Especialmente depois das eleições norte-americanas de 2016, quando uma máfia russa plantou informações falsas sobre a candidata democrata, Hillary Clinton, nas redes sociais, a preocupação com as fake news se intensificou não só no meio político, mas no acadêmico. A constatação de especialistas em tecnologia, comunicação, sociologia e psicologia é de que, por enquanto, o mundo está diante de um inimigo imbatível. Pouco se sabe sobre o fenômeno, tanto no que diz respeito à motivação do usuário para compartilhar os boatos quanto aos padrões de disseminação das mentiras pela internet.
Para investigar essa segunda questão, Soroush Vosoughi e Deb Roy, do Laboratório de Mídia da instituição norte-americana, e Sinan Aral, da Faculdade Sloan de Gestão do MIT, realizaram o maior estudo longitudinal sobre o espalhamento das fake news no ambiente virtual. Eles se debruçaram sobre todas as histórias falsas e verdadeiras verificadas por seis organizações independentes de checagem de fatos que foram distribuídas no Twitter de 2006 a 2017. Os pesquisadores analisaram aproximadamente 126 mil tuítes em cascata ; quando uma postagem é replicada em cadeia sobre notícias falsas e verdadeiras compartilhadas por 3 milhões de pessoas, 4,5 milhões de vezes. Os resultados surpreenderam os pesquisadores por revelarem padrões diferentes dos imaginados.
Um dos focos de interesse da equipe era descobrir o que faz um tuíte ser compartilhado em cascata. A primeira constatação foi de que informações falsas são disseminadas mais rápido e têm um alcance bem maior do que as verdadeiras. Isso, independentemente do teor: matérias de política, saúde, ciência, economia ou sobre tragédias e fenômenos naturais. No geral, as fake news têm 70% mais chance de serem retuitadas do que as reais, diz o trabalho, publicado na edição desta semana da revista Science.
Embora esse não tenha sido o escopo do estudo, os pesquisadores acreditam que isso ocorre pelo caráter quase sempre surpresa das notícias falsas que, justamente por não terem compromisso com a verdade, podem ser tão ;emocionantes; quanto uma obra ficcional. Um monitoramento da versão norte-americana do site BuzzFeed sobre as fake news mais compartilhadas no Facebook no ano passado dá uma amostra disso: ;Babá é hospitalizada após inserir bebê na vagina; ficou em primeiro lugar, por exemplo.
Romanceadas
A equipe quis verificar se, de fato, usuários do Twitter tendem a repassar mais informações no estilo romanceado e, para isso, conduziu outra pesquisa paralela. ;As fake news que se espalham mais rápido são mais ;inéditas; e romanceadas. Esse tipo de notícia falsa é a que tem maior quantidade de compartilhamento;, observa Soroush Vosoughi. ;As histórias falsas inspiram sensações como medo, nojo e surpresa. Por outro lado, as verdadeiras trazem mais comentários com conteúdo expressando tristeza, alegria ou confiança;, continua.
Segundo Sinan Aral, embora seja preciso investigar melhor essa questão, teorias da ciência da informação podem oferecer explicações. ;A novidade atrai a atenção humana porque atualiza nossa compreensão do mundo. Quando a informação é nova, não é só surpreendente, mas mais valiosa, no sentido de que aquele que a possui ganha status social;, diz.
Os cientistas também queriam saber quem é o maior responsável pela disseminação das mentiras. Para tanto, utilizaram um algoritmo para eliminar os bots do universo de pesquisa. Descobriram que o homem é o principal redistribuidor de fake news. Outra constatação inesperada foi a de que os usuários que espalham notícias falsas reproduzidas em cascata não são populares: no geral, têm poucos seguidores e não são tão ativos na rede.
Para os pesquisadores, essas descobertas merecem estudos adicionais, que aprofundem o conhecimento sobre fake news. ; Esperamos que nosso trabalho inspire mais pesquisa de larga escala sobre as causas e as consequências da disseminação das notícias falsas, assim como as curas em potencial;, escreveram no artigo.
"A novidade atrai a atenção humana porque atualiza nossa compreensão do mundo. Quando a informação é nova, não
é só surpreendente, mas mais valiosa, no sentido de que aquele que a possui ganha status social;
Sinan Aral,pesquisador do Instituto Tecnológico de Massachusetts
70%
Maior chance de fake news serem retuitadas, quando comparadas a informações verídicas
Esforço conjunto
A escalada das fake news preocupa um grupo de 15 cientistas que, na edição desta semana da revista Science, fez uma chamada global para tentar combatê-las. ;O que nós queremos transmitir é que as fake news são um problema real, um problema complicado, e que requer pesquisa séria para solucionar;, diz um dos coautores do artigo, Filippo Menczer, professor da Faculdade de Informática, Computação e Engenharia da Universidade de Indiana. Segundo ele, é necessária uma investigação coordenada sobre os mecanismos sociais, psicológicos e tecnológicos por trás das notícias falsas.O artigo estima que o número de bots no Facebook seja 60 milhões, e 48 milhões no Twitter, com base em um estudo recente de Menczer. Diminutivo de robô, os bots são softwares que simulam a ação humana na internet ; como postar e replicar informações. ;Disseminadores de fake news estão usando métodos cada vez mais sofisticados. Se não tivermos informação quantificável suficiente sobre o problema, nunca seremos capazes de planejar intervenções que funcionem. Esse artigo é realmente uma chamada a grupos de acadêmicos, jornalistas e da indústria privada pelo globo para trabalhar juntos e atacar o problema;, diz Menczer.
Isso inclui companhias de tecnologia que criam plataformas usadas para produzir e consumir informação, como Google, Facebook e Twitter. Os autores sustentam que essas empresas têm uma ;responsabilidade ética e social que transcende as forças do mercado; para contribuir com a pesquisa científica sobre as fake news. Além disso, os cientistas destacam que a informação falsa afeta não apenas a esfera política, mas áreas como saúde pública (um exemplo são os boatos de que vacina causa autismo) e mercado financeiro. Eles dizem que o problema é particularmente intratável, porque algumas pesquisas descobriram que repetir uma mentira para corrigi-la pode, no lugar disso, fazer com que a fake news se arraigue no cérebro.
Uma solução proposta por Menczer é pesquisar rigorosamente a efetividade de cursos voltados a estudantes de ensino médio que ajudem os jovens a reconhecer fontes falsas de notícias. Ele também sugere mudanças específicas nos poderosos algoritmos, que, cada vez mais, controlam o acesso das pessoas às informações on-line. ;O desafio é que há tantas vulnerabilidades que ainda não entendemos e que há tantas peças diferentes que podem ser usadas para manipular, quando se trata de fake news. É um problema muito complexo que deve ser atacado de todo ângulo possível.;