Considerado símbolo de bom presságio pelos marinheiros ; a menos que você o ataque, como acontece no poema do americano Samuel T. Coleridge ;, o albatroz está entre os voadores mais eficientes do reino animal. Em um único dia, consegue percorrer cerca de 800 quilômetros batendo as asas. A façanha é resultado de uma técnica chamada voo dinâmico, que permite a esse pássaro planar e mergulhar entre camadas de ar com velocidades distintas. Engenheiros do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, o MIT, nos Estados Unidos, criaram um planador autônomo que usa a mesma estratégia para percorrer longas distâncias sem o uso de motores.
Quando o vento está forte, o aeromodelo se mantém normalmente no ar. Porém, em ventos mais calmos, tem uma quilha que encosta na superfície da água e o permite se mover como um barco à vela. O planador pesa menos de três quilos, voa entre três e 10 vezes mais rápido do que um veleiro comum e usa apenas um terço do vento necessário para manter um albatroz no ar.
Em mar aberto, a invenção pode percorrer longas distâncias e, em tese, se manter no ar por tempo indeterminado, pois é raro que não haja vento nesse ambiente. De acordo com os engenheiros, um esquadrão autônomo dos veículos poderá monitorar grandes áreas no oceano, coletando informações sobre o clima e sobre a vida marinha.
;Os oceanos são muito vastos, e é chocante o quão pouco nós entendemos sobre eles. Não temos a tecnologia para monitorá-los de forma eficiente. Por isso, eu imagino centenas de planadores percorrendo os oceanos e coletando dados para cientistas;, diz Gabriel Bousquet, que liderou o projeto, apresentado na Conferência Internacional de Robótica e Automação, em Brisbane, na Austrália.
Antes de criar o planador, Bousquet estudou o comportamento dos albatrozes. Características como a habilidade de percorrer grandes distâncias gastando pouca energia e de ficar meses no ar ; esse pássaro só costuma voltar para terra firme na época do acasalamento ; chamaram a atenção do pesquisador. Em outubro passado, ele descreveu matematicamente o voo da ave em um artigo na revista Interface.
Entre camadas de ar
Para se manter no ar, o albatroz voa entre camadas de ar com velocidades diferentes. A cada vez que mergulha sobre ou entre elas, ganha um pouco de velocidade. Usando rastreadores de GPS nas aves, Bousquet constatou que elas voam em curvas relativamente suaves, de 60; em média, entre as correntes. Ele e colegas usaram essa descoberta para projetar um planador com 3 metros de asa, de ponta a ponta. Para aumentar a autonomia da peça, adicionaram à estrutura uma quilha, que permite que ela se mova como um barco quando a brisa está fraca.
;Na prática, a quilha se parece com uma terceira asa, vertical, estendendo-se da barriga do planador;, conta Bousquet. ;A sua ponta foi projetada para entrar na água quando o robô está a 50 centímetros da superfície. Nós calculamos que ele precisa de ventos de apenas 9,2 km/h, que é muito pouco vento, para viajar a 35 km/h, o que é muito rápido para um barco à vela. Além disso, o seu alcance é virtualmente infinito, limitado somente pelo desgaste dos materiais.;
O teste ocorreu no Rio Charles, que corta o estado de Massachusetts. O planador foi equipado com GPS, piloto automático e sensores de ultrassom para que seus criadores pudessem medir sua altura em relação à água. Puxado por um barco até atingir 32 km/h, passou a voar de forma autônoma e, com um comando dos pesquisadores, desceu até a linha d;água para navegar.
;A velocidade do vento fica maior quanto mais alto se sobe. O albatroz, que inspirou o conceito, retira energia das camadas mais altas, mais rápidas, para voar nas camadas mais lentas;, explica Francisco Souza, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Uberlândia, em Minas Gerais.
Para o professor, a invenção será muito útil para o uso em grandes corpos d;água, como lagos, represas e oceanos. ;Tecnicamente, ela não precisaria parar nunca, a menos que seja preciso fazer uma manutenção ou que haja ventos muito fracos, o que não é comum. O planador é fantástico nesse sentido;, disse.
;Ele foi criado e otimizado para o uso em oceanografia, para voar muitos e muitos quilômetros;, concorda Mateus Miranda, professor de engenharia automotiva e aeroespacial da Universidade de Brasília, câmpus Gama. ;Um drone comum tem autonomia muito limitada, e é muito complicado percorrer essas distâncias de barco;, compara.
Gás carbônico
Segundo Bousquet, uma das aplicações mais imediatas para a tecnologia é o monitoramento de como os oceanos interagem com o gás carbônico na atmosfera. Por um lado, eles ajudam a absorver o excesso do gás produzido pela humanidade. Por outro, esse processo aumenta a acidez das águas e pode prejudicar a vida marinha.
;A forma como o CO2 é absorvido é comandada por processos muito complicados, relacionados à física, à biologia e à química;, diz o pesquisador. ;Entendê-los requer um monitoramento local. O Oceano Antártico, em particular, é um dos que mais absorvem o gás. Porém, como ele tem muito vento e é muito remoto, está entre os menos estudados.;
Segundo Bousquet, o insight que ele e os colegas tiveram é cada vez mais comum nas ciências. ;De forma mais geral, estamos vivendo uma época muito animadora, na qual a engenharia está se tornando avançada o suficiente para copiar inspirações da natureza;, diz. ;Pense em como os morcegos são ágeis ao voar. Ainda existe um grande abismo entre a performance dos animais e os sistemas construídos por nós, e eu espero que, na próxima década, várias ideias da natureza sejam aproveitadas.;
* Estagiário sob supervisão da subeditora Carmen Souza