Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Inovador e diferente, novo jogo da Rockstar reinventa os padrões da empresa



A senhorita Galletta está mentindo. Ela acaba de dizer que viu o próprio chefe ser morto à luz do dia, no meio da rua, em frente à loja em que trabalha, mas algo está estranho nessa afirmação. Em um momento, ela quase chora. Logo em seguida, faz uma cara séria e evita olhar o policial que a interroga. Ele até tem provas para contradizer o testemunho da moça, mas não precisa de nada para saber que ela não diz a verdade. Seu rosto a denuncia.

A senhorita Galletta é apenas uma personagem de L.A. Noire, lançado para PlayStation 3 e Xbox 360 em maio. Mas, assim como o resto do elenco do game, o amontoado de polígonos que compõe sua face consegue se expressar de uma forma tão crível quanto uma pessoa de verdade.

Seria fácil (e correto) dizer que o responsável por esta façanha gráfica não é o jogo, mas a tecnologia por trás dele ; um novo sistema de captura de movimentos chamado MotionScan, que usa 32 câmeras de alta definição para registrar movimentos em 30 quadros. Mas fazer essa constatação seria diminuir uma obra que pode se firmar como um ponto de mudança sobre como os videogames são vistos. L.A Noire é um jogo sobre investigações criminais na Los Angeles dos anos 1940, que, sob o progresso desenfreado e o glamour de Hollywood, esconde um submundo de tráfico de drogas, exploração sexual, corrupção na polícia e um exército de soldados que deseja voltar a uma vida normal após sofrer os horrores da Segunda Guerra Mundial. Como o nome indica, o jogo pega emprestado do cinema a estética noir, com direito a filtro para se jogar em preto e branco.

Cole Phelps, soldado condecorado por seus serviços no front que decide entrar na polícia de Los Angeles, tem a missão de resolver diversos casos e escalar os níveis de hierarquia da corporação de acordo com o seu sucesso. De simples patrulhas, logo você está diante de complicados casos de homicídio ou incêndio criminoso. Tudo é entremeado por uma história complexa se desenrolando nos bastidores. A classe é normal se lembrarmos de onde o game veio. Apesar de ter sido desenvolvido pelo estúdio australiano Team Bondi, ele tem o pedigree da gigante Rockstar, criadora de GTA e Red dead redemption.

Ter esses nomes associados ao seu jogo traz muitas vantagens ; e desvantagens tão grandes quanto. A primeira coisa que se deve ter em mente ao começar uma partida é que essa não é uma versão retrô do polêmico jogo onde se rouba carros e comete crimes. É notável o esforço dos produtores para evitar que você jogue assim, seja avisando ou punindo o jogador que tentar atropelar alguém ou causar qualquer tipo de desordem nas ruas. Contrariando a lei não escrita dos games com mundo aberto, L.A. Noire só pode ser jogado de uma única maneira: sob as regras impostas pelos desenvolvedores, sob penas mais pesadas caso você saia da linha. Ironicamente, a Rockstar retirou sua liberdade justo no jogo em que você está do lado certo da lei.

Investigar
L.A. Noire definitivamente não pode ser encarado como uma experiência similar a um GTA. Aqui, em vez de zanzar pela cidade dos anjos a bel-prazer, há uma história mais bem delineada a seguir. A estrutura do jogo se divide em casos, com direito a longas cenas de corte entre cada um deles. As partes em que se precisa ;ir do ponto A ao ponto B; são jogáveis apenas quando você está caçando o criminoso. E, ainda assim, é pode pedir para o seu parceiro dirigir em seu lugar e pular toda essa parte.

Desvendar o crime e pegar o bandido é um trabalho que envolve três tarefas: examinar a cena do crime, interrogar as vítimas e, com menor importância, sujar as mãos e fazer o trabalho pesado. As investigações são experiências multissensoriais: a vibração do controle e o som indicam quando se está próximo de uma pista, enquanto um suave acorde avisa que você encontrou tudo que há de relevante na cena do crime.

Ao contrário de muitos jogos que seguem o caminho da comodidade, as investigações devem ser feitas com mais do que os olhos podem ver. É interessante notar como o Team Bondi optou por fugir do óbvio nessa parte do jogo, quando poderia simplesmente indicar onde as pistas estão com um sinal luminoso ou uma indicação no mapa. Assim, mostra que L.A. Noire não é só excelente por suas novidades técnicas, mas também pelas boas escolhas feitas na construção deste sistema.

Interrogar os suspeitos também é uma parte importante do processo que pode levá-lo mais rápido à solução do caso. Ao ouvir as pessoas, você deve julgar se elas estão ou não mentindo, podendo acusá-las ou duvidar de suas afirmações. Para isso, você deve não só prestar atenção no que elas dizem e comparar com as pistas encontradas, como também observar suas feições ; que, com a incrível técnica do MotionScan, chegam muito perto do ponto em que o gráfico é realista, mas ainda parece natural aos olhos humanos.

Mesmo com o foco do jogo nestas duas atividades, L.A. Noire ainda reúne, em menor escala, seções de perseguições e tiroteios, que funcionam muito bem para quebrar a pegada mais cerebral das investigações com um pouco de adrenalina. A maioria dessas partes fica por conta dos crimes de rua ; ocorrências de emergência que podem surgir enquanto você está se dirigindo a qualquer local durante uma investigação.

Como reza a cartilha da Rockstar, o jogo tem de tudo um pouco: romance, investigações, suspense, porrada, tiroteios, mundo aberto, perseguições. No entanto, ao contrário de um GTA, esses elementos são organizados de uma forma muito diferente do que já se viu em qualquer título da empresa ; talvez, até em qualquer outro game. No fim, uma coisa é certa: o resultado é uma das experiências mais interessantes de 2011 e eleva o nível desste meio como forma de entretenimento. A partir de agora, quando se trata de contar histórias com o controle na mão, L.A. Noire é o padrão a ser superado.

História monocromática
O estilo film noir (filme preto, em francês) se popularizou no início da década de 1940 em Hollywood. De forma geral, ele indica dramas policiais com alguns elementos do terror, envolvendo também temas como sexo e violência. A característica marcante do estilo é a imagem em preto e branco com forte contraste, que veio do expressionismo alemão.