Jornal Correio Braziliense

Tecnologia

Exército dos Estados Unidos cria 'homens de ferro' da vida real

Os exoesqueletos, espécies de armaduras utilizadas atualmente por soldados das Forças Armadas dos Estados Unidos e, em alguns casos, por pessoas com deficiências de movimentos, tornam-se cada vez mais sofisticados

A imaginação humana levou para os quadrinhos o sonho dos superpoderes. Nas tirinhas, heróis natos e aqueles que precisam de acessórios para aumentar sua força conseguem fazer coisas impossíveis aos mortais comuns. Esse ideal, contudo, deixou de ser exclusivo da ficção. Pesquisadores de todo o mundo trabalham em máquinas que prometem dar mais agilidade ao corpo, fazendo com que qualquer indivíduo tenha sua capacidade física recuperada ou aumentada. Os chamados exoesqueletos já estão sendo utilizados pelas Forças Armadas dos Estados Unidos e também para melhorar a vida de quem tem movimentos limitados.

Os exoesqueletos são estruturas mecânicas que ficam do lado de fora do organismo, como se fossem a carapaça dos crustáceos. Servem para transmitir energia e sinais de controle por meio de motores elétricos, pneumáticos ou hidráulicos. ;No caso de pessoas saudáveis, esses dispositivos amplificam suas capacidades. Se alguém é capaz de levantar 15kg normalmente, consegue carregar 30kg usando um exoesqueleto;, afirma o professor Arturo Forner-Cordero, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). Forner-Cordero é chefe do Laboratório de Biomecatrônica da Poli e está liderando a construção do primeiro exoesqueleto brasileiro.

Enquanto o Brasil ainda engatinha, outros países já são referência nessa tecnologia. Os japoneses desenvolveram um exoesqueleto de uso comercial que cobre membros inferiores e superiores. O HAL-5 é, na verdade, um traje-robô que pode ser usado para reabilitação física, suporte ao trabalho pesado em fábricas, apoio a equipes de resgate e, até mesmo, para diversão. Sensores espalhados pelo robô captam microssinais emitidos pela pele do usuário quando seu cérebro aciona, ou tenta acionar, os músculos. Com base nisso, a unidade de potência controla as articulações do exoesqueleto para que elas funcionem no mesmo compasso do movimento do usuário.

;Eu sempre me preocupei com a relação entre os seres humanos e as tecnologias. O homem fica cada vez mais velho e viver significativamente depende da existência de recursos desse tipo;, aponta o pesquisador Yoshiyuki Sankai, da Universidade de Tsukuba, e desenvolvedor do HAL-5, no site da empresa Cyberdyne, que ele criou para comercializar o invento. Sankai decidiu investir em exoesqueletos porque eles podem melhorar os movimentos das pessoas sem serem invasivos. ;O sistema de defesa do corpo rejeita quase tudo que entra na pele. A pele, então, é uma fronteira importante e eu tentei manter a tecnologia nessa fronteira;, diz.

Supersoldados
Com metas bem mais ambiciosas, a Darpa, agência de pesquisas da área de defesa dos Estados Unidos, financiou um projeto de exoesqueleto para fins militares. O Bleex ; sigla em inglês para Berkeley Lower Extremity Exoskeleton, em referência à Universidade de Berkeley, que o desenvolveu ; é composto por duas estruturas que acompanham o desenho das pernas do usuário e por uma mochila, onde a pessoa pode levar armas ou suprimentos. O dispositivo é conectado ao corpo pelo pé, garantindo que o indivíduo consiga correr e se agachar sem perder a agilidade.

A ideia principal por trás do Bleex era criar um equipamento que pudesse ser usado para transporte de cargas pesadas, como alimentos, material de resgate, aparelhos de comunicação e armamentos, com o mínimo de esforço do soldado. Além disso, o protótipo precisava funcionar bem em qualquer tipo de terreno. Para garantir o sucesso da empreitada, os pesquisadores investiram principalmente na eletrônica e no sistema de carregamento de energia. Sensores espalhados pelo dispositivo captam informações sobre o movimento do usuário e as transmitem para um pequeno computador por meio de um sistema parecido com o de uma rede local (LAN). Já as articulações são movidas por energia hidráulica, exceto a que alimenta o computador de bordo, que precisa de uma bateria.

