Você acorda com sede no meio da noite. Está completamente escuro. Tateia ao lado da cama até que consegue esbarrar no objeto procurado. Eis um roteiro fácil para encontrar a garrafa de água guardada logo ali no criado-mudo. Mas esse processo de identificar um objeto pelo tato é mesmo simples? Considerando todo o esforço de engenheiros para reproduzi-lo em robôs, não.
Uma equipe de pesquisadores da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, e da Universidade de Pisa, na Itália, criou um androide que usa o tato para reconhecer o formato de objetos de maneira bastante precisa. A máquina, porém, não explora o alvo às cegas. Por meio de inteligência artificial, tem indicado onde deve tocar para obter as informações de que precisa, como a presença de curva, ângulo ou cavidade da peça em questão.
O robô tem dois braços. Um deles conta com cinco dedos, no formato da mão humana, e é usado para segurar firmemente o objeto analisado. O outro membro tem apenas um dedo, que explora a superfície. No primeiro momento, uma câmera capta o formato aproximado do utensílio. Porém, há a possibilidade de a superfície ser diferente da observada pelo robô.
[SAIBAMAIS];Ele cria uma noção do formato da peça a partir de uma câmera. Mas nem sempre é fácil ver todas as superfícies de um objeto. Por isso, pode ser útil usar o toque para explorar. Ele pode até nos dar informações sobre o quão lisa, macia ou elástica é uma superfície;, conta Jeremy Wyatt, cientista da Universidade de Birmingham e um dos criadores da solução.
Um algoritmo desenvolvido pelos pesquisadores ajuda nas dificuldades de tato. Ele analisa os locais com incerteza e escolhe um ponto do objeto a ser tocado pelo robô. Mesmo que o dedo do androide erre o alvo, sua inteligência artificial usa esse dado para melhorar o modelo em 3D que está em sua memória. O processo repete-se até o sistema atingir um nível de precisão determinado pelos cientistas: quanto maior a precisão, mais o resultado demora. Segundo Wyatt, essa exploração planejada é muito mais eficiente do que tatear às cegas e pode ser comparada à utilidade de um mapa de viagem. Você o usa para planejar o percurso e o atualiza ao anotar as descobertas feitas.
Rogério Sales, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia, ressalta que esse tipo de tecnologia é estudado para outras aplicações. ;Se um pote de sorvete está virado para o chão, você não sabe se ele é um pote ou um bloco sólido só pelo olhar. É a mesma coisa com a câmera de um robô. Isso é algo em que pesquisadores da robótica estão trabalhando no mundo todo não somente para reconhecer uma estrutura pelo tato, mas também para realizar atividades com dois braços.;
Limitações
Os humanos juntam informações sobre o mundo no decorrer da vida. Por isso, conseguem fazer suposições sobre o que veem, como imaginar o lado de baixo de um tapete e reconhecer objetos com mais facilidade. A tarefa, porém, é muito mais complicada para as máquinas. ;Há várias limitações para reproduzi-la, tanto de software quanto de hardware;, observa Mariana Costa Bernardes, professora da Faculdade do Gama da Universidade de Brasília (UnB).
A especialista ilustra o desafio de criação de um dispositivo que seja tão delicado e cheio de funções quanto a mão humana, com dedos se articulando independentemente. ;É muito difícil ter um equipamento capaz de fazer desde o toque suave até agarrar com força;, explica.
Por isso, para a professora da UnB, o trabalho dos cientistas ingleses e italianos entra no contexto da chamada Revolução 4.0. Uma das facetas desse movimento tecnológico é tirar os robôs dos ambientes estritamente controlados e rígidos, como as linhas de montagem, e levá-los a um ambiente mais dinâmico, onde tenham que lidar com objetos desconhecidos e com segurança suficiente para operar em locais em que há humanos também trabalhando.
;Os robôs ficam mais flexíveis para lidar com o desconhecido. Eles têm que saber o tanto de força de que precisam para manipular um objeto, o que é algo que nós fazemos de forma muito natural com o tato. Nós conseguimos determinar o tipo de material, o quão rígido ele é, qual é a sua textura;, compara.
Novos desafios
Jeremy Wyatt cita algumas situações em que a solução criada por ele e os colegas poderá ser empregada. ;Imagine um robô montando um móvel ou tentando mapear um espaço confinado e perigoso, como uma zona de um desastre. Humanos têm um senso de tato porque é essencial para as habilidades de manipulação. Qualquer robô que precise agarrar e entender um novo objeto precisará de algo parecido.;
O pesquisador pretende explorar mais a fundo essa área e descobrir quais outras informações uma máquina poderá obter usando o tato. ;Recorremos ao toque para sentir a massa de algo e saber se a nossa pegada está firme no chão. Ao manipularmos objetos, os dedos entram e saem de contato com o utensílio e uns com os outros. Nossos sensores táteis são incrivelmente sensíveis a pequenas forças. É aí que os robôs devem chegar;, adianta.
"Os robôs ficam mais flexíveis para lidar com o desconhecido. Eles têm que saber o tanto de força de que precisam para manipular um objeto, o que é algo que nós fazemos de forma muito natural;
Mariana Costa Bernardes, professora da Faculdade do Gama da Universidade de Brasília