Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Engenheiro apresenta na USP sistema que alerta motoristas para colisões

Um momento de distração no trânsito e, em uma fração de segundo, ocorre uma batida. As razões para isso podem ser as mais diversas, mas é comum que surjam episódios como uma ultrapassagem perigosa pelo motorista do veículo ao lado ou porque um motociclista estava localizado exatamente no ponto cego do carro quando a pessoa foi trocar de faixa. Cerca de 430 mil acidentes de trânsito são registrados todos os anos no Brasil, de acordo com o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran). O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) adverte que aproximadamente 8% dessas colisões são causadas por distração do condutor ; ou seja, cerca de 25 mil. Preocupado com essa questão, o engenheiro elétrico Eduardo Bertoldi desenvolveu, como projeto de mestrado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), um sistema anticolisão, que possui sensores ao redor do carro e alertas sonoros e vibratórios no banco do motorista.

Bertoldi explica que decidiu fazer o protótipo quando constatou que colisões laterais são um problema muito frequente nas vias de São Paulo. ;Essa falta de visualização completa no retrovisor pode gerar acidentes. E, nesse aspecto, a eletrônica do veículo pode ser usada para ajudar o motorista;, garante. ;Nosso foco foi encontrar uma forma eficiente de alertar o condutor de um possível risco de batida sem assustá-lo, pois isso poderia resultar em uma reação brusca e arriscada.; Com base nesses aspectos, o pesquisador elaborou um sistema que conta com sensores nas laterais do carro, como os de estacionamento já existentes, que identificam veículos em rota de colisão.

O ponto principal do dispositivo, no entanto, consiste em seus dois meios de alertar o condutor sobre uma possível batida. ;Queria algo que superasse a interação visual. Por isso, um dos alarmes elaborados é sonoro. Foram usados dois alto-falantes, que ficam, respectivamente, à direita e à esquerda da cabeça do motorista, no encosto do banco;, descreve. O outro alerta é composto por dois dispositivos vibratórios, que ficam no assento do banco do motorista, localizados próximo aos joelhos. ;Se o carro corre o risco de bater no lado direito, imediatamente os alarmes sonoro e tátil começam a funcionar do lado direito. O mesmo vale para o lado esquerdo;, completa o pesquisador. O alerta vibratório, segundo ele, foi criado para que o indivíduo realizasse automaticamente um movimento mecânico, já que ocorre estimulação direta da parte motora do corpo humano.

A orientadora de Bertoldi no projeto, Lucia Filgueiras, engenheira eletrônica e professora do Departamento de Computação e Sistemas Digitais da Escola Politécnica da USP, explica que o trabalho surgiu da junção da experiência profissional do engenheiro elétrico, que trabalha em uma empresa automotiva, com a experiência acadêmica dela. Para ela, o mais interessante do dispositivo foi compreender quais os efeitos da interação multimodal ; ou seja, de estimular sentidos variados, como a audição e o tato ; entre o sistema e o motorista. ;A ideia era superar apenas o estímulo visual enquanto a pessoa estivesse dirigindo. Foi muito positivo saber que a multimodalidade foi útil, no sentido de fazer com que as pessoas agissem mais rapidamente a partir dos estímulos, a fim de evitar acidentes.; Os resultados foram notáveis: nos testes feitos com 35 voluntários, eles reagiram à iminência de batida em 83% dos casos quando usaram o sistema, contra 75% de reações quando não o usavam. O tempo de reação com os dispositivos de alerta também diminuiu em 150 milésimos de segundo.

Lucia considera que a parte mais difícil do projeto foi executar um experimento simples, que dispunha de poucos recursos e, ainda assim, fosse consistente com a realidade de um automóvel e de situações de trânsito. ;Nas simulações, foi feita a projeção do jogo de videogame Mania Drive em uma parede, e os sistemas de alerta foram instalados em uma cadeira. Houve momentos de questionamento sobre até que ponto essa instalação comprometeria os testes, porque queríamos o máximo de fidelidade possível à situação de um carro no trânsito, como quanto à posição e ao ângulo dos espelhos retrovisores;, relata a professora.

Como o software do jogo é livre e colaborativo, os pesquisadores conseguiram adaptá-lo de acordo com seus interesses. Incluíram um carro que perseguia o veículo de teste, procurando sempre colidir com ele ou ;fechá-lo;. A equipe também acrescentou espelhos retrovisores, para tornar a experiência mais próxima do real.

;Essencial;

A universitária Amanda Rodrigues, 22 anos, acha que esse sistema seria ;essencial; na vida dela. ;Não sei o número exato da quantidade de vezes que bati meu carro. Aliás, não só o meu. Já bati carro da minha mãe, de amigos e até mesmo de namorado. A maioria das vezes foi por falta de atenção, principalmente por causa do ponto cego;, detalha. O último acidente grave em que se envolveu foi no fim de 2010, quando estava fazendo um retorno na avenida L2. ;Não vi o outro carro mudando para a faixa que eu estava entrando. Ele me jogou pra cima de outro veículo e depois meu carro foi arremessado para fora da pista, parando entre uma árvore e um poste no canteiro;, recorda. ;Exatamente por causa do ponto cego e por às vezes não conseguirmos ver um veículo mudando de faixa, acho extremamente importante o dispositivo anticolisão;, ressalta Amanda.

A bióloga Márcia Motta, 23 anos, acha válida a criação e implantação desse sistema. A jovem já bateu o carro duas vezes. Em uma delas, no período de chuva, um pedestre passou sem sinalizar na faixa, fazendo com que um carro parasse bruscamente e causasse um engavetamento, no qual ela foi a última motorista envolvida. ;Não foi nada forte, mas, com a pista molhada e a freada brusca, não deu para segurar. Confesso que poderia ter visto antes, mas não notei;, recorda. O outro caso, mais grave, ocorreu porque ela dormiu ao volante após tomar um antialérgico, acidente que poderia ter sido evitado quando os sensores detectassem a rota de colisão e os alarmes a despertassem. Márcia concorda com Amanda quanto ao fato de que o projeto lhe ajudaria no trânsito, ;principalmente em relação ao ponto cego;. ;Com esse dispositivo, evitamos também aquela virada de cabeça ou jogada de olho rápida para ver se o carro está perto;, acrescenta.

Bertoldi conta que os próximos passos da pesquisa são fazer testes em um ambiente real. ;Queremos tornar esse sistema o mais eficaz possível. E sabemos que dá para fazer isso, já que existem sistemas de alerta do tipo na aviação;, destaca. Lucia acrescenta que ainda serão necessários mais experimentos para identificar se há falhas nos alertas sonoro e vibratório que precisam ser resolvidas. ;Na indústria, os donos das empresas querem implementar a primeira solução para os problemas que encontram. No mundo da pesquisa, queremos dar não a primeira, mas a melhor solução;, garante.


No vidro

Para facilitar ainda mais a vida dos motoristas, a empresa norte-americana Making Virtual Solid está desenvolvendo um dispositivo que coloca os dados de navegação por GPS no vidro do carro, fazendo com que a informação do sistema se sobreponha à paisagem que o condutor vê. O dispositivo Virtual Cable, segundo a empresa, teria profundidade 3D. A ideia dos criadores do protótipo é ajudar os motoristas principalmente durante a noite, para que vejam os locais para onde querem ir. A companhia garante que inclusive informações de placas de trânsito ficarão disponíveis no sistema, para que o condutor saiba com clareza a velocidade da via. O Virtual Cable ainda está em fase de testes.