A rede sem fio é usada para a transmissão de informações por meio de ondas eletromagnéticas, como é o caso da rede wi-fi, do telefone celular, do rádio e da televisão. É comum encontrar pessoas que reclamam do wireless para conexão à internet em casa ou no trabalho, ou do bluetooth do celular, com a alegação de que a velocidade do sinal vez ou outra fica muito abaixo do necessário. No entanto, a culpa da baixa potência pode ser, em parte, causada pelo próprio indivíduo. Um estudo feito na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, publicado na revista New Scientist, revela que a rede wireless detecta o movimento e a respiração das pessoas, o que pode afetar a força do sinal.
O líder da pesquisa, Neal Patwari, professor de engenharia elétrica e de computação da universidade norte-americana, afirma, em entrevista ao Correio, que a ideia inicial de sua equipe era encontrar uma forma eficiente e menos invasiva ; ou seja, sem o uso de fios e tubos ; de medir a taxa de respiração das pessoas (veja infografia). ;Durante o processo, percebemos que as ligações entre dispositivos sem fio se modificavam para mais fracas ou mais fortes quando o indivíduo inspirava ou expirava;, detalha. ;Observamos que, na inspiração, os sinais da rede wi-fi se curvam em direção ao peito da pessoa, percorrendo caminho maior para chegar ao outro dispositivo e perdendo potência. Por isso, o sinal enfraquece;, explica Patwari. Segundo o pesquisador, ao contrário, a liberação de ar dos pulmões praticamente não modifica a potência do wireless.
;A parte mais interessante da análise foi sabermos que a respiração tem impacto sobre a força do sinal recebido. A descoberta aconteceu quando Joey Wilson, especialista em sensoriamento e processamento através de redes, usava um equipamento de medição para analisar uma tomografia;, comenta, referindo-se a um dos pesquisadores de sua equipe. Patwari diz que Wilson notou que os sinais de um dos dispositivos wireless estava oscilando em frequência próxima à de sua respiração. ;Ele prendeu o fôlego e a flutuação parou. Então, respirou com rapidez e o sinal oscilou rapidamente;, acrescentou. Com base nessa informação, os pesquisadores desenvolveram um sistema que permitisse aferir as taxas de inspiração e expiração. Foi necessário, para isso, investigar diversos algoritmos até encontrar um que usasse todas as conexões wi-fi em um ambiente de maneira eficaz.
O especialista em performance de sistemas de comunicação sem fio Paulo Cardieri, professor da Escola de Engenharia Elétrica e da Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que a ideia do sistema proposto pelo grupo é baseada na perturbação que um objeto provoca na difusão de uma onda eletromagnética. ;Quando respiramos, nosso peito se expande e se contrai. Esse movimento, mesmo que pequeno, modifica o ambiente de propagação, alterando a potência do sinal emitido;, conta. ;Se mais nada se movimentar em torno da pessoa cuja respiração se está medindo, então podemos associar as perturbações na onda eletromagnética ao movimento do peito e, portanto, à respiração;, conclui o professor, que estudou com Patwari quando fez doutorado no Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, nos Estados Unidos.
Outros obstáculos
Além da respiração em si, os pesquisadores identificaram que praticamente todos os obstáculos físicos presentes em um ambiente podem afetar o sinal tão usado para conectar-se à internet. ;Como só procuramos modificações na força do sinal em um lugar onde havia vários dispositivos sem fio, essa interferência ficou mais evidente com obstáculos móveis;, relata. Ele dá como exemplo dois dispositivos wireless colocados cada um de um lado de uma cama. De acordo com Patwari, o movimento de alguém deitado na cama seria detectado pela rede sem fio e teria influência sobre o sinal.
O especialista em sensoriamento de espectro cooperativo André Barreto, professor de Engenharia Elétrica da Universidade de Brasília (UnB), reafirma que as transmissões sem fio são bastante afetadas por obstáculos fixos e por movimentos em geral. ;O sinal de um dispositivo é enviado para outro por um transmissor de rádio por meio de ondas eletromagnéticas com certa potência. Porém, apenas uma parte dessa potência chega ao receptor. A maior parte dela é dissipada no ambiente ou obstruída por algo no caminho;, descreve. ;Até respiração altera a propagação e afeta o nível de potência recebido, e é isso que esses pesquisadores analisaram. Aparentemente, a respiração causa uma variação periódica no nível de sinal recebido e este período pode ser determinado por análise matemática;, explica Barreto.
Cardieri comenta que ;o quanto um obstáculo atrapalhará a transmissão de dados dependerá de diversos fatores, como frequência de onda ; que no wi-fi é em torno de 2,4 GHz ;, tamanho e tipo do material do obstáculo, entre outros;. Ele faz uma analogia com a luz de uma lanterna para explicar a situação. ;Se colocarmos a nossa mão na frente de uma lanterna ligada, veremos que bloqueamos parcialmente a luz. No entanto, notamos também que a luz da lanterna atinge uma região, mesmo existindo um obstáculo entre a lanterna e aquele local. Isso ocorre porque a luz reflete em outros objetos e atinge indiretamente as outras regiões. O mesmo ocorre com a onda de rádio;, compara.
Inovação
O professor da Unicamp destaca que a importância da pesquisa está na descoberta de uma forma inovadora de medir a taxa de respiração de uma pessoa, ao usar conceitos e técnicas que focam em dispositivos eletrônicos de baixo custo. ;A equipe do professor Patwari tem trabalhado há algum tempo com novas aplicações de transmissão sem fio, como um sistema de detecção de movimento de pessoas. No trabalho em questão, deve-se ressaltar que a técnica desenvolvida pode ser usada com qualquer sistema de propagação de ondas de rádio;, completa o especialista em performance de sistemas de comunicação sem fio.
Patwari acredita que esse estudo pode levar à criação de produtos comerciais que aumentem o conforto de pacientes enquanto são monitorados após uma cirurgia ou outros procedimentos médicos. Uma de suas aplicações seria nos estudos do sono, em que poderiam ser obtidas informações do organismo das pessoas sem precisar usar fios. ;Nossos próximos passos incluem desenvolver algoritmos ainda mais confiáveis para monitorar a respiração, fazer estudos com várias pessoas para rastrear a performance das redes wi-fi com sujeitos diferentes e testar sistemas que detectem a respiração de pessoas presas em edifícios colapsados.;