Por questões geopolíticas, o governo norte-americano não possui relações diplomáticas com o Irã, e portanto, não mantém embaixadas ou qualquer representação política no país ; mas como ficam centenas de cidadãos dos EUA que visitam o país do Oriente Médio a trabalho ou a passeio? E os cidadãos árabes que querem, por exemplo, estudar nos EUA? A solução para o problema, anunciada na semana passada pela secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, veio do mundo tecnológico. Para ajudar quem precisa de serviços governamentais e atualmente só conta com uma ajuda indireta, via Embaixada da Suíça, será aberta no Irã a primeira embaixada virtual dos EUA. A iniciativa é um exemplo de como a internet pode se tornar uma ferramenta importante para ajudar governos e populações a vencerem barreiras políticas, geográficas e econômicas em um mundo cada vez mais integrado.
Se a oferta de serviços públicos pela internet, o chamado e-gov, é tão frequente no exterior que já se torna uma alternativa para driblar empecilhos diplomáticos, no Brasil, ela ainda engatinha. Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Mpog) são oferecidos hoje no Brasil pelo menos 500 serviços à população pela rede mundial de computadores. As opções vão desde uma simples consulta da situação cadastral do CPF até questões mais complexas, como a participação em audiências governamentais e o pagamento de impostos.
Segundo o diretor do Departamento de Governo Eletrônico do Mpog, João Batista Ferri de Oliveira, a ação do governo na internet é uma forma de aproximar o governo da população. ;Trata de uma forma de democratizar o acesso aos serviços públicos;, conta o gestor. Ele explica que os serviços funcionam como uma espécie de primeiro contato entre as pessoas e o poder público. ;A ideia é que as pessoas comecem utilizando os serviços e passem a optar por outras formas de interação pela internet, como a participação em consultas públicas e na busca de direitos;, conta.
Atualmente, cerca de 60% da população utilizam serviços públicos da maneira tradicional, presencial. Quando analisados os dados de quem utiliza serviços ; quaisquer que sejam ; pela internet, esse percentual cai para apenas 35% dos cidadãos. Entre as empresas, ocorre o inverso. Enquanto 22% fazem uso dos serviços públicos presenciais, 79% usam a web como ferramenta para lidar com a burocracia, segundo a Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil- Governo Eletrônico, de 2010, conhecida como TIC E-gov, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br).
Os dados da pesquisa do CGI-Br revelam que nem tudo são flores quando o assunto é o acesso dos cidadãos às soluções on-line do governo. Apenas 26% das pessoas afirmaram se sentir seguras prestando informações pessoais em sites governamentais. ;A gente ouve todo dia na televisão que clonaram isso ou aquilo. Os hackers podem usar meu CPF e fazer um empréstimo ou comprar um carro e daí eu fico com o nome sujo;, afirmou um dos cidadãos ouvidos na pesquisa. Além disso, 59% relataram que as páginas demoram a carregar, 48% não encontraram a informação desejada e 35% não conseguiram achar nos sites os serviços que estavam procurando.
Exclusão
Outro problema que afasta os cidadãos das iniciativas do e-gov é a falta de acesso ao mundo virtual. Diferentemente do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos, no Brasil, a web não é uma realidade para todos. Segundo dados do Ibope Nielsen Online, o acesso à internet em qualquer ambiente ; nos domicílios, no trabalho, nas escolas, em lan houses ou em outros locais ; atingiu 77,8 milhões de pessoas no segundo trimestre de 2011. Esse número é 5,5% superior ao do segundo trimestre de 2010 e 20% maior que o mesmo período de 2009. Como segundo o último censo, feito em 2010, o Brasil tem pouco mais de 190 milhões de habitantes, isso significa dizer que apenas 40% dos brasileiros e brasileiras têm acesso direto ao mundo virtual.
De acordo com Aires José Hoover, pesquisador do Observatório do E-gov, núcleo de pesquisas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), o desafio de se ampliar os serviços públicos digitais está diretamente ligado à expansão do acesso à internet, ainda incipiente no interior do país. ;Certamente, essa deveria ser uma meta fundamental do governo ; ampliar e democratizar o acesso público à rede ;, além de regular o mercado para que seja oferecido um serviço acessível a todos, como a água e a eletricidade;, afirma o pesquisador. ;De qualquer maneira, temos que dar um certo tempo para que avance o processo, mantendo vigilância para que o mercado não seja o valor maior na definição dessa política;, completa.
Ele lembra que, para evitar que a presença do governo na internet se torne uma mera burocracia digital, é preciso focar não apenas na acessibilidade, mas na função da presença on-line do poder público. ;Em principio, toda forma de uso de TI a partir da qual os serviços do governo ficam mais acessíveis ao cidadão melhora a democracia, mas democracia vai muito além de acesso a serviços. E aí o nosso governo eletrônico falha, na medida em que não aprofunda o lado colaborativo e participativo da governança;, opina o catarinense. ;O governo eletrônico deve ir na direção da democracia eletrônica, senão apenas desenvolve a relação do ponto de vista do governo e muito pouco do ponto de vista do cidadão.;
Divulgação
Nas áreas em que o centro são as atividades estatais, como arrecadação de tributos e compras governamentais, o especialista afirma que os sistemas públicos de informação funcionam bem. ;Mas, nas áreas onde o centro é o cidadão, existem poucas iniciativas. É o caso da saúde e da educação;, opina Hoover.
Para João Batista Ferri de Oliveira, do Mpog, o grande problema não é a acessibilidade mas a divulgação dos serviços. ;Se considerarmos que muitas pessoas têm acesso em outros locais que não o trabalho e em casa, o acesso chega a uma parcela bem considerável da população, mas, fazendo um mea culpa, o governo precisa trabalhar melhor a informação para o cidadão sobre quais serviços estão disponíveis;, afirma o diretor do Departamento de Governo Eletrônico. A situação também foi traduzida pela pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil. Apenas 5% das pessoas ficaram sabendo dos serviços governamentais por anúncios e folhetos do governo; e 84% dos próprios usuários do e-gov acreditam que falta divulgação dos serviços governamentais oferecidos pela internet.
;Jeitinho; diplomático
Embora os Estados Unidos não possuam representação diplomática formal no Irã, os cidadãos dos EUA que precisam de algum serviço consular no país do presidente Mahmud Ahmadinejad utilizam uma solução adaptada. A Embaixada da Suíça, nação que adota a imparcialidade internacional, intermedeia todos os serviços, tanto para residentes quanto para viajantes que chegam e vão para os EUA. Um sistema semelhante é adotado na ilha de Cuba, que também possui relações turbulentas com o governo norte-americano.