Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Indústria aposta na fabricação de materiais multifuncionais

A ficção é repleta de cenas em que um cientista mistura compostos para criar algo nunca imaginado. Pois, para físicos e químicos da vida real, esse enredo não é coisa só de cinema. Pesquisadores de todo o mundo trabalham hoje para encontrar os chamados metamateriais, substâncias com propriedades que não existem na natureza. São essas combinações que poderão diminuir ainda mais o tamanho dos eletrônicos e melhorar o desempenho de outros aparelhos.

Os materiais se dividem em três categorias: naturais, sintéticos (que unem propriedades de diferentes substâncias oferecidas pela natureza) e, finalmente, metamateriais. ;Esses não existem em nenhum lugar. Para criá-las, combinamos características de forma não esperada, gerando algo extraordinário;, detalha Ducinei Garcia, do Instituto de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFScar). Ela passou os últimos 10 anos estudando um material que tem sua transparência controlada a partir de estímulos elétricos.

A tecnologia desenvolvida por ela e seus colegas pode ser usada na fabricação de painéis luminosos, por exemplo. Mas sua principal característica ; fundamental nesse campo de pesquisa ; é a multifuncionalidade. O material apresenta duas propriedades ao mesmo tempo, a elétrica e a de transparência. ;Esse aspecto é perseguido há anos. A ideia é criar algo que consiga desempenhar várias funções;, explica o pesquisador João Paulo Sinnecker, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. E há algumas matérias bem-sucedidas nessa meta. Em 2009, a Agência de Ciência e Tecnologia do Japão anunciou o desenvolvimento da ferrita de gadolínio, que combina propriedades magnéticas e elétricas.

Esse é, inclusive, um dos desafios: sintetizar um material que carregue informações magnetoelétricas e que seja fácil de ser produzido. ;Hoje, a corrida tecnológica é pela miniaturização, algo que só será possível com a criação de substâncias com essa propriedade;, diz o professor Luiz Oliveira, do Laboratório de Materiais e Baixas Temperaturas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Funciona assim: os HDs de computadores antigos utilizam materiais magnéticos, que guardam muitas informações, mas exigem um disco para escrever o dado, outro para ler e outro para rodar. Nos últimos anos, surgiram os HDs de materiais ferroelétricos, que usam a corrente para promover o acesso às informações. A vantagem é que o armazenamento é feito em um espaço menor. O problema é que eles não suportam uma grande quantidade de dados. ;Agora, o objetivo é unir as duas propriedades, de forma que os aparelhos fiquem menores. Essa tecnologia também permitirá que os programas não se percam sempre que o computador é desligado;, ressalta Oliveira.

A ciência dos materiais também está em busca de uma substância multifuncional que possa ser usada nas telas touchscreen, cada vez mais demandadas em tablets e smartphones. No começo, essa tecnologia dependia da existência de várias camadas ; isolante, transparente, receptora do toque etc. ;, mas, hoje, fabricantes e centros de pesquisa querem encontrar um componente que possa fazer tudo isso de uma vez só.

Mercado promissor
O Brasil tem investido em pesquisas, mas falta aplicar o resultado das descobertas. ;Nós melhoramos muito no ranking internacional da publicação de artigos, mas ainda não conseguimos transformar isso em equipamentos;, lamenta Oliveira. Ele acredita que parte do problema está na falta de fé do setor empresarial, acostumado a priorizar a produção agrícola. ;Não há intercâmbio entre cientistas e empresas e, hoje, nos tornarmos apenas montadores de coisas desenvolvidas lá fora.;

Ducinei Garcia concorda. ;As pessoas, às vezes, comentam comigo: ;As coisas que você faz só vão chegar à sociedade daqui a uns 20 anos;. Mas nós temos que fazer;;, defende. Para ela, a formação de recursos humanos em tecnologia acabará pressionando a criação de incubadoras e de um mercado produtor de alto nível. ;Vamos continuar pesquisando materiais de ponta, isso nos coloca lado a lado com cientistas internacionais;, opina.

Eficácia dos orgânicos
Uma das empresas que mais têm investido nessa área é a Samsung, com a fabricação de telas Oled (sigla para diodo orgânico emissor de luz). Com essa tecnologia, uma placa formada por semicondutores orgânicos promove a iluminação, com a vantagem de ter maior contraste sem tanto consumo de energia.