A ;criação; de supersoldados atraiu também empresas privadas. A Lockheed Martin, fabricante de soluções militares e aeroespaciais, recebeu do Exército dos Estados Unidos US$ 1,1 milhão para desenvolvimento e testes de uma nova geração do exoesqueleto Hulc. O Hulc, que também funciona com articulações hidráulicas, possibilita que o usuário leve consigo até 90kg de carga sem qualquer esforço excepcional. A empresa ainda investiu em um design que garante a economia da bateria para o computador central, fazendo com que o dispositivo possa ser usado em missões de longa duração. Agora, as Forças Armadas norte-americanas querem que a fabricante melhore o design do Hulc.

;Os testes que fizermos com o Hulc vão nos ajudar a avaliar o estado atual da tecnologia;, afirmou David Audet, do Centro Natick de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia, instituição que avalia as condições de trabalho dos soldados norte-americanos, em um comunicado na época da assinatura do contrato. ;Exoesqueletos têm o potencial de reduzir o estresse sobre o corpo provocado pelas cargas pesadas.; Além das melhorias no desenho e no software do Hulc, o contrato também prevê a realização de análises sobre a quantidade de energia gasta ao carregar o exoesqueleto.

Arma terapêutica
Deixando de lado os superpoderes, os exoesqueletos são ainda poderosos aliados da medicina. Acopladas ao corpo de pacientes que sofreram prejuízo de movimentos nos braços ou nas pernas, essas estruturas conseguem fazer com que o cérebro volte a estabelecer ligações perdidas por conta de acidentes ou doenças. ;O cérebro é plástico, não como uma sopa, mas há regiões próximas ao local de um acidente vascular cerebral que são capazes de tomar conta das funções antes feitas pela parte que morreu;, explica Hermano Igo Krebs, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT).

Krebs, que é brasileiro e está nos EUA desde 1989, desenvolve aparelhos que ajudam os terapeutas a estimular o cérebro dos pacientes durante a reabilitação. O primeiro exoesqueleto criado pelo pesquisador, o Manus, ficou em utilização clínica por mais de 10 anos. Para se ter uma ideia, uma fisioterapeuta conseguia fazer até 45 movimentos com a mão de um paciente durante uma hora de consulta. Com o exoesqueleto, foram mais de mil movimentos no mesmo período. ;Isso é muito mais que tecnologia assistiva. Não estamos fazendo um robô que ajuda a pessoa a colocar a camisa sem utilizar o braço afetado. Queremos que a máquina ajude-a a ampliar a sensibilidade nesse braço;, afirma o pesquisador do MIT.

Agora, Krebs e outros professores do departamento de engenharia mecânica estão trabalhando com um exoesqueleto para a região do tornozelo. ;Quase 70% do andar ocorre a partir dessa região do corpo, por isso a escolhemos;, diz. O protótipo está na fase de testes e já foi utilizado por cerca de 30 pacientes, crianças e adultos. ;A gente tenta criar tecnologias que aumentem o potencial da plasticidade do cérebro. O objetivo é auxiliar a recuperação dessas pessoas.;

A capa do Batman
Não são poucos os heróis que tiram seus superpoderes de algum lugar misterioso. Desde o lendário Sansão ; que perdeu sua força ao ter a cabeleira cortada ; até o Homem de Ferro e sua poderosa armadura, que saiu dos quadrinhos e deu origem a dois longas-metragens. Mas talvez seja o Batman o mais tecnológico dos heróis. O homem-morcego, na verdade, não tem nenhum grande poder. Sua força está na roupa e nos acessórios, que incluem sistemas de blindagem, comunicação e armas secretas.

Movimentos calculados
Dentro de 10 meses, os pesquisadores da USP devem concluir a primeira parte do projeto do exoesqueleto nacional. Financiada pelo CNpQ, a pesquisa prevê a criação de duas estruturas, uma para o braço e outra para a perna. A ideia, por enquanto, é apenas estudar o controle motor humano. Em etapas seguintes, os dispositivos criados agora vão embasar o desenvolvimento de aparelhos voltados para a reabilitação.