Detalhado recentemente na revista científica Small, o dispositivo mede constantemente a temperatura e o pH de um ferimento. Quando há sinal de infecção, uma camada de hidrogel libera remédios na dose certa, ajudando no processo de cura. Segundo os criadores, o curativo poderá ser usado para o tratamento de ferimentos crônicos, que não saram naturalmente e costumam ficar vários meses abertos, aumentando o risco de infecções e até de desenvolvimento de necrose.
;Os curativos mudaram muito pouco desde o começo da medicina. Estamos simplesmente aplicando a tecnologia moderna a uma atividade antiga na esperança de melhorar um problema intratável. Conseguimos essa nova abordagem graças ao surgimento dos eletrônicos flexíveis;, diz Sameer Sonkusale, um dos autores do estudo.
O dispositivo tem apenas três milímetros de espessura. Um filme de hidrogel ; material composto por mais de 90% de água e cadeias de polímeros ; fica em contato direto com a ferida, mantendo-a úmida. Nele, há também partículas capazes de carregar um medicamento. Nos experimentos detalhados no artigo, foi usado o antibiótico cefazolina.
Logo acima do hidrogel, estão os sensores de pH e temperatura, que monitoram as condições da ferida constantemente, além de um pequeno aquecedor. O conjunto todo fica conectado a um processador, separado do curativo, mas também colado à pele do usuário. Quando o pH fica muito ácido, abaixo de 7, o sistema interpreta como uma possível infecção na ferida e aquece o hidrogel, liberando, aos poucos, o antibiótico.
;O desafio é manter a flexibilidade;, conta Sonkusale. ;É difícil fazer isso quando você tem tantos componentes em um único curativo. Nossos sensores são feitos de eletrodos flexíveis, e nosso sistema para entregar o medicamento usa minúsculas partículas que respondem ao calor. Como o circuito eletrônico fica fora do curativo, ele pode ser um pouco mais rígido.;
Corpo sobrecarregado
O tratamento de feridas crônicas é o que mais pode ser beneficiado pela tecnologia. Nesses ferimentos, o dano ao local do corpo sobrecarrega a capacidade de ele se reparar. Isso pode acontecer quando a ferida é muito extensa, como nas queimaduras de terceiro grau, ou quando o sistema imune está comprometido, em pacientes com diabetes, por exemplo.
Infectologista e chefe da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, Werciley Júnior ressalta que a tecnologia é bem-vinda. ;É o que a gente precisa hoje: curativos inteligentes. Trocamos um curativo a cada 24 ou 48 horas. O problema é que não sabemos o que está acontecendo nesse período. Com esse dispositivo, você poderá adiantar a troca ou mesmo manter o curativo por mais tempo.;
Segundo o médico, o pH é o fator mais importante a ser monitorado em uma ferida. Ele indica se ela está produzindo muita secreção e se há proliferação de bactérias. Como o curativo inteligente consegue monitorar essas mudanças em tempo real, a reação às complicações pode ser feita rapidamente, evitando, por exemplo, que a presença de bactérias aumente.
Contato com sensores
Apesar de promissora, a solução, segundo Werciley Júnior, não deve chegar rapidamente a clínicas e hospitais. ;Primeiro, porque é um dispositivo eletrônico. Por isso, é preciso ver se a ferida pode danificar os sensores;, justifica. ;Outra coisa é o uso do antibiótico. Eles escolheram o tipo tópico, que questionamos bastante. O importante é que a substância chegue à parte debaixo da pele, e a gente geralmente só consegue isso com antibióticos orais. Além disso, se estamos falando tanto atualmente em diminuir o uso de antibióticos, será que um dispositivo que libera esse medicamento constantemente é a melhor opção?;, questiona.
No estudo atual, a equipe apresentou o dispositivo. Os testes clínicos estão previstos. ;Esse é o passo mais importante daqui para a frente;, conta Sonkusale, que ressalta que a solução poderá ser usada em outras intervenções médicas. ;Essa tecnologia é uma plataforma. Ferimentos estão entre os ambientes biológicos mais complexos para se trabalhar. Outras condições, como lesões musculares, também poderão ser monitoradas e tratadas.;
* Estagiário sob supervisão de Carmen Souza