Não use isso como desculpa para chegar atrasado, mas os relógios que você tem no pulso, no celular e até no computador não são tão precisos quanto parecem. Os mais certeiros desses aparelhos chegam a atrasar algumas dezenas de segundos por ano. Talvez isso não pareça um grande problema, mas muitas tecnologias, como o GPS, dependem de instrumentos muito afiados para funcionar corretamente. Graças a pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, os smartphones poderão marcar horas de forma parecida aos relógios atômicos, considerados hoje o padrão de tempo em todo o mundo.
O sistema criado é um relógio molecular que funciona usando o mesmo princípio dos relógios atômicos, mas com moléculas inteiras e não apenas átomos. A diferença é que ele tem o tamanho de um chip convencional e gasta pouca energia, o que permite que a tecnologia seja integrada com facilidade a celulares e a outros aparelhos eletrônicos móveis. ;Nós buscamos explorar uma física completamente diferente. Não observamos o comportamento de átomos. Nós observamos o comportamento de moléculas;, explica Ruonan Han, um dos autores do artigo que detalha a solução, publicado, neste mês, na revista Nature Electronics.
O relógio não chegará a ter a mesma precisão que os melhores modelos atômicos, mas será muito menor e 10 mil vezes mais eficaz no propósito que os aparelhos de quartzo atualmente disponíveis. Segundo os criadores, a solução poderá melhorar consideravelmente a precisão de GPSs e ajudar em situações em que o sinal não esteja disponível, como em explorações no fundo do mar. ;Nossa visão é que, no futuro, não será preciso gastar uma grande quantidade de dinheiro para botar relógios atômicos nos dispositivos. Em vez disso, você poderá ter uma pequena cápsula de gás grudada a um chip de um celular, e o sistema funcionará com a mesma precisão;, explica Han.
[SAIBAMAIS]A cápsula contém moléculas de sulfeto de carbonila em forma de gás, que são responsáveis por medir o tempo. O dispositivo emite uma radiação de alta frequência nessas moléculas, fazendo com que comecem a girar. Essa oscilação de moléculas e átomos, quando expostos a uma determinada radiação, é sempre muito precisa ; ela é a responsável pelos melhores relógios do mundo, que atrasam apenas um segundo a cada 1,4 milhão de anos.
Desafios
Uma das dificuldades enfrentadas para criar o chip com precisão atômica foi produzir a radiação necessária ao seu funcionamento. Para a molécula girar corretamente, deve ter uma frequência de aproximadamente 231 giga-hertz. Os eletrônicos atuais, porém, não conseguem transmitir frequências que ultrapassem 5 giga-hertz, e é impossível superar a barreira de 10 giga-hertz, por limitações da física envolvida nesses dispositivos. ;Acima disso, a informação não pode mais ser transmitida por cabos, seja os de cobre, seja os de ouro, usados nos circuitos;, explica Francisco Gontijo Guimarães, professor do Instituto de Física de São Carlos, da Universidade de São Paulo (USP).
Para superar esse obstáculo, a equipe do MIT criou estruturas de metal capazes de amplificar a baixa frequência produzida pelo chip e transformá-la em um sinal com centenas de giga-hertz. A solução foi feita de forma econômica, porque o relógio consome apenas 66 miliwatts de potência, menos do que algumas funções comumente encontradas em celulares, como o GPS, o Wi-Fi e a própria tela.
Barato
Durante os testes, o relógio mostrou que atrasa apenas 8 segundos a cada mil anos, o que é uma precisão 10 mil vezes maior do que a dos relógios convencionais. Outra vantagem é que o chip foi criado com a mesma tecnologia usada em componentes eletrônicos tradicionais e, por isso, poderá ser fabricado em massa e a baixo custo. Para os criadores, porém, o maior benefício que a tecnologia pode trazer é tornar os sistemas de localização mais precisos.
O GPS calcula uma posição a partir das informações de pelo menos três satélites, mas também utiliza as informações do relógio interno do celular para fazer esses cálculos. ;Desde as navegações antigas, para se localizar, uma pessoa precisava da posição, da latitude e da longitude;, conta Guimarães. ;A latitude era medida pela posição das estrelas, mas, para calcular a longitude, era necessário um relógio. Como os da época não eram bons, a pessoa podia errar o destino e perder dias de viagem.;
De acordo com o professor da USP, nos dias atuais, ao entrar em um túnel ou perder a conexão com os satélites de GPS, o dispositivo do celular continua calculando a posição do usuário com base no relógio presente no aparelho. Com o relógio molecular desenvolvido no MIT, essa navegação poderá ser feita de forma precisa em condições adversas. ;A vantagem é a segurança de um relógio melhor. Acho que essa pesquisa é extremamente importante. Você tem a precisão de um relógio atômico, mas sem precisar de um equipamento muito grande para isso;, avalia Guimarães.
Movimentos distintos
Em 1967, o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, dos Estados Unidos, definiu oficialmente o segundo como a duração de 9.162.631.770 oscilações em um átomo de césio-133. Cada átomo e cada molécula têm uma oscilação diferente que, se conhecida, pode ser usada para medir o tempo de forma muito precisa.