Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Dependência de internet pode se transformar em obsessão.Conheça os sintomas



;Eu odeio, mas não consigo largar. Me dá angústia, me deixa triste. Fico horas e horas todos os dias. Me sinto um nada quando não estou conectado. Parece loucura. Chego da escola e venho direto aqui para o micro. Quando alguém me pergunta como foi meu dia, só digo ;Fiquei na internet;. Isso me deprime.; Este é o depoimento de um viciado em internet assumido, disponível na página do Instituto Psicoinfo, que trata dependentes em internet. O rapaz tem 17 anos e é identificado como MarcoX. Pelas palavras do jovem, dá para imaginar a angústia de pessoas dependentes da vida virtual.

Nas redes sociais, onde a interação entre os usuários é totalmente mediada pela web, há mais relatos de vício. No fórum da comunidade Viciados em Internet Anônimos, no Orkut, a adolescente K. D. assume a mania de se manter conectada. ;Já passei mais de 48 horas seguidas no PC. Quase todo fim de semana não durmo para ficar no computador. Deixo de fazer trabalhos e tiro notas ruins. Sei que me faz mal e que eu deveria maneirar, mas não consigo;, lamenta.

Um dos problemas enfrentados pelos netaddicted (termo sintético para viciados em internet) é a dificuldade de interação, ;resolvida; por meio da substituição do contato pessoal pelo virtual nas mídias sociais. Segundo o relatório mundial de Tecnologia Conectada da Cisco, deste ano, 72% dos universitários brasileiros entrevistados consideram a internet mais importante do que namorar e sair com os amigos. Quando o assunto é Facebook, rede social com 25 milhões de brasileiros, metade dos universitários entrevistados prefere o contato pela página ao ;ultrapassado; cara a cara.

A amostra também revela outro hábito de quem não desgruda da vida virtual: a interrupção de atividades, como trabalhos, estudos e lições de casa, para atualizar o perfil em redes sociais, enviar mensagens instantâneas e fazer ligações. A cada 10 minutos, por exemplo, um em cada cinco universitários afirma interromper atividades pelo menos uma vez.

A professora de inglês Natasha Bennett, 29 anos, mantém-se conectada o tempo todo. Seja na sala de aula, consultando aplicativos de tradução; na rua, atualizando as redes sociais e dando check-in onde quer que esteja; ou em casa: a mania de ficar on-line não acaba. Quem reclama é o marido, o profissional em TI Humberto Silva. ;A minha mulher acessa o Facebook até na cama;, revela. ;Semana passada tivemos uma briga por causa disso;, reconhece Natasha, que descobriu a imensidão de possibilidades da computação nas nuvens há seis meses, quando ganhou o primeiro celular inteligente.

Humberto, 29 anos, também não se afasta do uso ininterrupto da internet. ;Fico conectado 24 horas, pelo smartphone e pelo computador, em casa e no trabalho;, afirma. Ele e Natasha reconhecem a dependência tecnológica. ;A família me vê como o cara que está ligado o tempo todo na internet, que não consegue viver sem isso. Concordo que sou totalmente viciado na web, mas o meu nível de vício é saudável;, acredita Humberto. ;Acho que sou dependente da internet. Desde que ganhei o smartphone, é impressionante, facilita muito a vida e mudou completamente nossos hábitos;, completa Natasha.

Doença
Apesar das inúmeras facilidades possíveis com a internet, como se comunicar em tempo real de graça, manter contato com pessoas distantes e consultar mapas, manter-se conectado o tempo todo pode atrapalhar as relações pessoais, o trabalho e a vida particular dos internautas. Quando o vício atinge esse nível, é hora de rever o uso da internet e avaliar se o usuário precisa procurar ajuda. Nessas situações, ele pode sofrer de transtorno da internet. A doença é comprovada, mas ainda não reconhecida pelas instituições mundiais de psicologia.

