Essas tecnologias já existem, embora ainda não sejam usadas em larga escala, e há um mundo de olho nelas. Foi por conseguir elaborar algoritmos que possibilitam coisas como captação de movimentos para soluções em 3D e 4D que o pesquisador e engenheiro alemão Christian Theobalt ganhou o prêmio de talento revelação do evento Inventores do Ano, congresso de inovação realizado anualmente pela Siemens. Todos os anos, a empresa elege um talento em pesquisa de novas tecnologias cujo trabalho é desenvolvido fora da empresa, mas abrigado por ela em um sistema de parcerias e colaborações responsável, hoje, por boa parte da produção de tecnologia da multinacional alemã.
Especialista em análise e síntese de imagem em 3D, captura óptica de movimentos, realidade virtual aumentada, câmera time of flight (construída com base em conhecimentos relativos à velocidade da luz) e em sistemas capazes de ensinar as máquinas a aprender, Theobalt foi premiado por uma tecnologia na qual trabalha há mais de 10 anos. ;O que nos motiva a desenvolver esse tipo de estrutura algorítmica são as novas percepções de habilidades que futuros sistemas de computadores ou sistemas autônomos, como os robôs, vão precisar para entender o mundo humano e para interagir;, diz. É um passo importante no caminho para a automação, o sonho de todos os cientistas que trabalham com esse tipo de tecnologia: criar robôs capazes de reproduzir comportamentos humanos e melhorar a qualidade de interação da inteligência artificial com os homens.
A pesquisa de Theobalt e sua equipe de 13 cientistas quer eliminar sensores e marcadores durante o processo de captura de movimentos humanos e transferir essa função para uma única câmera. Pode parecer pouco, mas o impacto da aplicação desse tipo de tecnologia é enorme e vai desde a indústria em larga escala até o entretenimento. As câmeras conseguem captar os movimentos a partir de características naturais da cena, e os dados são imediatamente transferidos para os computadores. No campo da realidade aumentada, é um avanço e tanto. Theobalt conta que é possível fazer captações com precisão usando apenas uma câmera. No cinema, por exemplo, será possível criar personagens tão verossímeis quanto atores e atrizes.
Entre os interesses de Theobalt, está a possibilidade de interação entre homens e robôs e como a inteligência artificial poderá aperfeiçoar e auxiliar processos humanos. Segundo ele, o trabalho premiado pela Siemens vai ter um impacto direto em várias áreas, especialmente na indústria, que poderá criar um sistema de aprendizado tão refinado que robôs poderão executar boa parte do que, hoje, apenas humanos conseguem. A pesquisa é uma entre as centenas desenvolvidas ou apoiadas pela empresa, que há 10 anos decidiu investir na criação de softwares responsáveis pela digitalização da indústria e do mercado.
Aos 41 anos, o pesquisador dá aulas na Saarland University, em Saarbrücken (Alemanha), e comanda o grupo de pesquisa Graphic, vision & videos, no Instituto de Informática Max Planck. A partir dos resultados da pesquisa, ele fundou a The captury, empresa spin off (que surge a partir da cisão entre empresas já existentes) criada para produzir vídeos sem marcadores e guiados apenas por câmeras. Durante a premiação na Siemens, Theobalt contou que não quis vender a tecnologia a multinacionais da tecnologia, porque foca em uma utilização responsável do invento.
Investimento
O evento que celebra os inovadores da Siemens costuma premiar também engenheiros e pesquisadores internos da empresa, que hoje detém mais de 60 mil patentes de softwares e produtos de inovação tecnológica. ;A inovação tecnológica depende de sua implementação. E, hoje, nenhum de nós pode dizer o que será desenvolvido amanhã. Os inventores são responsáveis por compartilhar e espalhar os ciclos de inovação;, disse Roland Busch, diretor de tecnologia da empresa (CTO), ao apresentar os premiados de 2017.
