Os jogos digitais são efetivos para ensinar às crianças refugiadas novas habilidades, ao mesmo tempo em que melhoram sua saúde mental, descobriram pesquisadores da Universidade de Nova York (UNY), da Universidade da Cidade de Nova York, ambas nos Estados Unidos, e da Universidade Bahcesehir da Turquia. O estudo, feito com refugiados sírios, sugere que os games podem ser uma abordagem econômica e efetiva para satisfazer as necessidades educacionais e psicológicas dos pequenos que foram obrigados a sair de casa devido a crises humanitárias.
;Nossa esperança é que esse estudo mostre que, mesmo com recursos limitados e mesmo quando há barreiras linguísticas, podemos fazer a diferença na vida das crianças por meio da tecnologia;, diz Selcuk Sirin, professor de psicologia aplicada da Universidade de Nova York e pesquisador da iniciativa, chamada Projeto Hope.
A Turquia é o principal país anfitrião de refugiados do mundo, com mais de 3 milhões de sírios vivendo em seus acampamentos. A equipe de pesquisadores da UNY, em parceria com a Universidade de Bahcesehir, foi a primeira a documentar as necessidades educacionais e de saúde mental das crianças refugiadas sírias, constatando que uma maioria esmagadora não está matriculada nas escolas turcas, em parte, devido a barreiras linguísticas. Além disso, metade delas sofre de transtorno de estresse pós-traumático e/ou depressão.
Em resposta à crise educacional e psicológica entre as crianças refugiadas, os pesquisadores da UNY e da Bahcesehir recrutaram colegas com conhecimentos profundos em tecnologia educacional e criaram uma intervenção de aprendizagem baseada em jogos on-line para os pequenos. ;Ficamos entusiasmados com a oportunidade de aplicar nossa pesquisa para ajudar a atender às necessidades urgentes de crianças refugiadas, necessidades que não poderiam ser atendidas com a prestação de serviços tradicionais. Em vez disso, aproveitamos o poder da mídia digital;, conta Jan Plass, professor de mídia digital e ciências da aprendizagem na UNY e pesquisador do projeto.
Além de fornecer oportunidades de educação digital baseada em jogos para melhorar a proficiência da língua turca e incrementar funções executivas e habilidades de codificação, o projeto pode diminuir a angústia e aumentar a esperança dos pequenos. Para testar a eficácia da proposta, os pesquisadores realizaram um estudo piloto em Urfa, Turquia, uma cidade na fronteira com a Síria e que abriga o maior assentamento de refugiados no país. O estudo incluiu 147 crianças de 9 a 14 anos. Os pesquisadores dividiram os pequenos aleatoriamente, sendo que parte foi inserida na intervenção, e outra, na lista de espera ou no grupo de controle.
Partidas diárias
As crianças que participaram da intervenção foram inseridas em sessões diárias de duas horas durante quatro semanas, totalizando 40 horas. O currículo do Projeto Hope inclui uma combinação de cinco jogos digitais, como o popular Minecraft, que foi usado para avaliar a saúde mental e a esperança das crianças; o Code.org, para treinar programação, entre outros. A cada semana, os pequenos respondiam a pesquisas para descrever a satisfação com os diferentes jogos, onde tinham de dizer o quanto eles gostaram, o quanto aprenderam e se os recomendariam. Em geral, a satisfação foi alta, e as crianças relataram que estavam aprendendo bastante. Além disso, os participantes tiveram melhoras em todos os outros parâmetros avaliados após quatro semanas.
Em um esforço para melhorar a proficiência da língua turca, elas foram apresentadas a mais de 200 palavras do idioma por meio da plataforma de tecnologia de aprendizagem adaptável Cerego. Os pesquisadores avaliaram a linguagem dos participantes da pesquisa após a intervenção e constataram que a melhora nas habilidades da língua foi significativamente maior entre o grupo da intervenção. Além disso, eles mediram as funções executivas dos pequenos refugiados, ou a capacidade de planejar, monitorar e alterar os comportamentos. Essas habilidades cognitivas básicas foram associadas à melhoria da saúde e do bem-estar, além de impactos positivos no aprendizado.