A crescente procura pelo tratamento reflete a quantidade de hospitais e universidades que oferecem ajuda ; a maioria, no Rio de Janeiro e em São Paulo. A Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, o Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP, o Instituto Psicoinfo e o grupo de ajuda Jogadores Anônimos são algumas opções.

A psicóloga e diretora do Instituto Psicoinfo, Luciana Nunes, explica que a atual geração, chamada de next ; formada por indivíduos que nasceram a partir de 1998 ;, não consegue entender o mundo sem internet. ;Para essa geração, ela é como o ar, natural, já faz parte do dia a dia;, analisa. ;Muito importante é a diferenciação entre a utilização saudável, o abuso e a patologia.; Luciana afirma que a patologia é observada quando a vida pessoal do indivíduo é prejudicada pelo abuso do mundo virtual.

Existem nove sintomas para identificação da dependência da internet (ver quadro). Entre eles, está a dificuldade de se relacionar, a substituição da personalidade presencial pela virtual, a preocupação constante quando está off-line e a irritabilidade. ;Se a pessoa apresentar cinco desses sintomas, aí vem o 10; critério, que é avaliar se esse comportamento vai durar mais de seis meses, e o 11;, que é observar se o período de utilização compulsiva da internet é uma mania;, ensina. A psicóloga ressalta que a dependência da internet também pode refletir um transtorno psiquiátrico primário ; como bipolaridade, mania e ansiedade ; projetado na web. Por isso, é sempre importante procurar um especialista.

Critérios para avaliar a dependência
; Preocupação constante com a internet quando se está off-line.
; Necessidade crescente de utilizar a rede como forma de obter excitação;
; Irritabilidade quando tenta reduzir o tempo na internet;
; Utilização da internet como forma de fugir de problemas;
; Mentir para familiares para encobrir o envolvimento nas atividades on-line;
; Comprometimento social e profissional;
; Comprometimento nas articulações motoras utilizadas na digitação;
; Falta de interesse em atividades fora da internet;
; Sensação de estar vivendo um sonho durante um período prolongado.

Memória

Conheça casos de dependência de web e jogos on-line na China, no Japão, nos Estados Unidos e na Coreia do Sul.

50 horas de jogo
Um sul-coreano de 28 anos morreu após passar 50 horas jogando simuladores de batalha on-line em um cibercafé. O fato aconteceu em 2005, na cidade de Taegu. O homem, identificado apenas pelo sobrenome Lee, sofreu uma parada cardíaca minutos depois de parar de jogar. Lee havia abandonado o trabalho para passar mais tempo no computador. Testemunhas informaram que ele deixava o local apenas para ir ao banheiro e dar pequenos cochilos em uma cama improvisada.

Três dias on-line
Em fevereiro deste ano, outro caso de morte devido ao excesso de uso da internet. Na China, um homem de 30 anos morreu depois de ficar 72 horas seguidas na web. Ele entrou em coma enquanto jogava em um cibercafé nos arredores de Pequim. O homem chegou a ser transportado com vida para um hospital local. Testemunhas afirmam que o chinês teria ficado sem comer e dormir durante os três dias e que, no mês anterior à morte, teria gastado mais de mil euros na lan house.

Deixou a filha morrer
Um casal de sul-coreanos deixou a filha de três meses morrer por desnutrição enquanto criava uma bebê virtual no jogo Prius Online. O crime aconteceu no ano passado. Tanto o pai, de 41 anos, quanto a mãe, 25, foram presos. Segundo uma agência de notícias, eles alimentavam a criança uma vez por dia, entre períodos de 12 horas passados no cibercafé.

Cinco dias sem net
O norte-americano Mark Malkoff resolveu morar no banheiro por cinco dias para curar o vício da internet. O fato curioso ocorreu entre 23 e 28 de agosto do ano passado, em Nova York. O homem ficou trancado no banheiro e teve a companhia apenas dos livros. Ao terminar o desafio, o jovem disse ter mudado. ;Eu me acostumei com o ritmo lento da vida. Mais gente deveria tentar;, afirmou.