Boa parte do capital da empresa não está em produtos físicos, mas em tecnologia desenvolvida para áreas como robótica, equipamentos médicos, mobilidade urbana, automação, conectividade, captação e distribuição de energia limpa, cibersegurança e inteligência artificial. ;Há 10 anos, decidimos que teríamos de colocar mais capital no espaço digital e investimos, desde então, mais de 10 bilhões de euros construindo um portfólio digital;, explicou Busch. O investimento coloca a Siemens na lista das 10 maiores companhias de softwares do mundo e traz uma receita de 5,2 bilhões de euros. ;Isso mudou muita coisa, trouxe um novo modelo de negócios. Antes disso, não sabíamos vender softwares.;
Christian Theobalt, pesquisador da Saarland University e vencedor do prêmio Inventores do Ano (2017), na categoria
* A repórter viajou a convite da Siemens
Três perguntas para
Talento Revelação
Qual o maior impacto que sua invenção vai criar?
É um pouco difícil de dizer. No momento, estamos canalizando isso para uma empresa spin off e muitos dos nossos clientes são da área de esportes e do campo médico. Podemos, por exemplo, ajudar cientistas que trabalham com esportes, e já temos times que usam essa tecnologia para os treinamentos. No futuro, isso vai ser muito mais intrínseco a várias tecnologias que farão parte da nossa vida diária. No futuro, a habilidade de um robô que trabalha em uma fábrica poderá incorporar o que um humano faz de maneira a interagir com segurança. Isso, definitivamente, é algo que vamos ver muito. Realidade virtual aumentada e, particularmente, a telepresença, são coisas que realmente terão grande impacto se trabalharmos em um nível imersivo. Não estamos desenvolvendo isso para uma aplicação específica, mas muito do que fazemos pode também mudar a maneira como o conteúdo é criado para filmes, jogos e no campo da realidade virtual. É muito difícil para o homem trabalhar com realidade virtual e, com as técnicas que estamos desenvolvendo, podemos acelerar muito esse processo, o simplificando.
Como não ficar com medo da automação que o refinamento da inteligência artificial (IA) pode trazer? Isso pode significar, por exemplo, menos empregos?
Acho que a tecnologia que desenvolvemos tem mais potencial de nos ajudar na maneira como vivemos, trabalhamos e comunicamos do de que nos atrapalhar. Ao mesmo tempo, temos de olhar quais são as consequências. As pessoas que trabalham no ambiente que vai receber a inteligência artificial podem ter de se reajustar e, talvez, isso requeira novas qualificações. E algumas dessas tecnologias também podem ser usadas para desenvolver aplicações que nós, cientistas e sociedade, não queremos apoiar. Isso, em várias áreas. Uma tecnologia pode tornar o trabalho com um robô mais seguro, mas pode, ao mesmo tempo, ser usada para machucar alguém. Isso, no momento, é uma das maiores discussões. Eu não tenho medo disso, porque acredito que é a única coisa que temos de fazer, e precisamos fazer isso, mas também temos de discutir com a sociedade e com especialistas treinados que possam falar de um viés independente.
Você falou sobre responsabilidade na utilização da sua pesquisa e que, por isso, não quis vender a tecnologia que está desenvolvendo para grandes empresas americanas. Por quê?
Há certas coisas para as quais queremos que a tecnologia que inventamos seja usada e há outras coisas que não gostaríamos de ver. Por exemplo: temos um sistema de reconhecimento facial muito bom, em tempo real, que nos permite criar cenários de telepresença virtual. Conseguimos reconhecer se alguém está cansado e não deveria, por exemplo, estar dirigindo. Ao mesmo tempo, você poderia usar isso, já que a tecnologia funciona tão bem, para, ao contrário, editar vídeos. Você pode reconstruir os modelos tão bem que pode ser usado para modificar as linhas do rosto. Isso é muito bom para fotografia, edição de vídeo, mas você não gostaria de usar isso para criar mudanças de expressão que não consiga controlar. Isso pode ser usado, por exemplo, para zombar de alguém. E isso é algo que eu não gostaria. Por isso digo que quero manter a pesquisa sob controle.
* A repórter viajou a convite da Siemens