As crianças também aprenderam uma habilidade crítica do século 21: a codificação. O Code.org usa uma abordagem baseada em jogos para ensinar os fundamentos dessa área do conhecimento, como condicionais, algoritmos, depuração, funções e cidadania digital. Para concluir um nível no Code.org, é preciso demonstrar competência no conceito que está sendo ensinado. Em média, as crianças do projeto completaram 182 níveis em quatro semanas.
Atenção melhorada
Os videogames estão se tornando cada vez mais comuns e apreciados por adultos: a idade média dos jogadores tem aumentado e foi estimada em 35 anos. As mudanças tecnológicas também significam que um universo maior de pessoas está exposto aos jogos eletrônicos. Afinal, não é preciso mais ficar em frente a uma mesa ou a um console. Um novo perfil de gamers casuais surgiu, graças a smartphones e tablets, acionados em diversos momentos do dia. Ao mesmo tempo em que já se sabe que essa forma de entretenimento está mais usual do que nunca, não se tem ainda a resposta sobre os efeitos que ela pode exercer sobre o cérebro e o comportamento.
Para tentar responder a essa questão, um grupo de pesquisadores coletou e resumiu estudos que investigaram se, de fato, os videogames podem moldar a atividade cerebral. Até agora, os resultados indicam que os jogos têm potencial de alterar regiões cerebrais responsáveis pela atenção e por habilidades visuoespaciais, tornando-as mais eficientes. Os cientistas, que publicaram um artigo sobre esse estudo na revista Frontiers in Human Neuroscience, também analisaram pesquisas que exploram regiões cerebrais associadas ao sistema de recompensas e como elas estão relacionadas ao vício em games.
O principal autor do trabalho, Marc Palaus, da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha, lembra que, ao longo dos anos, a mídia fez várias afirmações sensacionalistas sobre videogames e seus efeitos na saúde e na felicidade. ;Às vezes, os jogos foram elogiados. Outras, demonizados. E, muitas vezes, sem dados reais apoiando essas afirmações. Além disso, o jogo é uma atividade popular. Então, todos parecem ter opiniões fortes sobre o tema;, argumenta. Palaus e os colegas coletaram os resultados de 116 estudos científicos, 22 dos quais analisaram as mudanças estruturais no cérebro e 94 analisaram as mudanças na funcionalidade e/ou no comportamento do órgão.
Os estudos mostram que jogar videogames pode, sim, alterar a forma como os nossos cérebros executam funções e até alterar a sua estrutura. Por exemplo, os games afetam a atenção, e algumas pesquisas descobriram que os jogadores exibem melhorias em vários tipos de atenção, como a sustentada (habilidade de manter o foco durante uma atividade contínua e repetitiva) e a seletiva. As regiões cerebrais envolvidas nessas funções também são mais eficientes nos jogadores e exigem menos ativação quando é preciso se concentrar em tarefas exigentes. Também há evidências de que os videogames podem aumentar o tamanho e a eficiência das regiões cerebrais relacionadas às habilidades visuoespaciais. Por exemplo, o hipocampo direito é maior em gamers habituais, que foram acompanhados a longo prazo.
Vício
Porém, há risco de dependência, vício chamado de distúrbio de jogo pela internet. Os pesquisadores encontraram mudanças funcionais e estruturais no sistema de recompensas neurais em adictos ao jogo quando monitoraram as respostas neurais durante exposição aos games. Essas alterações são basicamente as mesmas que as observadas em outros transtornos aditivos, como o alcoolismo. ;No estudo, nós nos concentramos em como o cérebro reage à exposição ao videogame, mas esses efeitos nem sempre se traduzem em mudanças da vida real;, conta Marc Palaus.
Como os jogos para tablets e celulares são bastante novos, ele observa que a pesquisa sobre seus efeitos ainda está na primeira infância. ;Por exemplo, estamos investigando quais aspectos dos jogos afetam quais regiões do cérebro e como. É provável que os games tenham tanto aspectos positivos quanto negativos. Por isso, é essencial que levemos em consideração essa complexidade;, explica o pesquisador.