Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

App de celular identifica problemas no carro por meio da análise de sons

O invento está sendo desenvolvido por cientistas do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, e busca facilitar o trabalho de mecânicos

Alguns problemas mecânicos no carro tomam uma proporção tão grande que é difícil ignorar os sinais. O veículo fica mais lento, demora para acelerar, vibra demais ou faz barulhos estranhos. Outros contratempos são mais delicados, e apenas um ouvido treinado consegue detectá-los. Há ainda os que aparecem apenas para equipamentos profissionais, durante uma revisão ou um exame mais detalhado na oficina.

Pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, querem facilitar o trabalho dos mecânicos, e também a vida dos donos de carro. Eles trabalham no desenvolvimento de um sistema com o qual qualquer pessoa conseguirá descobrir até o mais sutil dos problemas, como um filtro de ar sujo, sem muito trabalho.

Em uma série de pesquisas ; a mais recente publicada na revista Engineering Applications of Artificial Intelligence ;, a equipe americana demonstra que a façanha é possível combinando ferramentas disponíveis em smartphones comuns e um algoritmo de inteligência artificial. Segundo os criadores, os aparelhos telefônicos mais modernos são tão sensíveis que será possível fazer um bom trabalho de detecção sem precisar recorrer a equipamentos profissionais.

A ideia é juntar as descobertas de quatro trabalhos já divulgados em um único aplicativo para smartphone. ;Cada técnica funciona de forma diferente, mas, no geral, nós coletamos dados de sensores sonoros ou de movimento e ensinamos a algoritmos de inteligência artificial como são os dados característicos de um problema. Nosso software aprende essas ;impressões digitais; e pode detectar o tipo de falha que um veículo tem ao compará-las com dados históricos;, explica Joshua Siegel, um dos autores da pesquisa mais recente, que usou o sistema para verificar a condição de filtros de ar.

As peças de um carro produzem vibrações e sons únicos. Se estão com algum problema, esses padrões mudam, o que pode ser detectado pelo celular, segundo os cientistas do MIT. Falhas nas velas de ignição do motor, por exemplo, criam barulhos e vibrações mais fortes do que o normal. Em um filtro de ar sujo, cria-se um som mais agudo quando o ar tem pouco espaço para passar. Além desses sinais sonoros, o algoritmo utiliza dados de GPS e do acelerômetro do aparelho para monitorar as vibrações.

;Problemas na ignição foram detectados com 99% de precisão e nenhum falso positivo;, conta Siegel. ;Para desbalanceamentos nas rodas, houve mais de 90% de precisão. A pressão dos pneus, que podemos detectar entre cinco estados de calibração possível, teve mais de 80% de acerto. Para a condição do filtro, que é a mais difícil para um smartphone detectar, nós tivemos pouco menos de 80% de precisão;, complementa.

Pontos estratégicos


Os testes foram feitos com carros alugados de diferentes marcas, cujos defeitos foram provocados pelos pesquisadores. Para detectar problemas no motor, por exemplo, é preciso captar o som de dentro do capô colocando o smart-phone sobre a peça, na parte de fora. O motor fica ligado, e o carro, parado.

A checagem sonora da condição dos pneus é um processo um pouco mais complicado. O celular deve estar em um suporte fixo instalado no painel do carro, como os utilizados por motoristas de aplicativos de carona, e o veículo deve andar por alguns minutos para a coleta suficiente de dados.

Siegel chama a atenção para a utilidade preventiva da solução. ;Por meio do uso de monitoramento em tempo real, somos capazes de detectar pequenos problemas antes que eles se tornem grandes;, explica. ;Além disso, uma detecção precoce pode economizar dinheiro em combustível, reduzir a chance de uma quebra e tornar o veículo mais confortável ao diminuir barulhos e vibrações inconvenientes.;

Prevenção


Segundo Evando Leonardo Silva Teixeira, professor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB), no câmpus do Gama, soluções similares já são utilizadas na indústria. ;Usando o celular, foi um dos primeiros trabalhos que vi;, complementa. ;Há uns três, quatro anos, essas técnicas eram impossíveis em um celular. E, dependendo da forma como elas foram feitas agora, ainda são impossíveis;, pondera.

O professor explica que existem três formas de fazer a manutenção de um automóvel: a corretiva, a preventiva e a preditiva. A primeira, e muito comum, ocorre quando se conserta algo que quebrou. A preventiva é a mais recomendada, mas também apresenta algumas falhas. ;A indústria faz estudos em cima de uma série de dados e diz que um componente deve ser trocado de tempos em tempos;, explica Teixeira. ;No caso do filtro de ar, é a cada 10 mil quilômetros. Mas se você está em uma cidade com um ar relativamente limpo, você está trocando o filtro sem precisar, ao mesmo tempo em que, se você dirige em um lugar com muita poeira, muita terra, o indicado é trocá-lo um pouco antes;, ilustra.

Com a manutenção preditiva, por outro lado, pode-se verificar constantemente a condição de uma peça e trocá-la apenas quando necessário. O princípio proposto pelos cientistas do MIT é o mesmo por trás do que sustenta as idas regulares ao médico a fim de evitar problemas graves de saúde. Porém, o que até agora só era possível com equipamentos sofisticados tem potencial para ser carregado no bolso. ;A ideia que os pesquisadores estão buscando é utilizar um dispositivo que você tem à mão, em vez de botar mais equipamentos no carro, o que aumentaria o preço;, afirma Teixeira.

Segundo Siegel, por enquanto, a solução desenvolvida por ele e os colegas consegue detectar problemas comuns de motor e suspensão. ;Mas há muito mais a caminho, como o diagnóstico para freios e até defeitos na superfície das estradas;, adianta. ;Nós continuamos a coletar dados para tornar nosso software mais robusto, para que ele possa ser usado em qualquer veículo com rodas ; seja uma motocicleta, um carro ou um caminhão, usando gasolina, diesel ou eletricidade. Assim que tivermos mais dados, devemos ser capazes de lançar um aplicativo para smartphones em pouco tempo;, diz.

* Estagiário sob a supervisão da subeditora Carmen Souza