da produtividade sustentável. Os novos recursos tecnológicos, com ênfase na utilização de sensores e atuadores em tempo real, quando usados na propriedade rural, podem propiciar o aumento da eficiência na produção agrícola. Os desafios que enfrenta a indústria agrícola, como terras limitadas, diminuição das bases de recursos naturais e exigências de melhor qualidade dos alimentos, impõem que a agricultura se torne mais produtiva, precisa, rentável e sustentável. Sem dúvida, a tecnologia pode acelerar o processo produtivo para atender às prementes demandas impostas ao setor.”

Marlene Pontes, professora do Centro de Estudos em Telecomunicações (CETUC), da PUC-Rio