Apresentado na 68; sessão científica da American College of Cardiology, neste mês, em Nova Orleans, o trabalho consiste em um algoritmo, ajustável a um aplicativo de celular, que identifica mudanças vasculares baseadas nas variações no fluxo sanguíneo provocadas pelo diabetes. Essas alterações nas veias e na maneira com que o sangue flui por meio delas podem ser registradas por sinais de fotopletismografia (PPG, pela siga em inglês). O exame detecta mudanças no volume do sangue ao medir a quantidade de luz infravermelha absorvida ou refletida por um órgão externo que seja ligado ao sistema circulatório. No caso da solução proposta pelos americanos, as informações vêm do dedo colocado sobre a lente da câmera do celular.
A leitura é convertida em forma de onda e mostra se há alteração volumétrica do sangue em um vaso sanguíneo. Isso porque, a cada contração do coração, a pressão sanguínea aumenta nos vasos e causa uma expansão, ampliando a quantidade de luz refletida pela pele para o sensor óptico da câmera. A maior quantidade de luz refletida pela pele, portanto, indica a ocorrência da doença.
;Nós demonstramos que, ao usar um conhecimento avançado e a câmera do smartphone, podemos detectar também variações vasculares associadas ao diabetes. O desenvolvimento de ferramentas de triagem que podem ser facilmente implementadas em ambientes comuns pode aumentar o acesso para rastrear essa doença. Assim, pode-se identificar mais indivíduos em risco e diminuir os números de diabéticos não diagnosticado;, ressalta Robert Avram, autor principal do estudo e pesquisador da Universidade da Califórnia.
Testes
Participaram do experimento mais de 54 mil pessoas, com idade média de 45 anos e inscritas no estudo on-line Health eHeart Study. Os voluntários tiveram que baixar o algoritmo com o aplicativo Instant Heart Rate ; software que mede a frequência cardíaca. Os testes com a solução tecnológica apresentaram taxa de concordância de até 97%. Ao fim da pesquisa, ficou constatado que, a cada 100 participantes não diabéticos, 97 realmente não tinham a doença, conforme indicou a solução tecnológica.
De maneira geral o uso do PPG identificou corretamente, vide a declaração no início dos testes, o quadro de saúde dos voluntários em mais de 72% dos casos. Quando os cientistas analisaram o resultado inicial considerando outros fatores de risco para o diabetes, como idade, sexo, índice de massa corporal (IMC) e raça/etnia, a capacidade de classificar alguém como diabético subiu para 81%.
Segundo Robert Avram, o algoritmo será novamente testado em duas clínicas de prevenção cardiovascular para validar as descobertas. A equipe também planeja avaliar como essa tecnologia funciona na detecção de diabetes precoce e testá-la em diferentes populações ; por exemplo, as que tenham chance maior de adquirir diabetes. A expectativa é de que a solução comece a ser usada em dois anos.
Autocuidado
Para Waldemar Volanski, doutor em ciências farmacêuticas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os resultados demonstram como smartphones e outros dispositivos portáteis dão a pacientes mais ferramentas para controlar e melhorar a saúde. ;Pesquisas como essa demonstram que temos em mãos equipamentos poderosos, inclusive capazes de ajudar a área da saúde;, diz. O brasileiro desenvolveu um aplicativo para facilitar o diagnóstico do diabetes mellitus gestacional (Leia mais nesta página).
Pieter Vandervoort, professor da Universidade de Hasselt, na Bélgica, e pesquisador de metódos para rastrear fibrilação atrial, incluindo celulares, também chama a atenção para a facilidade no diagnóstico possibilitada pela solução proposta. ;A maioria das pessoas tem um smartphone com uma câmera. Essa é uma maneira de baixo custo para rastrear milhares de pessoas que tenham complicações que estão se tornando mais prevalentes, como o diabetes, e podem ter sérias consequências.;
Robert Avram lembra que o surgimento de soluções digitais voltadas para problemas de saúde também pode ter impacto sobre as práticas médicas. ;O surgimento de ferramentas de apoio a decisões ou algoritmos ajuda não apenas a monitorar uma condição crônica do usuário, mas também a sugerir mudanças nos tratamentos;, explica. Outros sete profissionais participaram do projeto: cinco médicos (das áreas de cardiologia, epidemiologia e psicologia), um representante da empresa do aplicativo usado e um estudante de ciência da computação da Universidade da Califórnia em Berkeley.
* Estagiária sob supervisão de Carmen Souza
Palavra de especialista
Técnica precisa ser validada
;Com o avanço tecnológico, tanto de equipamentos quanto de recursos computacionais, é crescente o número de dispositivos e técnicas desenvolvidos e empregados tanto na avaliação de processos fisiológicos quanto em alterações patológicas. A fotopletismografia é uma dessas técnicas. Por se tratar de uma abordagem não invasiva e apresentar características como boa reprodutibilidade, baixo custo, baixa complexidade e rápida execução, poderá, associada a dispositivos tecnológicos, auxiliar no diagnóstico de doenças. No entanto, enfatizo a importância de que esses dispositivos sejam validados cientificamente, a fim de se detectar a eficácia, a acurácia e a confiabilidade dos resultados apresentados por eles.; Aglecio Luiz de Souza, especialista em fotopletismografia
Aplicativo voltado para as gestantes
Existem outros softwares capazes de auxiliar na prevenção e na detecção de doenças. Um deles é o d-GDM, criado por Waldemar Volanski, doutor em ciências farmacêuticas da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O aplicativo, fruto da tese de doutorado de Volanski, defendida no fim do ano passado, serve para auxiliar na constatação do diabetes mellitus gestacional (DMG). Nesse caso, porém, o uso é exclusivo para profissionais de saúde.
O diagnóstico é feito a partir da combinação de resultados da análise de dados pré-natais ; que retratam fatores como glicemia, hemoglobina glicada e glicemia aleatória ;, tendo como parâmetros as recomendações da Sociedade Brasileira de Diabetes e da Sociedade Americana de Diabetes. ;A ideia do aplicativo surgiu quando descobrimos que, embora o diabetes gestacional seja uma doença muito frequente, o diagnóstico ainda é um pouco complexo. O objetivo é auxiliar nesse processo para, assim, padronizá-lo;, diz Volanski.
O aplicativo é de fácil uso e não exige digitação de dados, apenas alternativas para marcar, conforme a condição da gestante. A eficácia da solução foi testada a partir da distribuição do aplicativo para um grupo de profissionais e estudantes de pós-graduação que trabalham com diabetes. Volanski e o orientador da tese, Geraldo Picheth, analisaram o trabalho dos voluntários e consideraram os resultados positivos.
O pesquisador da UFPR destaca também a importância do uso de aparelhos eletrônicos para impulsionar avanços nas áreas da saúde. ;Os smartphones continuam a fazer uma revolução. São equipamentos que se têm em mãos e com potencial para serem usados nos avanços na medicina. A portabilidade, com elevada capacidade de processamento e memória, em uma plataforma leve e com manipulação intuitiva é um elemento central para a aceitabilidade desses equipamentos em múltiplos aplicações;, diz. O aplicativo está disponível para smartphones apenas na versão Android, mas pode ser utilizado pela versão web por outros sistemas operacionais.