Imagine que, de repente, você ganhou poderes sobre-humanos. O que você faria? Arriscaria a própria vida em prol de pessoas que não conhece, ou tomaria o controle do que quisesse sem se importar com ninguém? Há dois anos, a Sucker Punch nos colocou diante desses dilemas em inFamous, uma das boas surpresas da nova leva de exclusivos do PlayStation 3, em que os poderes elétricos de Cole MacGrath garantiam uma interessante mistura de mundo aberto, ação e tiro em terceira pessoa ; tudo com um toque de história em quadrinhos. Lançado no fim de junho, inFamous 2 tem a intenção de mostrar que a série, assim como seu protagonista, havia amadurecido.
O primeiro inFamous ganhou mais reconhecimento pela própria qualidade do que por marketing. Portanto, é natural que muitos tenham deixado de jogá-lo. Por isso, a produtora Sucker Punch teve o cuidado de resumir sua trama para os recém-chegados, embora seja recomendável jogá-lo para entender tudo ; principalmente porque o game foi disponibilizado de graça, como um presente aos usuários lesados pelo ataque à PlayStation Network em abril.
Recapitulando (aviso: há spoilers adiante. Se não quiser saber os segredos da trama, pule para o próximo parágrafo): Cole, homem comum, vira um condutor de eletricidade ambulante da noite para o dia. Daí, o jogo conta sua jornada para se tornar um super-herói ; as escolhas que ele faz no caminho ficam por sua conta. No final, o acidente é parte de um plano para fazer do rapaz a única pessoa capaz de combater o monstro humanoide gigante chamado de A Besta, que surgirá para derrotá-lo e destruir a civilização.
A chegada da Besta à Empire City, local do primeiro game, é o ponto de partida de inFamous 2. Obviamente, Cole não tem chances na batalha e é obrigado a fugir para New Marais, enquanto vê o monstro destruir o lugar que ele foi preparado para proteger. No seu destino, há meios de aumentar seus poderes e derrotar o monstro, mas durante o caminho ele precisa lidar com os problemas locais: a cidade está sob o controle de Bertrand, um político xenófobo que repudia seres com habilidades sobre-humanas e outros tipos de aberrações que têm surgido por lá, e é dono de uma milícia que oprime quem se opõe ao regime.
São muitos nomes, acontecimentos e posições, mas tudo isso é convenientemente posicionado para manter os padrões que deram certo no jogo anterior. Os soldados da milícia fornecem um estoque ilimitado de capangas para que você possa testar os novos poderes de Cole, organizados em um novo sistema que revitalizou o arsenal do super-herói sem obrigar o jogador a começar da estaca zero. Ele manteve as principais técnicas do primeiro jogo (a granada elétrica e as habilidades relativas à locomoção do personagem) e, com o que é adquirido ao longo desta aventura, ele é capaz de destruir exércitos inteiros de uma só vez ; o cenário também se desfaz em vários pedaços, o que ajuda a passar essa sensação de aumento da força do personagem.
O ambiente de inFamous 2 também simboliza uma mudança para melhor em relação a seu antecessor. New Marais, versão genérica da cidade americana de Nova Orleans, tem prédios com sacadas, pântanos, florestas e uma área inspirada na parte do local que foi devastado pelo furacão Katrina, com casas quase submersas. No total, ela oferece muito mais variedade do que o mar de prédios de Empire City.
Ao longo do caminho, os poderes já existentes de Cole ganham variantes obtidas com experiência adquirida nas missões e completando algumas acrobacias com seus golpes. O raio, por exemplo, pode ser modificado para ter mais força ou alcance, e por aí vai. A última novidade é a chance de adquirir poderes de fogo ou gelo, dependendo de sua aproximação para o lado do bem ou do mal, representado por duas personagens: a justa Kuo, agente que traz Cole a New Marais, ou a rebelde Nix, que se opõe à milícia. Mais uma vez, a Sony trabalhou bem no processo de localização do jogo para o português do Brasil. A adaptação, repleta de linguagem coloquial, é adequada ao tema do jogo, mas em alguns momentos é comprometida pela dublagem, que flerta com a canastrice.
Encruzilhada
É necessário reconhecer o esforço da Sucker Punch em conectar a história, os conceitos do jogo e o que você pode fazer no cenário de uma forma mais eficiente, um dos pontos fracos do game anterior. Mas neste processo, inFamous 2 caiu numa encruzilhada. Enquanto a proposta da primeira aventura era permitir a você moldar o caráter de um super-herói em formação, por meio de decisões que a faziam pender para o bem ou o mal, a continuação coloca você na pele de um personagem já formado e conhecido dentro da trama. O jogo não decide se o seu ponto forte está na condução da trama ou na liberdade de ditar os rumos do herói, e por isso não obtém resultados satisfatórios em nenhuma das duas vertentes.
Essa opção leva a resultados estranhos. Enquanto a maioria dos personagens coadjuvantes se desenvolve de forma interessante no decorrer do jogo, Cole, quem mais deveria aparecer, continua raso e pouco carismático. Não deveria ser um problema, pois o jogador toma as decisões importantes, mas o sistema de carma ainda registra se você é ;do bem; ou ;do mal;, ignorando toda uma área moral cinza que poderia dar ao protagonista do jogo a personalidade de que ele tanto precisa.
A filosofia se repete um pouco no que o jogo tem a oferecer, principalmente na novidade mais pretensiosa de inFamous 2: a opção de criar e compartilhar missões on-line.
Elas estão disponíveis desde os primeiros momentos em New Marais, e, na teoria, garantem vida útil eterna ao game. Por enquanto, a maioria das missões desse modo ainda são da própria Sucker Punch. Como o editor de missões é complexo, é provável que ainda leve um tempo para que surjam desafios interessantes por parte dos jogadores.
Como os poderes eletrizantes de seu protagonista, que se desdobram em várias formas e habilidades, a nova aventura de Cole tenta oferecer ao jogador muito em várias áreas, do roteiro à criação de fases. No entanto, quantidade nem sempre significa qualidade, e isso impede que inFamous 2 entre na categoria dos jogos verdadeiramente memoráveis. Mas, para um título de ação, ainda mais um cuja roupagem vem dos quadrinhos norte-americanos, ele cumpre com maestria sua proposta: fazer você se sentir um super-herói.
Não recomendado para menores de 16 anos